terça-feira, 24 de julho de 2012

O MESTRE DA VIDA PARALISANDO OS SOLDADOS



SUMÁRIO
Prefácio ----------------------------------------------------------------------------------- 09
Capítulo 1
As Causas Sociais do Julgamento ------------------------------------------------ 13
Capítulo 2
O Mestre da Vida Paralisando os Soldados ----------------------------------- 31
Capítulo 3
O Poderoso e Dócil: Um Exímio Psicoterapeuta --------------------------- 45
Capítulo 4
Rejeitado e Torturado na Casa de Anás ---------------------------------------- 57
Capítulo 5
Condenado na Casa de Caifás pelo Sinédrio --------------------------------- 81
Capítulo 6
Os Homens do Império Romano na
História de Cristo: O Pano de Fundo -------------------------------------------- 107
Capítulo 7
O Julgamento pelo Império Romano ------------------------------------------- 119
Capítulo 8
Dois Herodes Violentando Jesus ------------------------------------------------- 133
Capítulo 9
Trocado por um Assassino.
Os açoites e a Coroa de Espinhos ----------------------------------------------- 141
Capítulo 10
A Última Cartada da Cúpula Judaica ------------------------------------------- 155
Capítulo 11
O Mais Ambicioso Plano da História ------------------------------------------ 179
Capítulo 12
A Inteligência de Deus: O Todo
Poderoso tem O que Aprender? -------------------------------------------------- 209
Capítulo 13
As Lições e Treinamento da
Emoção do Mestre da Vida -------------------------------------------------------- 225

Prefácio
ós nos alegramos pelo fato da coleção “Análise da
Inteligência de Cristo” estar sendo publicada em diversos países
e ajudando milhares de leitores. Meu desejo inicial era de publicar
apenas três livros. Todavia, a personalidade de Cristo é tão
espetacular que à medida que comecei a investigá-la mais
profundamente percebi que três livros seriam insuficientes.
Pensava, por exemplo, em escrever um livro sobre os
enigmas e as lições de vida presentes no julgamento e na morte
de Jesus. Não foi possível. Há tantos eventos presentes no seu
julgamento e crucificação que os abordarei em dois livros. Esses
momentos da história de Cristo são tão complexos e relevantes
que mudaram as páginas da história. Da sua prisão ao último
suspiro na cruz decorreram menos de 24 horas, mas foi o
suficiente para que se contasse a história antes de Cristo (a.C.) e
depois de Cristo (d.C.). Toda vez que escrevemos o ano em que
estamos, testemunhamos que Jesus Cristo dividiu a história.
Um dia, eu e o leitor morreremos e, com o passar do
N
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
tempo, cairemos nas raias do esquecimento. No máximo algumas
pessoas mais íntimas se lembrarão de nós e sentirão o calor da
saudade. Todavia, o mestre dos mestres é inesquecível. As
reações emocionais e os pensamentos que teve no ápice da dor
fogem completamente ao que se poderia esperar de um homem
no seu caos.
Neste livro, “O Mestre da Vida”, analisaremos as
profundas lições que eles nos deixou durante sua vida e
particularmente durante sua prisão, julgamento e condenação à
morte. A maneira como ele superou sua dor, venceu o medo,
suportou a humilhação pública e preservou sua lucidez num
ambiente inóspito nos deixa atônitos. Este livro termina quando
ele sai sangrando da fortaleza Antônia, a casa de Pilatos,
sentenciado à morte e carregando a cruz.
No próximo livro, “O Mestre do Amor”, estudaremos os
fatos fundamentais que ocorreram na sua longa caminhada até
o Gólgota e os fenômenos misteriosos e palavras inigualáveis
que ele proferiu durante a sua crucificação. Jesus foi um mestre
do amor até o seu coração silenciar-se.
Outro livro que fará parte desta coleção será “O Mestre
Inesquecível”. Nele investigaremos o perfil psicológico dos
discípulos antes da morte do seu mestre, tais como seus conflitos,
dificuldades, temores e no que eles se transformaram nas décadas
seguintes. Estudaremos a mais profunda revolução ocorrida em
pessoas incultas. Galileus iletrados e sem grandes qualificações
intelectuais desenvolveram as funções mais importantes da
inteligência, sofreram uma profunda mudança no cerne de seu
espírito e alma e, por fim, incendiaram o mundo com a
mensagem do carpinteiro da vida.
Os leitores que não tiveram oportunidade de ler os livros
seqüencialmente não precisam se preocupar, pois eles podem
ser lidos separadamente.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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Agradeço a todos os leitores, entre os quais reitores de
universidades, médicos, psicólogos, professores, empresários,
jovens, adultos, bem como aqueles que não tiveram condições
de fazer um curso superior, mas que são igualmente dignos, que
nos têm enviado e-mails e cartas animadoras, revelando que
abriram as janelas de suas vidas e arejaram suas emoções após a
leitura destes livros.
Alegro-me também porque muitas pessoas procedentes
de diversas religiões nos escreveram dizendo-se encantadas com
a personalidade do mestre dos mestres, expressando que
reacenderam a chama de amor por ele e que através deste amor
têm aplainado as suas diferenças. Animo-me em saber que ateus
têm sido ajudados por estes textos e que pessoas pertencentes
a religiões não cristãs têm igualmente comentado que suas vidas
ganharam um novo alento após a leitura desta coleção.
Estou contente pelo fato de diversas faculdades de
pedagogias e outros cursos, bem como escolas secundárias
estarem adotando estes livros, objetivando estimular a arte de
pensar e as funções mais importantes da inteligência tanto dos
professores como dos seus alunos.
Apesar deste avanço, ainda demorará muitos anos para
que a Psicologia e a Educação percebam o erro que cometeram
por não ter investigado a personalidade de Jesus Cristo e
utilizado sua riquíssima história, bem como o treinamento da
emoção e os mecanismos psíquicos e pedagógicos que ele
utilizava para prevenir doenças psíquicas e gerar homens livres,
felizes e líderes do seu próprio mundo.
As reações de encantamento pelo “mestre da vida” que as
pessoas têm manifestado com esta coleção não são frutos de
minha habilidade como escritor, mas da excelência do
personagem que descrevo. Tenho convicção das minhas
Prefácio
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
limitações e das deficiências da linguagem para descrever a sua
grandeza.
Torturado, ele demonstrou grandiosa coragem e segurança.
No extremo da dor física, produziu frases poéticas. No topo da
humilhação social, expressou serenidade. Quando não havia
condições de proferir palavras, ensinou pelo silêncio, pelo olhar,
pelas reações tranqüilas e, algumas vezes, pelas suas lágrimas.
AS CAUSAS SOCIAIS
DO JULGAMENTO
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
CAPÍ T U L O 1
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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assos apressados, rostos contraídos, uma
preocupação intensa permeava uma escolta de soldados que
caminhavam numa noite densa. Tinham ordens expressas para
prender um homem, apenas um homem. Ele não usava armas
e nem pressionava as pessoas a segui-lo, entretanto agitava toda
uma nação, perturbava as convicções dos seus líderes, dilacerava
os preconceitos sociais, propunha princípios de vida e discursava
sobre as relações humanas de uma maneira nunca vista.
Jerusalém era uma das maiores e mais importantes cidades
do mundo antigo. Era berço de uma cultura milenar. Os homens
daquela cidade viviam da glória do passado. Agora, estavam
sob o jugo do império romano e nada os animava. Entretanto,
apareceu alguém que mudou a rotina da cidade. Nela não se
comentava outra coisa, a não ser sobre um homem que fazia
atos inimagináveis e possuía uma eloqüência espantosa. Um
homem que se esforçava para não ser assediado, mas não tinha
êxito, pois quando abria a sua boca, incendiava os corações. As
pessoas se apinhavam, acotovelavam-se, para ouvi-lo.
P
As Causas Sociais do Julgamento
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
O carpinteiro de Nazaré com suas mãos entalhava madeira;
com suas palavras, a emoção humana. Como pode alguém
com as mãos tão grossas ser tão hábil em penetrar nos segredos
da alma humana?
Embora fosse tão dócil, os líderes da sua sociedade
tentaram assassiná-lo várias vezes por apedrejamento e não
conseguiram. Tentaram fazê-lo cair em contradição, tropeçar
em suas palavras, mas sua inteligência deixava seus opositores
atônitos.
Sua fama aumentava a cada dia. Milhares de pessoas
aprendiam o alfabeto do amor. Ficava cada vez mais difícil
conseguir prendê-lo. Entretanto, um fato novo deu um alento
aos seus inimigos. Um dos discípulos, contrariando tudo o que
viu e ouviu dele, resolveu traí-lo.
O amanhã é um dia incerto para todos os mortais. Jesus,
para o espanto dos seus discípulos, comentava que sabia de
todas as coisas que lhe sobreviriam. Que homem é este que
penetrava no túnel do tempo e se antecipava aos fatos? Sabia
que ia ser traído. Então, resolveu facilitar sua prisão, pois, segundo
sua firme convicção, havia chegado o momento de passar pelo
mais dramático caos pelo qual um ser humano pode passar.
Todos fogem do cárcere, ele o procurou.
Então, longe da multidão, o mestre de Nazaré foi apenas
com seus discípulos para um jardim, retirado de Jerusalém. Era
uma noite fria e densa. Neste jardim, como vimos no livro “ O
Mestre da Sensibilidade”, ele dobrou o rosto sobre seus pés e,
gemendo de dor, orava profundamente. Preparou-se para
suportar o insuportável. Sabia que ia ser mutilado pelos seus
inimigos. Aguardava a escolta de soldados.
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Jesus ficou incontrolavelmente famoso
Estava ficando insustentável a presença de Cristo em
Jerusalém. Os homens afloravam de todos os cantos e cidades
para vê-lo. O assédio da multidão ficou mais intenso, porque
poucos dias antes de sua morte, ele fez algo espetacular por seu
amigo Lázaro em Betânia, uma pequena cidade ao redor de
Jerusalém.
Freqüentemente perdemos o contato com nossa história.
Os amigos e as belas e singelas experiências do passado se
tornam páginas que dificilmente folheamos. Jesus, ao contrário,
apesar de ser tão famoso, nunca se esquecia das coisas singelas
nem abandonava as pessoas simples que o amavam. Lázaro
havia morrido há quatro dias. Nós sepultamos muitos amigos
que estão vivos, nunca mais nos lembramos deles. Jesus, ao
contrário, não se esquecia nem dos que tinham morrido. Por
isso, foi visitar seu miserável amigo Lázaro.
O que se pode fazer para uma pessoa em estado de
putrefação? Depois de 15 minutos de completa parada cardíaca,
sem manobras de ressuscitação, o cérebro é lesado de maneira
irreversível, comprometendo áreas nobres da memória. Tal
situação pode causar determinado grau de deficiência mental,
pois milhões de informações se desorganizam, impedindo que
os quatro grandes fenômenos que lêem a memória e constroem
cadeias de pensamentos sejam eficientes nesta magna tarefa
intelectual*.
* Cury, Augusto J., Inteligência Multifocal, Editora Cultrix, São Paulo, SP, 1998).
As Causas Sociais do Julgamento
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
AmemóriadeLázarohaviasetornadoumcaos
Se 15 minutos sem irrigação sanguínea podem lesar o
cérebro, imagine o que não acontece em quatro dias de
falecimento, como no caso de Lázaro. Não há mais nada a fazer.
Todos os segredos da memória deste homem se perderam
de maneira irreparável. Bilhões, trilhões de informações contidas
no córtex cerebral e que alicerçavam a construção da sua
inteligência se transformaram num caos. Não há mais história
de vida nem personalidade. A única coisa a ser feita era tentar
consolar a dor das suas irmãs, Maria e Marta.
Toda vez que não havia mais nada para se fazer, aparecia
o mestre da vida causando um tumulto nas leis da biologia e da
física. Quando todo mundo estava desesperado, ele reagia com
tranqüilidade.
Lázaro era uma pessoa conhecida e muitos judeus estavam
lá consolando as suas irmãs. Quando Maria viu o mestre, lançouse
sobre seus pés e chorou. Ao vê-la chorar, bem como os
judeus presentes, sua emoção mergulhou num profundo
sentimento. Jesus chorou.
Chorou ao ver a dor, o destino e a fragilidade humana. O
homem Jesus chorava ao ver as lágrimas dos homens. Somos
muitas vezes insensíveis à angústia dos outros, mas de seu olhar
nem mesmo escapava o sentimento de inferioridade de uma
prostituta ou de um leproso.
Ao chegar no lugar onde estava sepultado Lázaro, pediu
que retirassem a pedra da tumba. Aflita, Marta argumentou
sensatamente que seu irmão já cheirava mal, pois havia falecido
há quatro dias. Marta olhava para o mundo possível; Jesus, para
o impossível. Com uma segurança inabalável, acalmou-a, dizendo
que não temesse, mas apenas cresse.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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Retirada a pedra, Jesus não foi analisar clinicamente seu
amigo, não foi verificar a condição de seus órgãos, nem muito
menos se importou com o assombramento das pessoas com
sua atitude. Manifestando um poder incompreensível, de quem
está acima das leis da ciência, ordenou que Lázaro saísse para
fora.
Para perplexidade de todos, um homem envolvido em
ataduras sujeitou-se à sua ordem e saiu imediatamente ao seu
encontro. Bilhões de células nervosas ganharam vida. Os
arranjos eletrônicos que organizam as informações no córtex
cerebral se reorganizaram. O sistema vascular se recompôs. Os
órgãos foram restaurados, o coração voltou a pulsar, enfim, a
vida começou novamente a fluir de todos os sistemas daquele
cadáver. Como isto é possível?
Nunca na história, até os dias de hoje, um homem
clinicamente morto, cujo coração parou de bombear o sangue
há vários dias, recuperou a vida, a memória, a identidade e a
capacidade de pensar, como no caso de Lázaro. Jesus era
verdadeiramente um homem, mas concentrava dentro de si a
vida do Criador. Para ele não havia morte, tudo o que ele tocava
ganhava vida. Que homem é este que faz atos que a medicina
nem em seus delírios sonha em realizar?
Retirando a pedra
Há uma consideração a fazer nesta passagem. Ele fez um
dos maiores milagres da história. Contudo, antes de fazê-lo,
pediu para que os homens retirassem a pedra da tumba.
Se tinha tanto poder para ressuscitar um homem, por que
não tinha poder para removê-la? Primeiro é necessário tirar a
pedra do medo, da insegurança, do desespero, para que ele possa
intervir.
As Causas Sociais do Julgamento
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Sem o crer do homem, sem sua cooperação, ele pode agir,
mas raramente age. Para Jesus Cristo, o maior milagre não é a
cura sobrenatural de um corpo doente, mas superar o medo, a
infelicidade e a ansiedade de uma alma doente.
A morte é o maior problema dos mortais
Os psiquiatras só conseguem ter determinado sucesso no
tratamento de uma pessoa psiquicamente doente, porque os
antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos atuam no
metabolismo de um cérebro vivo, pois num cérebro morto não
há nada para se fazer. Os médicos dependem da existência da
vida para exercer sua profissão, com exceção dos legistas. A
medicina nasce quando o homem é concebido e morre quando
ele falece. A maior derrota da medicina é a morte.
Pelo desejo do mestre de Nazaré, seu amigo Lázaro saiu
do caos cerebral para a plena sanidade. Muitos testemunharam
este fato. Será que este acontecimento poderia ser considerado
um delírio coletivo?
Não! O relato dessa passagem evidencia que Jesus não
fez um discurso atuando na emoção das pessoas, não induziu o
sonho e a fantasia humana. Aliás, em todos os seus atos
sobrenaturais havia uma estrita economia de palavras e uma
eloqüência dos gestos. Além disso, ele resgatou a vida de Lázaro
ante a desconfiança dos presentes.
A fama de Jesus, que já era enorme, se tornou incontrolável
depois que trouxe Lázaro à vida. Os líderes judeus, que já haviam
tentado matá-lo sem êxito, tentavam conter a fama de Jesus,
mas não tinham sucesso.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
21
Desanimados, diziam uns para os outros:“eis que o mundo
vai adiante dele”1. Ou os líderes judeus o eliminavam ou se
rendiam a ele.
Os motivos sociais que levaram
Jesus ao julgamento
Os comportamentos do mestre de Nazaré incomodavam
a todos que se preocupavam mais com a aparência do que com
a realidade, aqueles que tinham sede pelo poder e amavam o
individualismo. Até seus discípulos ficavam incomodados com
sua postura.
Alguns deles clamavam para que ele não se ocultasse, que
se manifestasse claramente ao mundo. Gostariam de ver a cúpula
judaica e romana se dobrar diante dele. Desejavam ver o seu
mestre no mais alto patamar social, acima de todos os homens,
e quando estivessem lá, queriam desfrutar de sua posição.
Entretanto, ele os chocava com seu comportamento.
Apesar de ser tão poderoso, queria ter o mais baixo status
social. Apesar de ser livre como nenhum homem, almejava ser
um escravo da humanidade. Não concebiam a idéia de alguém
tão grande gostar de se fazer tão pequeno. Esqueceram-se de
sua origem, não se recordavam de que por se fazer tão pequeno
o mestre os alcançou.
Uma única vez aceitou estar acima dos homens, quando
esteve pendurado na cruz e se tornou um espetáculo de vergonha
e dor. Como pode uma pessoa que tinha tudo para ter todos os
homens aos seus pés ter preferido estar aos pés do mundo?
As Causas Sociais do Julgamento
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Não conseguia ser ocultado
Jesus era um fenômeno social impossível de ser ocultado.
Embora preferisse uma vida simples, sem ostentação, ele não
conseguia se ocultar. A cúpula judaica tinha medo de que Jesus
pudesse ser encarado como um movimento revolucionário
contra Roma. Muitos movimentos sediciosos já tinham sido
sufocados impiedosamente pelo império romano, mas o
“fenômeno” Jesus era, com certeza, o maior e o mais
incontrolável de todos.
O mestre da vida não era apenas seguido por inúmeras
pessoas, mas causava algo no território da emoção delas. Elas
se apaixonavam por ele. Numa terra em que imperava o medo,
a labuta social e as incertezas da vida, o amor floresceu como
na mais bela primavera.
Homens ricos e pobres, cultos e iletrados, que nunca
aprenderam as lições mais básicas do amor, aprenderam a
admirar e a amar um carpinteiro. Muitos se remoíam em seus
leitos esperando os primeiros raios de sol para procurar aquele
que lhes havia dado um novo sentido de vida.
A relação afetiva que Jesus tinha com a multidão era
insuportável para a cúpula judaica. Ficavam apavorados com a
possibilidadedeumaintervençãodeRomanosmovimentospopularesem
tornodomestredeNazaré. Perderiamseuscargoseasbenessesdopoder
quearelaçãocomoimpériolhespropiciava. Naquela época, até osumo
sacerdoteeraeleitopelapolíticaromana*.
Contudo, nãoapenasomedodaintervençãoromanaospreocupava.
Estudaremos que a inveja também os torpedeava. Nunca tiveram uma
* Josefo, Flávio, A história dos Hebreus, Editora CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 1990)
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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pequena dose do prestígio de que o nazareno desfrutava. Outro
assunto intragável era que os líderes de Israel não podiam aceitar
as acusações que Jesus fazia contra eles. Entretanto, o que mais
os perturbava era o fato daquele simples homem se declarar o
“Cristo”, o ungido de Deus, o filho do Deus altíssimo.
Criticando o falso moralismo dos fariseus
Jesus era um homem corajoso. Conseguia dizer o que
pensava mesmo quando colocava sua vida em risco. Dizia que
os fariseus limpavam o exterior do copo, mas não se importavam
com seu conteúdo.
O mestre era delicado com todas as pessoas, inclusive com
seus opositores, mas em algumas oportunidades criticou com
contundência a hipocrisia humana. Disse que os mestres da lei
judaica seriam drasticamente julgados, pois atavam pesados
fardos para as pessoas carregarem, mas eles nem com um dedo
o suportavam2.
Quantas vezes também não somos rígidos como os
fariseus, exigindo das pessoas o que elas não conseguem suportar
e nem o que nós mesmos conseguimos realizar. Exigimos calma
dos outros, mas nós somos impacientes, irritadiços e agressivos.
Pedimos tolerância, mas nós somos implacáveis, excessivamente
críticos e intolerantes. Queremos que todos sejam estritamente
v e r d a d e i r o s , m a s nó s s i m u l a m o s n o s s o s
comportamentos, disfarçamos nossos sentimentos. Desejamos
que os outros valorizem o interior, mas somos consumidos pela
estética social.
Temos de reconhecer que às vezes damos excessiva atenção
à estética social, ao que as pessoas pensam e falam de nós, mas
não nos preocupamos com aquilo que corrói nossa alma.
As Causas Sociais do Julgamento
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Podemos não prejudicar a outros com nosso farisaísmo, mas
nos autodestruímos por não intervirmos em nosso mundo, por
não sermos capazes de fazer uma faxina em nossos pensamentos
negativos, inveja, ciúme, ódio, orgulho, arrogância, autopiedade.
Abalando os líderes de Israel
com suas parábolas
Certa vez, o mestre foi convidado para comer na casa de
um fariseu3. Era um sábado. Havia muitos convidados e todos
o observavam. Estavam atentos para ver alguma falha nele,
principalmente se desrespeitaria o sábado curando alguém.
Como sempre acontecia, mais uma pessoa miseravelmente
doente apareceu e mais uma vez ele abalou a rigidez dos
moralistas.
Antes de fazer um milagre, fitou os convidados e
perguntou-lhes se um filho ou um boi caísse num poço em dia
de sábado, se eles não o socorreriam imediatamente. Ninguém
lhe deu resposta, ficaram emudecidos; alguns, envergonhados.
O mestre da vida aproveitou a ocasião para contar-lhes
mais uma parábola que combatia frontalmente a necessidade
compulsiva de prestígio e poder social. Como exímio contador
de histórias, falou-lhes que se eles fossem convidados para um
casamento não deveriam procurar sentar-se nos primeiros
lugares, para que vindo o noivo não os retirasse daquela posição
para dar lugar a pessoas mais importantes que eles. Estimulouos
a procurarem o último lugar, para que, quando viesse o que
lhes convidara e pedisse para que se sentassem num lugar mais
privilegiado, fossem honrados diante dos demais convivas.
Nesta mesma passagem, este brilhante contador de
histórias foi mais longe. Dilacerou o individualismo, o
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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egocentrismo e a troca de favores que permeiam o consciente e
o inconsciente humano. Abordou um princípio chocante que
raramente é praticado, mesmo por aqueles que se dizem hoje
seus mais ardentes seguidores4.
Pediu-lhes que quando preparassem um jantar não
convidassem os poderosos, os ricos e os amigos, porque eles
têm como retribuir. Estimulou-os a convidar os cegos, os coxos,
os aleijados e os pobres, pois eles não têm como dar qualquer
retribuição. Segundo ele, a retribuição seria dada por aquele
que vê em secreto, pelo Autor da vida.
Desejava que cuidássemos dos aleijados, não apenas dos
que têm o corpo mutilado, mas também dos que não conseguem
andar nesta turbulenta existência. Almejava que ajudássemos
os cegos, não apenas os que não enxergam com olhos, mas os
que são cegos pelo medo, pela dor da depressão, pelas perdas e
frustrações.
Quem ama as pessoas desprezadas como ele amou? Quem
acaricia os humildes de nossa espécie e os honra como seres
humanos ímpares? Quem empresta seu tempo, sua atenção,
sua emoção para aquecer os feridos de alma? Com suas palavras
simples e profundas o mestre golpeou drasticamente não apenas
os fariseus, mas todos nós.
O egoísmo, o orgulho e o individualismo são “vírus” da
alma que nunca morrem. Você pode controlá-los, mas nunca
eliminá-los. Se não os combater continuamente, eles um dia
eclodirão sorrateiramente, infectando nossa emoção e nos
distanciando paulatinamente das pessoas.
Um amor que valoriza cada ser humano
O Mestre se preocupava com todas as pessoas que sofriam.
As Causas Sociais do Julgamento
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
O amor que tinha por elas o incomodava. Ele gastava tempo
procurando aliviar suas dores, resgatar sua auto-estima,
estimulando-as a não desistir da vida. Desejava ardentemente
que cada pessoa não se sentisse inferior diante do desprezo e
das dificuldades sociais que viviam.
A emoção do mestre era imensurável; a dos fariseus,
estreita. Se alguém almejasse ser seu discípulo, tinha de alargar
os horizontes do seu pequeno mundo e incluir as pessoas, tinha
de se deixar ser invadido por um amor que o impelisse a cuidar
delas.
Cristo dizia que os sãos não precisavam de médicos. Os
fariseus, embora estivessem doentes em sua alma, se
consideravam abastados, plenamente sadios, portanto não
precisavam dele.
Para o mestre, o importante não era a doença do doente,
mas o doente da doença. O importante não era o quanto as
pessoas estavam doentes, o quanto erraram ou estavam
deprimidas e angustiadas, mas o quanto elas reconheciam suas
misérias emocionais. Os que tinham coragem para reconhecerse
doentes, sentiam mais o calor do seu cuidado. Os moralistas,
por serem auto-suficientes, nunca se aqueceram com as chamas
de sua emoção.
Princípios que ultrapassam o sonho
de todo humanista
Ninguém estabeleceu princípios humanísticos e elevou a
solidariedade a degraus tão altos como o mestre dos mestres da
escola da vida.
Nem os filósofos que usaram o mundo das idéias para
combater frontalmente as injustiças humanas se preocuparam
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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tanto com a dor humana. Nem o mais humano dos capitalistas,
que divide os lucros das suas empresas com seus funcionários e
usa parte dos seus bens para fazer doações sociais, foi tão longe
em honrar as pessoas mais desprivilegiadas. Até mesmo os
ideólogos marxistas não atingiram patamares tão altos em seus
devaneios humanísticos.
Ele criticava contundentemente a falta de humanidade
dos fariseus e dos mestres da lei. Opunha-se ao julgamento
preconcebido que faziam das pessoas, à arrogância deles; mas
sua crítica não era grosseira, mas suave. Ele usava simples e
sábias parábolas para os incentivar a pensar e reciclar os
fundamentos de suas vidas.
Os fariseus lavavam as suas mãos antes de comer, mas
aceitavam que o lixo psicológico entulhasse suas vidas. Eram
ousados em apontar o dedo para os erros dos outros, mas eram
tímidos para reconhecer suas próprias fragilidades. Todos os
que não têm coragem para apontar o dedo para si mesmos
nunca corrigirão as rotas da sua história.
Um homem na contramão de todos
os paradigmas religiosos
A cúpula judaica considerava-se representante de Deus
na terra. Os assuntos de Deus eram a especialidade deles. Com
a chegada de Jesus, todos deveriam estar extasiados, alegres e
dispostos a servi-lo e a abandonar todos os preconceitos
religiosos. Entretanto, como poderiam servir a um Cristo que
nasceu num estábulo e cresceu numa cidade desprezível, fora
da esfera dos doutores da lei? Como poderiam ser ensinados
por um Cristo que se escondeu na pele de um carpinteiro e tinha as
mãos grossas oriundas de um trabalho pesado? Como poderiam amar
As Causas Sociais do Julgamento
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
e se envolver com alguém que era amigo de pecadores, que
acolhia as prostitutas e jantava na casa dos malditos coletores
de impostos?
No conceito dos fariseus da época, o filho do Altíssimo
deveria ter nascido em Jerusalém, em berço de ouro, ter a pele
rosada, não se misturar com a plebe nem se envolver com
pecadores. Jesus era a antítese de tudo que imaginavam sobre o
Cristo. Não podiam se dobrar aos pés de um homem que os
combatia dizendo que eles procuravam os primeiros lugares
nos jantares e nas sinagogas e faziam longas orações com o
objetivo de serem elogiados pelos homens5.
Por todos estes motivos, o mestre de Nazaré era
drasticamente rejeitado pela cúpula judaica. Ele literalmente
atordoava os sacerdotes e todos os partidos de Israel: os fariseus,
os saduceus e os herodianos.
Cada vez que Jesus abria a boca, perturbava o sono da
cúpula judaica. Embora, em alguns momentos, os membros
desta cúpula o admirassem e ficassem confusos com sua
sabedoria, o consideravam autor da maior heresia que alguém
já proferira na face da terra. Não podia ser ele o Cristo, este
teria de combater Tibério e todo o império romano e não eles,
os zelosos da religião judaica.
Diante de tal blasfêmia, os líderes de Israel decidiram que
ele tinha de morrer rapidamente. Por isso, como estudaremos,
o seu julgamento foi acelerado. Muitos dos que estudam o
julgamento de Cristo não têm noção da seqüência dos eventos
e da rapidez com que eles aconteceram.
Os líderes judeus tentaram matá-lo anteriormente, mas
falharam. Agora ele estava famoso demais. A multidão tinha de
ser pega de surpresa e o ônus da sua morte tinha de recair sobre
a política romana. Como fazer isto? Uma tarefa dificílima. Uma
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
29
grande revolta poderia acontecer. Então, Jesus, para a nossa
surpresa, facilitou este processo. Foi ao Jardim do Getsêmani
se entregar sem qualquer tumulto.
A cúpula judaica desejava matá-lo, mas ela jamais imaginava
que ele também tinha um desejo ardente de morrer. Veremos
que ele não fez literalmente nada para se safar do seu julgamento
injusto, humilhante e torturante.
Nunca os homens tiveram tanto desejo de matar uma
pessoa sem saber que ela mesma estava tão disposta a morrer.
Jamais se teve notícia de um homem tão feliz e sociável, que
contemplava os lírios dos campos e se colocava como a fonte
do prazer humano, que desejasse atravessar a mais humilhante
e sofrida travessia da morte! Sem dúvida, ele teve a personalidade
mais interessante e intrigante da história.
As Causas Sociais do Julgamento
O MESTRE DA VIDA
PARALISANDO OS
SOLDADOS
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
CAPÍ T U L O 2
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33
Perturbando os soldados
As tentativas fracassadas para prendê-lo não eram apenas
devido ao assédio da multidão, mas também porque ele era um
réu incomum, alguém que confundia até os soldados incumbidos
de prendê-los. Certa vez, a cúpula judaica enviou uma grande
quantidade de soldados para aprisioná-lo. Era uma grande festa
judaica. No último dia da festa, mesmo sob o risco iminente de
ser preso, Jesus levantou-se e mais uma vez deixou estarrecidos
todos seus ouvintes. Nem os soldados escaparam de ficar
boquiabertos.
Maravilhados, os soldados não conseguiram prendê-lo.
Comentei no livro “Mestre dos Mestres” que a Psiquiatria, com
todo arsenal antidepressivo, trata das depressões e dos demais
transtornos emocionais, mas não sabe como fazer o homem
feliz. O mestre nesse discurso comentou altissonante que ele
poderia gerar um prazer pleno no homem que nele cresse, um
prazer que fluiria do cerne do espírito e da alma humana.
Nas sociedades modernas, a indústria do entretenimento
O Mestre da Vida Paralisando os Soldados
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34
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
expressa pelo cinema, shows, turismo, esportes, parques de
diversões, é um dos setores que mais cresce no mundo. Porém,
um paradoxo salta aos olhos. Nunca tivemos uma indústria de
entretenimento tão grande e um homem tão triste, propenso
ao stress e a diversas doenças psíquicas. O homem moderno
tem picos de prazer, mas não tem uma emoção estável,
contemplativa e feliz.
Qual é o termômetro da qualidade de vida no mundo
atual? A Psiquiatria. Quanto mais importante for a psiquiatria
nas sociedades modernas mais os indicadores apontam que
nossa qualidade de vida está piorando. Infelizmente, nossos
consultórios estão cheios. A psiquiatria e a psicologia clínica
terão grande importância no terceiro milênio, pois teremos um
homem cada vez mais doente, um homem que gerencia mal
seus pensamentos e protege inadequadamente sua emoção
diante dos estímulos estressantes
O discurso de Jesus sobre o prazer pleno se confronta
com o alto índice dos transtornos emocionais da atualidade.
Os soldados ficaram petrificados. Voltaram de mãos vazias. Os
que os enviaram ficaram indignados ao ouvi-los dizer que não
o prenderam porque “nunca alguém falou como este homem”6.
Não pára por aqui o choque que esses soldados levaram.
A noite em que foi preso foi coroada de eventos surpreendentes.
Os soldados ficaram paralisados diante do suposto criminoso.
Vejamos os eventos.
O traidor e a escolta
O discípulo traidor veio com uma grande escolta que
portava lanternas e tochas. A escolta era composta de uma
“coorte”7. Uma coorte romana contém cerca de trezentos a
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35
seiscentos homens. Era uma quantidade grande de soldados
para prender apenas um homem. Mas o fenômeno Jesus
justificava.
Os soldados esperavam pegá-lo desprevenido. Mas foi ele
quem os surpreendeu. Antecipando-se aos fatos, despertou seus
amigos dizendo-lhes que havia chegado a hora de ser preso.
Horas antes, na última ceia, o mestre disse que um dos
discípulos iria traí-lo. Não citou seu nome, pois não gostava de
constranger e expor ninguém publicamente.
Quando Jesus fez referência ao traidor, Judas teve uma
oportunidade de ouro para refletir e se arrepender, mas ele não
conseguia enxergar com os olhos do coração. Todavia,
percebendo-lhe a mente incauta, o mestre teve uma atitude
ousada. Ao invés de censurá-lo disse-lhe para fazer depressa o
que tencionava8.
Traindo seu mestre pelo preço de um escravo, Judas
combina entregá-lo. Tomou a frente da escolta e dirigiu-se ao
jardim onde ele estava. Aqui há um fenômeno subjacente que
precisamos compreender. Era de se esperar que o traidor se
protegesse atrás dos soldados e, sob a luz das tochas e lanternas,
apontasse de longe quem ele estava traindo.
Judas, embora estivesse cego, tateava o amor do seu mestre.
Sabia que ele era tão dócil que não corria risco algum se estivesse
à frente da escolta. Tal reação acontece ainda hoje. Mesmo os
que hoje rejeitam Jesus Cristo, quando dele se aproximam,
quando lêem suas biografias, percebem que ele não oferece risco
algum para suas vidas. O único risco é o de ser contagiado pelo
seu amor.
A escolta de soldados não conhecia a amabilidade e
gentileza de Jesus, só sabiam que tinham a missão de prender
aquele que magnetizava as multidões e “perturbava” a nação de
Israel.
O Mestre da Vida Paralisando os Soldados
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36
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Já analisei diversos tipos de personalidade, inclusive a de
grandes homens da história. Nessas andanças analíticas pude
constatar que as pessoas, ainda que sejam ilustres políticos,
artistas, esportistas ou intelectuais, são comuns e previsíveis.
O mestre de Nazaré era totalmente incomum e
imprevisível. Ele era capaz de surpreender quando menino,
quando adulto, quando livre, quando preso, quando julgado,
quando crucificado e até quando seu coração, falido, batia pela
última vez e seus pulmões combalidos emitiam um brado
inesperado.
A sua prisão tem diversos eventos inusitados. Se pegarmos
os textos dos quatros evangelhos e os sobrepormos, poderemos
conferir que os soldados, no ato de sua prisão, ficaram extasiados
com vários fatores. Os eventos foram tão atordoantes que eles
caíram literalmente por terra ao dar voz de prisão a Jesus.
Em psicologia, a arte de interpretar é a arte de se colocar
no lugar do outro e ver o mundo com seus olhos, com as
variáveis que o envolvem, embora toda interpretação tenha
limites. Vamos nos colocar no lugar dos soldados e na
perspectiva deles vamos observar as cenas, os gestos de Judas e
as palavras de Jesus.
Traído com um beijo
Comentei o beijo de Judas no primeiro livro da coleção.
Ao ler esse texto, um leitor procurou-me dizendo que tinha
aprendido uma grande lição com essa leitura. Comentou que
tinha um inimigo e que freqüentemente pensava em matá-lo.
Entretanto, ao ver a atitude de Jesus diante do seu traidor, ficou
tão sensibilizado que ocorreu uma revolução na sua maneira
de pensar a vida. Procurou este inimigo, apertou-lhe a mão e o
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perdoou. A conseqüência imediata é que ele desacelerou seus
pensamentos, reciclou suas idéias negativas e desentulhou sua
emoção.
Deste modo, resgatou novamente o prazer de viver. Como
disse: a pior vingança que fazemos aos inimigos é perdoá-los,
pois perdoando-os nos livramos deles.
Apesar de ter comentado o beijo de Judas no primeiro
livro, gostaria de retomá-lo sinteticamente e abordá-lo sob a
possível ótica daqueles que estavam incumbidos de prender o
mestre de Nazaré.
É estranho ter sido traído com um beijo. Algumas
traduções dizem que Judas o beijou afetuosamente. A escolta
de soldados precisava de uma senha, mas provavelmente não
raciocinara no enigma que ela trazia. Os soldados só foram cair
em si depois que o fato ocorreu. Viram Judas beijar
afetuosamente aquele que era considerado o mais perigoso
homem para Israel. Ficaram pasmados, não imaginavam que o
agitador da nação fosse tão dócil.
Muito menos Judas, que devia se conhecer muito pouco,
tinha consciência do motivo pelo qual deu esse código de
identificação para consumar sua traição. Se acordasse para a
dimensão desse código, talvez retrocedesse. Judas não poderia
traí-lo com injúrias e nem difamação, pois seu mestre só sabia
amar e se doar. Talvez, um dia, se formos traídos por alguém,
nossos traidores tenham argumentos para nos atacar e usem
uma senha mais grosseira para nos identificar. Mas o mestre do
amor era inatacável. Só um beijo poderia identificá-lo.
Tratando com amabilidade o seu traidor
A atitude tranqüila do mestre da vida não era a esperada
O Mestre da Vida Paralisando os Soldados
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
para uma pessoa que estava sendo traída e nem na iminência de
ser presa. Os soldados não estavam entendendo o que estava
acontecendo. Esperavam indignação e revolta de Jesus para com
seu traidor, mas viram um beijo, momentos de silêncio e reações
de amabilidade. Parecia mais um encontro de amigos. E era.
Por Jesus, Judas ainda era considerado um amigo. Nós
freqüentemente rompemos com as pessoas. As frustrações que
elas nos causam ferem mortalmente nosso encanto por elas. O
homem que dava a outra face não tinha inimigos. A atitude do
mestre não era a de um pobre coitado, mas a de um homem
indescritivelmente forte, alguém que sabia proteger sua emoção
e arejar as áreas mais íntimas de seu inconsciente. Jesus encontrou
a liberdade jamais sonhada pela psiquiatria.
Com um desprendimento inimaginável, chamou seu
traidor de amigo no ato da traição e deu-lhe mais uma preciosa
oportunidade para refazer a sua história9.
Cristo nunca descarregava em ninguém as suas angústias.
Momentos atrás a sua alma gemia de dor. Minutos atrás, seus
pulmões respiravam ofegantes, seu coração estava taquicárdico,
os sintomas psicossomáticos perturbavam seu corpo e o suor
sanguinolento testemunhava que estava no topo do stress. Tinha,
portanto, todos os motivos para descarregar sua tensão em Judas,
mas foi de uma gentileza poética com ele.
Diferente dele, freqüentemente descarregamos nossas
tensões nas pessoas que menos têm culpa por nossa ansiedade.
Quando nossa frágil paciência se esgota, ferimos as pessoas
que mais amamos.
A história registrou um momento raro no ato da traição
de Judas: uma cena de terror se transformou numa cena de
amor. Ao contemplar a cena, os soldados não entenderam nada
do que estava acontecendo.
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Insistindo para ser preso
Outro fato incomum que abalou os soldados é que Jesus
insistiu para ser preso, um fato quase que inacreditável. A escolta
sabia que uma voz de prisão gera tumulto e ansiedade. O réu
resiste em se entregar, fica tenso, agressivo e, às vezes,
incontrolável. Não conseguia entender, contudo, porque o
homem odiado pela cúpula judaica se entregava com tanta
tranqüilidade e espontaneidade.
Após ouvir Jesus chamar Judas de amigo e levá-lo a refletir
sobre o ato de traição, ele se volta aos próprios soldados e,
antes que eles o tocassem, perguntou “A quem buscais?”10.
Responderam: “a Jesus, o Nazareno”. Diante desta resposta,
ele se identificou: “Sou eu”.
Os soldados ficaram atemorizados com sua resposta,
alguns caíram no chão. Talvez se perguntassem: Como é possível
que o homem que curou cegos, ressuscitou mortos e debateu
com os fariseus nas sinagogas esteja se entregando
voluntariamente? Como pode alguém sob o risco da morte se
entregar dessa maneira? Prender aquele que alvoroçava
Jerusalém parecia ser uma tarefa difícil e perigosa, mas se
transformou na mais suave execução.
Ficaram paralisados. Não conseguiram pôr as mãos nele.
Diante da inércia deles, Jesus insistiu: “a quem procurais?”.
Responderam novamente: “A Jesus, o Nazareno”. Com ousadia
de quem não teme a morte, respondeu: “Já vos declarei que
sou eu” 11.
O relato dos discípulos que presenciaram a cena evidencia
que os papéis foram trocados. A escolta de soldados estava
presa pelo medo e o prisioneiro estava livre.
O Mestre da Vida Paralisando os Soldados
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
À exceção da profunda angústia que o mestre dos mestres
teve no jardim do Getsêmani, gerada porque ele reproduziu o
cálice da cruz no palco de sua mente e se preparou para tomálo,
nada o abalava. O mestre de Nazaré gerenciava sua inteligência
nas mais turbulentas situações, navegava nas águas mais agitadas
da emoção. Sabia se refazer rapidamente, mesmo profundamente
frustrado.
A traição de Judas e a negação de Pedro podem tê-lo
angustiado, mas logo ele se recompôs. Nem o conhecimento
prévio de todas as etapas do seu martírio o fez sucumbir nas
raias do medo. Há muitas pessoas que sofrem por antecipação.
Imaginam problemas que não aconteceram e sofrem como se
já tivessem acontecido. Não sabem gerenciar sua ansiedade e
pensamentos antecipatórios.
Nada é tão bela e, ao mesmo tempo, tão ingênua quanto
a emoção. Até intelectuais tropeçam no território da emoção
como se fossem crianças. Pequenas coisas são capazes de roubarlhes
a tranqüilidade. Ela compra com alto preço todos os
pensamentos negativos, mesmo aqueles que só cabem no
imaginário.
Infelizes são os homens que são livres por fora, mas estão
encerrados no cárcere da emoção conduzidos pelo medo da
crítica, com a necessidade de ter uma imagem social inatacável
e com as preocupações excessivas com os problemas da vida.
Infelizmente, no lugar que mais deveríamos ser livres, muitas
vezes estamos presos*.
O mestre da vida queria passar pelo maior de todos os
testes: ser julgado pelos líderes da religião judaica, aqueles que
* Cury, Augusto J., A Pior Prisão do Mundo, Editora Academia de Inteligência, São Paulo, 2000.
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supostamente cuidavam dos assuntos de Deus, e por aqueles
que dominavam o mundo, o império romano.
Protegendo seus discípulos
Não terminaram aí os eventos inusitados ocorridos no
ato da prisão. Após insistir com os soldados para prendê-lo,
teve um gesto de grande nobreza e afetividade. Intercedeu pelos
seus discípulos. Pediu que não os prendessem. Desejava que
nenhum deles se perdesse, não aceitava que ninguém fosse
ferido12.
Quando estamos debaixo de um sério risco de vida, os
instintos prevalecem sobre a capacidade de pensar. Não há
espaço para refletir sobre a situação que nos ameaça.
Notem que sob grande tensão, tais como nos acidentes,
não nos lembramos das pessoas e de muitos eventos que
ocorreram ao nosso redor. Afunilamos a razão e direcionamos
nossos instintos para a fuga ou, em alguns casos, para a luta.
Com Jesus isso não acontecia. Ele conseguia perceber os
sentimentos das pessoas mesmo nas situações turbulentas.
Conseguia pensar no bem estar delas mesmo sabendo que estava
para morrer lentamente nas mãos dos seus inimigos. Se
tivéssemos um pouco da sua estrutura emocional, as relações
humanas deixariam de ser um deserto para ser um jardim.
Somente uma pessoa que vive o topo da serenidade é capaz
de não travar sua mente nas situações tensas e de se preocupar
com as pessoas que o rodeiam. Os soldados certamente não
acreditavam no que estava acontecendo. Alguns deles devem
ter sido capturados pelo amor de Cristo e se tornaram seus
seguidores após a sua morte.
O Mestre da Vida Paralisando os Soldados
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
O heroísmo de Pedro e a
proteção aos soldados
Os discípulos não compreendiam plenamente o homem
que seguiam. Sabiam que ele era poderoso, sábio, seguro,
corajoso, que se colocava como filho de Deus e que discursava
sobre um reino de um outro mundo. Tudo era novo para eles.
Sabiam que seguiam um homem que fazia atos inimagináveis,
mas não compreendiam até aquele momento quem ele era e
qual a sua verdadeira missão.
Pedro aprendeu a amar Jesus e não aceitava a sua partida.
Não percebeu que, ao ser preso, assumiu plenamente a condição
humana e que não faria mais nenhum dos seus milagres. Jesus
sempre confundiu a todos que passavam por ele. Seus discípulos
viviam perguntando quem ele era. Algumas vezes mostrava um
poder que deixava todos embasbacados, outras vezes dormia
ao relento e, ainda outras, gastava tempo penetrando na história
de uma pessoa considerada da pior estirpe social.
Por amar Jesus, mas não conhecê-lo com profundidade,
Pedro resolveu protegê-lo. Teve um ato de heroísmo que
poderia ter gerado inúmeras mortes, tanto dos soldados como
dos discípulos. Numa reação impensada, desconsiderou as
longas mensagens de tolerância do seu mestre, desembainhou
a espada e decepou a orelha de um dos soldados. Pedro esperava
que Jesus fizesse mais um dos seus milagres, capaz de livrá-lo
daquela prisão e deixar a todos perplexos.
Jesus, que demonstrava não desejar fazer milagres, para
aplainar os ânimos, abre uma exceção, retoma o seu poder. Numa
reação apressada, cura o soldado. Não fez um grande milagre,
apenas o suficiente para pacificar a situação. Um grande ato
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
43
sobrenatural poderia evitar que fosse preso, mas ele queria ser
preso, a sua hora havia chegado.
Nesta situação confusa é possível vermos a sabedoria e
habilidade do mestre de Nazaré. Se não agisse rápido, seus
discípulos poderiam morrer e os soldados poderiam se ferir.
Como mestre da vida, não queria nem uma coisa nem outra.
Somente uma pessoa com grande lucidez e uma visão multifocal
dos conflitos sociais é capaz de debelar rapidamente o clima de
violência.
O prisioneiro já liderava os soldados. Mais de trezentos
homens fortemente armados não revidaram à agressividade de
Pedro. Comandados por Jesus, eles contiveram seus impulsos.
Raramente uma pessoa é capaz de deixar completamente sua
segurança de lado para gerenciar os ânimos alheios.
Morrer era seu destino: o cálice
Após reger os soldados, ele se volta para Pedro e acha
tempo para lhe dar mais uma lição. Disse-lhe uma frase
impactante, que Pedro só entenderia tempos mais tarde: “Não
beberia eu o cálice que meu Pai me deu?”13
O cálice de Cristo era cercado de mistério. Os discípulos
não entendiam que por um lado ele seria julgado e morto pelos
homens, mas, por outro, isso estava nos planos de seu Pai. Que
Pai é este que permite o caos do seu filho? Que plano é
esse que envolve um julgamento e morte tão drástica? No
final deste livro estudaremos o maior e mais ambicioso
plano da história.
Por mais que os discípulos abrissem seus ouvidos e as
janelas de suas mentes não concebiam a idéia de que seu mestre
O Mestre da Vida Paralisando os Soldados
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
fosse julgado, torturado e morto pelos seus opositores. Jesus
havia dado sentido a suas vidas.
O sentimento angustiante pela perda do mestre tinha
fundamento. Não importa a religião que alguém segue ou mesmo
se não segue classicamente nenhuma, todos os que se
aproximaram das chamas, seja por estar na sua presença ou por
ler as suas biografias ou evangelhos, conseguiram atravessar
seus invernos existenciais mais aquecidos e enxugar suas
lágrimas com a esperança.Na história, mesmo depois de séculos
de sua partida, sempre existiram homens, originários de todas
raças e culturas, dispostos a dar a sua vida por ele e por sua
causa.
Pedro era muito frágil perto de Cristo, não tinha nenhuma
condição de protegê-lo, ainda mais diante de tão grande escolta.
Sua reação, embora irracional, era justificada. Para os discípulos,
perdê-lo era retornar ao mar da Galiléia, lançar as redes e
retroceder na compreensão dos mistérios da vida...
O amor recusa a solidão. Quem ama não aceita a perda,
ainda que o tempo alivie parcialmente a dor da ausência. Quem
não aprendeu a amar a sua vida, as pessoas que o rodeiam e
aquilo que faz não entenderá a linguagem estranha e bela do
amor. O mestre ensinou aos seus frágeis discípulos os
fundamentos dessa linguagem. Perdê-lo era ficar sem o leme de
suas vidas.
O PODEROSO E DÓCIL:
UM EXÍMIO
PSICOTERAPEUTA
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CAPÍ T U L O 3
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O Poderoso e Dócil: Um Exímio Psicoterapeuta
Um poder descomunal
Os eventos enigmáticos que nortearam a prisão de Jesus
ainda não acabaram.O mais misterioso deles ainda estava por
vir. Após revelar a Pedro que ele tinha de ser preso, comentou
que não precisava de sua proteção. Numa frase intrigante revela
um segredo aos discípulos que eles não conheciam. Disse: “Acaso
pensasquenãopossorogaraomeuPai, eelememandarianestemomento
maisdedozelegiõesdeanjos?” 14.
Disse sem meias palavras que, se quisesse, poderia ter
imediatamente sob seu controle mais de doze legiões de anjos.
No exército romano cada legião tem cerca de três a seis mil
soldados. Quantos anjos compõem cada legião que Cristo
mencionou e qual o poder que esses anjos têm para atuar no
mundo físico? Ele era de fato misterioso.
Quando interpretamos a personalidade de alguém
devemos dar atenção àquilo que as pessoas pouco dão valor. A
frase que Jesus disse tem várias implicações.
Ela indica que ele tem um poder descomunal, um poder
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
muito maior do que demonstrara ter e muito maior do que os
discípulos desconfiavam que tivesse. Também indica que ele
atuava num mundo não físico e que se quisesse poderia controlar
um enigmático exército de anjos. Ainda indica que, se desejasse,
poderia terminar a qualquer momento o seu julgamento, as
sessões de tortura e a sua crucificação.
No original grego, Jesus usa nesta passagem termos
militares para demonstrar seu poder. Nenhum mortal poderia
proferir uma frase como esta com tanta convicção a não ser
que estivesse delirando, tendo um surto psicótico. Jesus poderia
estar delirando?
Como pode alguém tão lúcido, coerente, inteligente, que
superava as intempéries como se fosse um maestro da vida estar
tendo um surto psicótico? Cristo em momento algum
abandonou a sua lucidez. Estudaremos no livro posterior algo
que beira ao impossível. Mesmo morrendo, quando todas as
suas forças se esgotavam, ele ainda era íntimo da sabedoria e
capaz de desferir golpes impensáveis de inteligência.
Era tão sereno que, como vimos, dois ou três minutos
antes de comentar seu poder, teve os gestos que nem os mais
ilustres pensadores conseguiriam ter no foco de tensão que
passou. Chamou seu traidor de amigo e deu-lhe oportunidade
para que ele corrigisse os pilares de sua vida.
Este homem tão lúcido e que acabou de receber voz de
prisão disse que tinha sob seu controle exércitos
incomparavelmente mais fortes do que os do imperador romano.
Apesar de fazer tal afirmação, ele disse que se esquivava de usálo.
Quem pode compreendê-lo? Não perdemos a oportunidade
de mostrar nosso poder. Jesus, ao contrário, aproveitava as
oportunidades para ocultá-lo.
Cristo não falou de anjos de maneira misticista, mas segura
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
49
e sem alardes. Não disse que cria em anjos, mas que legiões de
anjos se submetiam a ele. Embora respeite a crença das pessoas,
independente de quem seja e do que crê, é criticável o misticismo
que desrespeita a capacidade de pensar e a consciência crítica.
Temos uma tendência a crer em tudo sem respeitar a nossa
própria inteligência. O mestre dos mestres sempre valorizou a
inteligência humana e estimulou seus discípulos a alargar os
horizontes do pensamento e não restringi-los.
Devemos nos perguntar: Quem são esses seres chamados
anjos? Eles possuem consciência? Têm vontade própria? Vivem
emoções? Como lêem a memória e constroem cadeias de
pensamentos? Quando foram criados? Por que foram criados?
Onde habitam? Que essência os constitui? São imortais? Qual
é o seu poder e que habilidade têm para atuar no mundo físico?
Não quero entrar nesta seara, mas essas questões
evidenciam que os fenômenos que envolviam a história de Jesus
eram um poço de mistérios. Ninguém que estuda a sua
personalidade pode reclamar de tédio. A cada reação ele nos
deixa embaraçados.
Após corrigir a Pedro, ele se volta para os soldados e com
segurança comenta que não era preso como um criminoso.
Relata que estava diariamente disponível no templo e em tantos
outros lugares públicos. Assim disse saber que seus inimigos o
procuravam, que não tinha medo de ser preso e que não
ofereceria resistência no ato da prisão.
No momento em que mais precisava usar a força, ele usa
o diálogo. É impossível não esfregarmos as mãos na cabeça e
nos perguntarmos: Quem é este homem que atravessou as
páginas da história e fez tudo ao contrário do que temos feito?
O Poderoso e Dócil: Um Exímio Psicoterapeuta
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Um exímio psicoterapeuta
Ao se entregar e ser manietado, seus discípulos perceberam
o inevitável. Seu mestre de fato viveria o martírio sobre o qual
sempre os alertou. Nada o faria desistir do seu destino, “nem
os exércitos dos céus” que disse que teria sob seu comando.
Então, eles se dispersaram amedrontados e confusos, como
ovelhas sem pastor. Exatamente como Jesus havia predito.
Precisamos fazer algumas considerações importantes sobre
este assunto. Como ele conseguiu prever a dispersão dos
discípulos? Do ponto de vista da sua humanidade, ele analisava
o comportamento humano e percebia as dificuldades do homem
em lidar com suas emoções nos focos de tensão. Ele sabia que
quando o mar da emoção estava calmo, o homem era um bom
navegante, mas quando estava agitado, ele perdia o controle das
suas reações. De fato, não há gigantes no território da emoção.
Pessoas sensatas e lúcidas têm seus limites. Sob um foco de
tensão, muitas perdem sua sensatez. Alguns são seguros e
eloqüentes quando nada os contraria, mas sob o calor da
ansiedade, se comportam como meninos.
O mestre da vida era um excelente psicólogo. Sabia que o
medo controlaria o território de leitura da memória dos seus
discípulos, dissipando a lucidez e travando a capacidade de
pensar. Não exigiu nada deles quando ele foi preso, apenas
previu que, quando o medo os envolvesse, eles se esqueceriam
dele, fugiriam inseguros.
Nós exigimos o que as pessoas não podem nos dar. Quase
todos os dias, tenho longas conversas com maridos, esposas,
pais, filhos, pedindo para ser tolerantes, não conservarem
mágoas e raivas uns dos outros, explicando que não é possível
dar o que se não tem. É necessário plantar para depois colher.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
51
Plantar diariamente a segurança, a solidariedade, a
honestidade, a perseverança, a alegria nos pequenos detalhes da
vida, a capacidade de expor e não impor as idéias, para muito
tempo depois colher essas funções nobres da inteligência.
Se esperasse muito dos seus discípulos, ele se frustraria
excessivamente com o abandono deles, com a traição de Judas
e a negação de Pedro. Neste caso, poderia desistir do seu martírio.
Entretanto, educava-os, mas não esperava resultados imediatos.
Quem quer ser um bom educador tem de ter a paciência
de um agricultor. Se quisermos ter dias felizes não devemos
esperar resultados imediatos.
Às vezes, educamos nossos filhos com o maior carinho
e eles nos frustram com seus comportamentos, parece que tudo
que ensinamos foram como sementes lançadas em terra árida.
Mas sutilmente, sem percebermos, essas sementes um dia
eclodem, criam raízes, crescem e se tornam belas características
de personalidade.
O mestre da vida entendia os limites das pessoas, por isso
amava muito e exigia pouco, ensinava muito e cobrava pouco.
Esperava que o amor e a arte de pensar florescessem pouco a
pouco no terreno da inteligência. Por dar muito e exigir pouco,
ele protegia sua emoção, não se decepcionava com as pessoas
quando elas o frustravam e nem as sufocava com sentimento
de culpa e incapacidade.
Por que predisse que seus discípulos o abandonariam no
momento mais angustiante de sua vida? Disse que eles o
abandonariam para protegê-los contra o sentimento de culpa,
de incapacidade, de auto-abandono que surgiriam momentos
depois que refletissem sobre suas fragilidades. Ele se preocupava
não apenas com o bem estar físico dos discípulos, mas queria
que eles não desistissem de si mesmos quando fracassassem.
O Poderoso e Dócil: Um Exímio Psicoterapeuta
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
52
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Tal comportamento evidencia a face de Jesus como
psicoterapeuta. Não era apenas um mestre, um médico, um
amigo, um educador e um comunicador do mais alto nível, mas
era um excelente psicoterapeuta. Ele conseguia prever as
emoções mais sutis e angustiantes dos seus discípulos antes
delas se encenarem no palco de suas mentes, e dava-lhes subsídio
para que as superassem quando surgissem.
Quantos se suicidam como Judas, por estarem
decepcionados consigo mesmos? Quantos, diante dos erros, se
envergonham e retrocedem em sua caminhada? Quantos não
se esmagam com sentimento de culpa e vivenciam crises
depressivas diante das suas falhas? Jesus sabia que o homem é
o pior carrasco de si mesmo. Por isso, estava sempre querendo
tornar leve o fardo da vida, libertar a emoção do cárcere.
Ninguém que andava com o mestre de Nazaré vivia se
martirizando. Até uma prostituta sentia-se aliviada ao seu lado.
Algumas derramavam lágrimas sobre ele, por tratá-las com tanto
amor, por dar continuamente uma oportunidade a elas. Será
que as pessoas se sentem aliviadas ao nosso redor? Será que
lhes damos condições para que elas rasguem a sua alma e nos
contem seus problemas? Não poucas vezes, ao ver a queda das
pessoas, as criticamos ao invés de ajudá-las a se levantar.
O mais excelente mestre da emoção sabia que seus
discípulos o amavam, mas ainda não tinham estrutura para
vencer o medo, o fracasso, as perdas. Previu que eles o
abandonariam para que eles conhecessem a si mesmos e
compreendessem suas limitações. Fossem fortes após as
derrotas.
O comportamento de Jesus mais uma vez concilia
características quase que irreconciliáveis. Ele demonstrou ter
um poder incompreensível, capaz de arregimentar exércitos de
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
53
anjos. O que podemos esperar de uma pessoa tão forte?
Autoridade, julgamento, rigidez, imposição de normas, crítica
contundente aos erros. Todavia, eis que nele encontramos
afetividade, tolerância, compreensão das falhas, gentileza e
ausência de cobranças.
É horrível conviver com alguém disciplinador e que quer
que todos vejam o mundo apenas com seus olhos, mas é
agradável conviver com alguém maleável, capaz de enxergar com
os olhos dos outros.
A personalidade de Jesus é encantadora. Raramente
alguém que esteve no topo do poder desceu para perscrutar os
sentimentos mais ocultos do ser humano.Quem quisesse ser
um discípulo de Jesus, jamais poderia se diplomar na vida e
nem desistir de si mesmo.
O mestre da vida não procurava gigantes nem heróis, mas
homens que tivessem a coragem de levantar-se após cair, de
retomar o caminho após fracassar.
Perdoando-os antes do fracasso
Raramente uma pessoa presta atenção aos detalhes que
norteiam o comportamento de Jesus Cristo. Seu cuidado
afetuoso era fascinante. Ele já os estava perdoando antes mesmo
que eles fracassassem.
Quem é que abandonado é capaz de ter ânimo para cuidar
daqueles que o abandonaram? Uma ofensa causada por um filho
ou uma frustração gerada por um amigo ou colega de trabalho
nos irrita e a conseqüência imediata é a impaciência. Quantas
vezes dissemos: “Essa pessoa não tem jeito mesmo!”.
Certa vez, o mestre disse aos seus discípulos que se uma
pessoa errasse e viesse pedir-lhes perdão, eles deveriam perdoá-
O Poderoso e Dócil: Um Exímio Psicoterapeuta
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
54
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
la. Se ela viesse no mesmo dia e errasse sete vezes e as sete
vezes pedisse perdão, as sete vezes deveriam ser perdoadas. Outra
vez disse que deveríamos perdoar as pessoas setenta vezes sete.
Na verdade queria dizer que devemos perdoar sempre,
continuamente, ainda que a pessoa seja a mais teimosa e
obstinada do mundo.
O mais dócil psicólogo infantil ensina aos pais a ter calma
na educação dos filhos se o filho cometer duas ou três vezes o
mesmo erro num mesmo dia. Como é possível ter a paciência e
tolerância que ele preconizava? Se o nosso foco de atenção for
os erros das pessoas, então perderemos a calma diante da
repetição do comportamento inadequado delas, mas se o foco
de atenção for as pessoas dos erros, a vida que pulsa dentro
delas, começaremos a mudar a nossa atitude. Dar-lhes-emos
sempre uma nova chance.
E se aprendermos com o mestre dos mestres a nos doar
sem esperar a contrapartida do retorno, daremos um salto maior
ainda, pois aprenderemos a proteger nossas emoções.
Aprenderemos a ter uma felicidade que não depende muito
das circunstâncias externas. A felicidade que Jesus tinha, que
emanava de dentro para fora, pouco dependia dos resultados
exteriores.
Não deveríamos pensar que a maneira de Jesus ser como
educador era passiva, ao contrário, era revolucionária. Todos
que observavam sua calma, sua inteligência fenomenal, sua
segurança e capacidade de nunca perder a esperança em ninguém
começavam a mudar completamente a sua maneira de ver a
vida. Assim, ainda que errassem muito, elas, por andar na sua
presença, iam transformando e reciclando a sua rigidez, orgulho,
agressividade. Os discípulos jamais se esqueceram das lições
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
55
preciosas que ele lhes deu. Ele morreria, mas se tornaria um
“Mestre Inesquecível”.
Os discípulos foram temporariamente acidentados pelo
medo. Pedro, Tiago, João, Bartolomeu, Filipe, Tomé, Mateus,
enfim, todos os seus amados amigos fugiram. Ele foi preso,
ficou só. Embora não amasse a solidão, não quis companhia,
pediu aos soldados que deixassem seus amigos partirem.
O mundo assistiria, a partir de agora, a uma noite de terror
e ao mais injusto dos julgamentos. Um julgamento regado a
ódio, a escárnio e a tortura. Jesus foi preso em plena condição
de saúde. Contudo, ficaremos estarrecidos com a violência e os
maus tratos que recebeu. Em menos de doze horas, seus inimigos
destruíram seu corpo antes de crucificá-lo...
O mestre do perdão foi tratado sem nenhuma tolerância.
Nunca alguém que se preocupou tanto com a dor humana foi
tratado de maneira tão impiedosa.
O Poderoso e Dócil: Um Exímio Psicoterapeuta
REJEITADO E
TORTURADO NA CASA
DE ANÁS
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
CAPÍ T U L O 4
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
59
Rejeitado e Torturado na Casa de Anás
A seqüência dos eventos no
julgamento de Jesus
Antes de entrar no dramático julgamento vivido por Jesus,
quero comentar sinteticamente algo sobre como, quando e por
que os evangelhos foram escritos.
Jesus andou por cerca de três anos e meio com os
discípulos. Freqüentemente havia um intervalo de tempo de
semanas e meses entre uma passagem e outra descrita nestes
livros.
A grande maioria de suas palavras e comportamentos não
foi registrada. Apenas alguns eventos que causaram maior
impacto nos seus discípulos é que foram escritos nos quatros
evangelhos e podem ser considerados como quatro biografias
sintéticas.
O único momento da vida de Jesus que foi relatado evento
por evento, hora por hora foi seu julgamento e sua crucificação.
Na noite em que foi preso até ser crucificado foram menos de
doze horas e da crucificação à sua morte foram cerca de seis
horas. Apesar do curto período, os relatos destes momentos
são cruciais. Foram, sem dúvida, os mais longos e os mais
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
60
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
importantes relatos de um único período de sua vida. Segundo
as suas próprias palavras, ele veio para esta hora e esperava
ansiosamente por ela.15
A decisão de escrever o que o mestre dos mestres viveu
não foi tomada durante o período em que os discípulos andaram
com ele e nem logo após a sua morte. Demorou muitos anos.
O mais antigo evangelho, o de Marcos, foi provavelmente escrito
entre 50-60 d.C., portanto, mais de 20 anos depois da partida
de Jesus. O evangelho de Lucas foi provavelmente escrito no
ano 60 d.C., o de Mateus entre 60-70 d.C. O evangelho de João
foi o mais tardio, escrito provavelmente entre 85-90 d.C.,
portanto mais de meio século depois da morte do mestre.
Escrever depois de um longo tempo após a sua morte fez
com que o relato de algumas passagens tenha perdido alguns
detalhes ou tenha sido escrito dando ênfase diferente a alguns
fatos. Por esse motivo, existem algumas pequenas distinções
nas mesmas passagens descritas nos evangelhos, tal é o caso do
julgamento de Jesus Cristo. Todos os quatro evangelhos o
relatam, mas com dimensões e detalhes diferentes uns dos
outros.
Essas diferenças atestam que Jesus foi um personagem
histórico real, como concluí nos livros anteriores. Seria
impossível para a mente humana criar um personagem como
ele.
O que motivou os discípulos a escreverem sobre Jesus
Cristo em diferentes épocas foi a intensa história de amor que
tiveram com ele. O mestre da vida foge completamente ao que
se poderia esperar de um homem tão forte e inteligente como
ele. O carpinteiro de Nazaré encantou a emoção de milhares
de homens e mulheres.
Durante as primeiras décadas desta era não havia nada
escrito sobre ele. Como então as pessoas que não o conheceram
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
61
eram nutridas pelos seus ensinamentos? Pelos relatos vivos das
pessoas que conviveram estreitamente com ele, principalmente
dos discípulos.
Os discípulos deviam gastar horas e horas recordando
uns com os outros cada palavra, cada gesto, cada pensamento
de Jesus. Deviam prender a respiração, embargar a voz e, algumas
vezes, derramar lágrimas por recordá-lo. Os pescadores da
Galiléia que outrora cheiravam a peixe, agora exalavam uma
doce fragrância de amor.
A organização dos livros
chamados evangelhos
O material que os discípulos usaram para escrever os
evangelhos foi organizado através de pesquisas e anotações
detalhadas. Tal é o caso de Lucas, que não conheceu Jesus,
mas, como ele mesmo disse, investigou detalhadamente os fatos
relacionados à sua vida16.
Algumas passagens talvez tenham sido escritas na época
em que Jesus andava com os discípulos. Mateus era um coletor
de impostos, devia saber escrever. É provável que tenha anotado
algumas parábolas no momento em que o mestre as proferiu e
depois as ajuntou para escrever seu evangelho. Mas creio que
poucas passagens tenham sido escritas presencialmente. Por quê?
Porque os discípulos não acreditavam que Jesus se separaria
deles. Ele discursava tanto sobre a vida eterna que não
imaginavam que ele morreria tão precocemente.
Os evangelhos têm uma síntese, uma lógica, uma coerência
que impressiona qualquer pesquisador. Qualquer pessoa deveria
lê-los, mesmo que não tenha interesse pelo cristianismo. Até os
cientistas deveriam lê-los, pois nós que pesquisamos, mais do
que qualquer outro ser humano, temos a consciência de que
Rejeitado e Torturado na Casa de Anás
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
62
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
somos meninos perturbados diante dos mistérios da existência.
Ler esses livros abrirá as janelas de nossa mente, nos introduzirá
num profundo processo reflexivo e, no mínimo, nos fará crescer
em sabedoria.
Muitos crêem que os evangelhos foram escritos sob
inspiração divina. A inspiração divina entra na esfera da fé;
portanto, extrapola a investigação deste livro.
Independentemente da inspiração divina, os escritores dos
evangelhos usaram uma investigação detalhada para elaborar
seus textos. Por isso não são cópias uns dos outros e se
completam mutuamente. Alguns deles descrevem
incompletamente algumas passagens, outros detalham melhor
certas situações.
Esse fato fica particularmente evidente no julgamento de
Jesus. Somente Lucas relata que Jesus passou pelas mãos de
Herodes Antipas, o filho de Herodes, “o Grande”, o rei que
queria matá-lo quando tinha dois anos. Entretanto, o registro
mais detalhado sobre o julgamento de Jesus na casa de Caifás, o
sumo sacerdote, não está em Lucas, mas no evangelho de
Mateus. Por outro lado, Mateus não traz explicações detalhadas
sobre o que aconteceu com Jesus diante de Pilatos. Ele encerra
esta passagem dizendo que ele foi açoitado por Pilatos; em
seguida, condenado e imediatamente tomou a cruz em direção
ao Gólgota. Todavia, ocorreram fatos importantíssimos depois
dos açoites.
Se lermos apenas Mateus, compreenderemos o julgamento
feito pelo sinédrio, composto pelos líderes da religião judaica,
mas ficaremos obscuros com respeito ao julgamento realizado
pela política romana. Precisamos ler o livro de João para termos
tal clareza. O evangelho de João registrou determinados fatos
e alguns diálogos entre Jesus e Pilatos que não foram registrados
pelos outros escritores. Por exemplo, ele vai além de Mateus e
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
63
relata que depois dos açoites Jesus ainda passou por outros
sofrimentos, foi coroado com espinhos, zombado pela coorte
de soldados e ainda voltou a ter um diálogo particular com
Pilatos.
Muitos soldados que estavam presentes nestas cenas se
tornaram discípulos de Jesus após sua morte. Alguns carrascos
foram contagiados pelo seu amor. Eles deram seus testemunhos
aos escritores dos evangelhos sobre o drama que Jesus passou
em seu julgamento e a violência com que foi tratado. Alguns
fariseus que o amavam ocultamente também contribuíram para
esses relatos.
Fundamentados nestes relatos, estudaremos, a partir de
agora, o mais misterioso e amável dos homens no momento
em que sofre o mais violento e inumano julgamento. Dessa
história de dor vivida pelo mestre da vida poderemos extrair
profundas lições para reescrever alguns capítulos fundamentais
de nossa própria história.
Jesus foi julgado e torturado por quatro pessoas: Anás,
Caifás, Pilatos e Herodes.
Interrogado por Anás
Após ser preso, a primeira casa para a qual os soldados
levaram Jesus foi a de Anás. Este já havia sido sumo sacerdote,
que representava o topo da hierarquia da religião judaica. No
ano em que Jesus foi julgado, o sumo sacerdote era seu genro,
Caifás.
Como vimos, Jesus havia se tornado incontrolavelmente
famoso. Todavia, o mestre se entregou tão subitamente que
ninguém sabia que ele tinha sido preso, a não ser seus discípulos.
Anás estava tenso, tinha medo de que a multidão, ao
Rejeitado e Torturado na Casa de Anás
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
64
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
despertar, soubesse que ele estava encarcerado. Então, tão logo
Jesus chegou, começou a interrogá-lo sobre seus discípulos e
sua doutrina17. Não queria de fato interrogá-lo, apenas encontrar
motivos para que Jesus fosse morto.
O mestre sabia que ali se iniciara uma das etapas do seu
falso julgamento. Estava convicto de que Anás não estava
interessado em saber sobre seu pensamento, seu propósito.
O clima era perturbador. Centenas de pessoas compostas
por soldados e serviçais o rodeavam. Almejavam saber como
ele reagiria longe das multidões que o assediavam. Talvez
quisessem vê-lo pela primeira vez tímido, tenso, amedrontado.
Contudo aquele homem parecia inabalável. Diferente de nós,
ele não se curvava ao medo.
Diante da pressão de Anás para que abrisse a sua boca,
ele dá uma resposta que soa como uma bomba diante do
ambiente ameaçador.
Diz: “Eu falei abertamente ao mundo, eu sempre ensinei nas
sinagogasenoTemplo, ondetodososjudeussereúnem, enadadisseem
segredo.” 18. Sua resposta não termina assim. Respaldado por uma
sólida autoconfiança, ele fita Anás e os soldados que o rodeiam
e sem nenhuma sombra de medo acrescenta: “Por que me
interrogas? Pergunta aos que me escutaram. Eles bem sabem o que eu
disse”.
Esta resposta, que é a primeira em seu julgamento, tem
várias implicações que serão analisadas a seguir.
Falando francamente ao mundo
Ele disse, sem titubear, a Anás e aos presentes que tinha falado
abertamente ao mundo. Ninguém foi tão franco como Jesus. Não tinha
medodefalaraquiloquepensava. Nãosimulavaossegredosdesuaalma.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
65
Em determinadas situações, sua segurança estava ameaçada, por
isso a melhor coisa que poderia fazer para se proteger era se
calar, mas nada o fazia calar-se. Mesmo sob o risco de ser
linchado por seus opositores, ele não se calava.
Sua coragem mudou a história. Falou palavras que não
apenas abalaram o mundo de sua época, mas também nos
deixam fascinados e pasmos nos dias de hoje. Discorreu sobre
pontos jamais discursados, abordou assuntos jamais pensados
pela psicologia, filosofia, educação ou religião.
Interrogando o seu interrogador
É próprio de um réu ficar quieto, tímido e ansioso diante
de um tribunal. O mais violento dos homens vira uma criança
quando lhe retiram o poder. Alguns, através de seus advogados,
pedem clemência e negam todas as acusações que lhes fazem.
Jesus estava lá sem nenhum advogado. Não precisava, pois
sua inteligência era imbatível. Ele já saíra de situações mais
dramáticas que aquela. Com habilidade magistral, ele abria as
janelas da mente dos seus opositores provocando a inteligência
deles. Confusos, eles o deixavam e retornavam para casa.
Agora, ele se deixou prender e está em seu julgamento.
Todos queriam a sua morte e, por incrível que pareça, ele também
a desejava. Os acusadores queriam matar para anular a vida e
ele queria morrer para dar a vida. Em seu julgamento, ele não
lutou a seu favor, se entregou integralmente à decisão humana.
O mestre da vida disse menos de vinte pensamentos neste
julgamento, todos com significados inimagináveis, mas nenhum
deles objetivava libertá-lo. Ao contrário, tais pensamentos
colocariam mais lenha na fogueira do ódio que seus inimigos
nutriam por ele, mas não se importou. Revelou claramente sua
Rejeitado e Torturado na Casa de Anás
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
66
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
identidade e sua missão, ainda que com palavras sintéticas.
Quando estava livre, evitou dizer quem ele era; quando estava
preso e pressionado a se intimidar, fez relatos espetaculares sobre
sua pessoa, principalmente a Caifás e a Pilatos.
Não pediu clemência a Anás. Disse que todos os seus
discursos tinham sido feitos publicamente e que se ele quisesse
resposta deveria interrogar os que o ouviram. Com tal resposta,
ousada e incomum para um réu, ele mostrou claramente que
sabia que seu julgamento era um teatro, que ninguém estava
interessado de fato nos seus discursos porque sabiam o que ele
havia dito. Portanto, se queriam matá-lo pelo que falou, ele estava
também disposto a morrer por esta causa.
Esbofeteado com violência por um soldado
Os soldados que estavam presentes tinham conhecimento
de que os líderes judeus, por diversas vezes, já haviam tramado
a sua morte sem sucesso. Uma parte dos soldados estava confusa,
admirava-o, mas não tinha força para protegê-lo. Outra parte,
provavelmente a maior dela, estava totalmente influenciada pelos
líderes de sua nação. Manipulados por esses, também o odiavam,
ainda que não soubessem claramente os motivos.
Quando não deu resposta a Anás e o recomendou a
perguntar a milhares de judeus o que ele havia dito publicamente,
o clima de violência contra ele veio à tona. Imediatamente, um
soldado vira-se e desfere-lhe uma violenta bofetada, sem lhe
dar aviso.
Os soldados daquela época eram escolhidos entre os
melhores e maiores homens. Eles treinavam atirar lanças e
manipular espadas, portanto a musculatura e a força das mãos
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
67
eram muito desenvolvidas. Portanto, o golpe que Jesus recebeu
desse soldado foi traumático e dolorido. Deve ter lhe causado
vertigem e edema (inchaço) em sua face.
Diante de um ato tão violento, gostaria de analisar três
brilhantes características da personalidade que Jesus já
demonstrou neste primeiro golpe físico e que iria regular seu
comportamento em todas as suas torturas. Primeiro, ele pensava
antes de reagir; segundo, nunca devolvia a agressividade que lhe
faziam; terceiro, era capaz de estimular os seus agressores a
penetrarem dentro de si mesmos e repensarem a sua violência.
A maneira como ele reagiu foge completamente às reações
previsíveis que temos diante de situações de risco e de dor, sejam
elas físicas ou psicológicas.
Para expor essas três características, precisamos
compreender alguns fenômenos que constroem os pensamentos
e participam do funcionamento da mente*.
O gatilho da memória
O gatilho da memória é um fenômeno inconsciente que
faz as leituras imediatas da memória diante de um determinado
estímulo. O medo súbito, as respostas impensadas, as reações
imediatas são derivadas do gatilho da memória. Diante de uma
ofensa, um corte nas mãos, uma freada de um carro ou uma
situação de risco qualquer, o gatilho da memória é acionado,
gerando uma leitura rapidíssima da memória, produzindo as
primeiras cadeias de pensamentos e as primeiras reações
emocionais.
Somente em segundos ou frações de segundos depois que
* Cury, Augusto J., Inteligência Multifocal, Editora Cultrix, São Paulo, 1998.
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
o gatilho é acionado é que o “eu” (vontade consciente) inicia
seu trabalho para administrar o medo, a ansiedade, a angústia
que invadiu o território da emoção. Isso explica porque é difícil
administrar as reações psíquicas. Grande parte de nossas reações
iniciais não é determinada pelo “eu”, mas detonada pelo gatilho
inconsciente da memória.
Uma pessoa agredida, ofendida, sob o risco de vida, ou
seja, sob um foco de tensão, raramente conseguirá administrar
seus pensamentos. Nessas situações, ela reage sem pensar. Para
retomar as rédeas de sua inteligência, o “eu” terá de gerenciar
os pensamentos negativos, através de duvidar deles e criticálos.
Assim, ela sai do foco de tensão e se torna líder do seu
mundo. Todavia, freqüentemente somos frágeis vítimas dos
processos ocorridos em nosso mundo psicológico.
Quem é que pensa antes de reagir nas situações tensas?
Não exija das pessoas terem lucidez quando são feridas,
ameaçadas e estão ansiosas. Seja paciente com elas, pois o gatilho
da memória estará gerando medo, raiva, ódio, desespero, que,
por sua vez, travam a liberdade de pensar. Quando nossas
emoções estão exaltadas, reagimos por instinto e não como
seres pensantes.
Jesus foi ofendido por diversas vezes em público. Mas
não se deixava perturbar. Em algumas situações, foi expulso
das sinagogas, mas mantinha sua emoção intacta. Correu risco
de vida em algumas oportunidades, mas estava livre ao invés
de estar tenso. A mesma coragem que o movia para falar o que
pensava, ele tinha para proteger sua emoção diante dos estímulos
estressantes.
Quando o gatilho da memória gerava uma reação ansiosa
imediata em sua emoção, ele, com uma incrível habilidade,
tomava as rédeas do seu ser e não se deixava controlar pela sua
emoção. Só se permitia ser controlado por ela para amar.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
69
Perdemos com facilidade a paciência com os filhos, com
amigos, com as pessoas que nos frustram. Infelizmente, sob
um foco de tensão, tanto psicólogos como pacientes, tanto
executivos como funcionários, tanto pais como filhos detonam
o gatilho da memória e produzem reações agressivas que os
controlam, ainda que por momentos.
Ferimos a nós mesmos e não poucas vezes causamos
danos às pessoas que mais amamos. Fazemos delas uma lata de
lixo de nossa ansiedade. Detonado o gatilho, reagimos
impulsivamente e minutos, horas ou dias depois, adquirimos
consciência do estrago que fizemos.
Somos controlados pela nossa emoção. Algumas pessoas
nunca mais se esquecem de um pequeno olhar de desprezo
produzido por um colega de trabalho. Outras nunca mais
retornam a um médico se ele não lhes deu a esperada atenção.
Se uma pessoa não aprender a administrar o gatilho da
memória, viverá a pior prisão do mundo: o cárcere da emoção*.
Os dependentes de drogas vivem o cárcere da emoção, porque,
quando detonam este fenômeno, não conseguem administrar
a ansiedade e o desejo compulsivo por uma nova dose da droga.
Os que possuem a síndrome do pânico vivem o medo dramático
de que vão morrer ou desmaiar, gerado também por este gatilho.
Do mesmo modo, quem tem claustrofobia, transtornos
obsessivos compulsivos (TOC) e outras doenças que produzem
intensa ansiedade é vítima do gatilho da memória. Tal fenômeno
é fundamental para o funcionamento normal da mente humana,
mas se ele produz reações doentias e pensamentos negativos
inadministráveis, contribui para gerar uma masmorra interior.
Jesus sabia navegar pelas águas da emoção num ambiente
* Cury Augusto J., O Cárcere da Emoção, Academia de Inteligência, São Paulo, no prelo.
Rejeitado e Torturado na Casa de Anás
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
70
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
turbulento. Ele transitava pelas agressividades, pelas perdas e
frustrações da vida sem se deixar abater.
Como exímio mestre da inteligência, sabia gerenciar o
gatilho da memória, não deixava que ele detonasse a
agressividade impulsiva, o medo súbito, a ansiedade compulsiva.
Portanto, sempre pensava antes de reagir, nunca devolvia a
agressividade dos outros e, como veremos, estimulava seus
agressores a repensar sua agressividade.
O exemplo do gatilho da
memória num tribunal
Certa vez, ouvi uma história interessante que aconteceu
num tribunal. Um homem estava sendo julgado por assassinato.
Havia cometido um crime cruel. Matou um homem por um
motivo torpe: a vítima jogou, numa discussão, um copo d’água
no seu rosto. Humilhado, ele o assassinou.
O réu era indefensável. Pegaria a pena máxima. O
promotor discursava eloqüentemente sobre a periculosidade do
mesmo. Dizia que alguém tão violento não poderia estar em
nenhum outro lugar senão atrás das grades. Como pode alguém
matar um ser humano por ter sido agredido com um copo
d’água?
O advogado de defesa não tinha argumentos. Tudo parecia
estar perdido. Então, de repente, teve uma idéia. Resolveu
reproduzir a cena do crime. Começou a criar um clima de atrito
com os membros do júri. Então, subitamente, pegou um copo
com água e, no calor da discussão, sem que esperassem, atirou
água em seus rostos.
O juiz interpretou o gesto do advogado como um grande
desacato. Os membros do júri ficaram profundamente irados
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
71
com a insolência. Então, imediatamente, pediu desculpas e
explicou os motivos de sua atitude. Disse que tramou agredir
os membros do júri e jogar água neles para que eles olhassem
para o réu com os olhos dele, na pele dele. Comentou que
tentou simular o clima do assassinato, gerar uma emoção nos
membros do júri semelhante a que seu cliente sentiu no
momento em que a vítima lhe atirou água no rosto.
Diante disto, ele fitou o júri e encerrou sua defesa dizendolhes:
“se vocês ficaram irados quando lhes atirei a água,
entenderão o que aconteceu com meu cliente. Infelizmente,
todos nós cometemos atos impensáveis quando estamos tensos.
Ele não é perigoso, jamais planejara aquele assassinato, e havia
se arrependido da sua atitude impulsiva. Por favor, julguem
meu cliente baseados em sua consciência, em sua emoção”.
O veredicto final foi a absolvição. O advogado de defesa,
sem ter consciência, levou os jurados a compreender o fenômeno
do gatilho da memória. Infelizmente, desculpamos a violência
dos outros pela nossa violência.
Quanto mais se afloram os estímulos estressantes através
da competição predatória, do individualismo, da crise do diálogo,
da velocidade das transformações sociais, mais o homem
moderno reage sem pensar, mais volta ao tempo das cavernas.
Assim, pouco a pouco nos psicoadaptamos à agressividade.
Aceitamos a violência como normal, como parte inerente da
rotina social.
O mestre de Nazaré não reagia com violência, mesmo
quando ferido. Ele não apenas não se deixava ser invadido pela
agressividade dos outros como também não devolvia a violência
que lhe causavam, mas era capaz de conduzi-los a refletir sobre
os fundamentos de sua ira.
Quem é este homem que governa sua emoção num
Rejeitado e Torturado na Casa de Anás
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
72
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
ambiente em que todos nós nos afogaríamos nas águas da raiva
e do medo? Somos uma espécie tão bela, mas tão complicada.
Somos tão complicados que roubamos de nós mesmos nossa
tranqüilidade e o direito de sermos felizes.
Estimulando a arte de pensar do agressor
No momento em que o soldado desfere-lhe a bofetada,
ele diz-lhe: “Se fiz o mal, dá testemunho do mal...” 19. Sua resposta
era muito dócil para tanta violência, era muito inteligente para
tanta irracionalidade.
O soldado o golpeou fisicamente e ele golpeou sua
insensatez sem agressividade. Levou seu agressor a pensar no
seu comportamento. Conduziu-o a avaliar a sua história e pediu
para que desse testemunho da sua maldade, sua agressividade e
seu crime. O mestre vivia a arte da antiviolência, sua humanidade
atingiu os sentimentos mais altruístas. Pensava muito mais no
bem estar dos outros do que em si mesmo.
O soldado o agrediu para ganhar crédito diante de Anás20.
Ele o espancou dizendo que ele não deveria falar daquele modo
com o “sumo sacerdote”. Com os ouvidos zunindo e tonteado
pela violência do trauma, Jesus, com gentileza, completa a frase
“... se fiz o bem porque me feres?”.
O soldado não era capaz de dar testemunho contra Jesus,
sua conduta era intocável. Ele o feriu gratuitamente, apenas
para ganhar espaço dos seus líderes. Infelizmente muitos homens
na história reagiram sem pensar nas conseqüências de suas
reações. Preferiram agradar seus líderes a honrar sua própria
consciência. Venderam por um preço muito baixo algo
invendável.
Jesus mantinha sua dignidade. Foi gentil com seu agressor.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
73
Como pode alguém humilhado publicamente e ferido
violentamente ter disposição para ser dócil com um homem
que o espanca? O que faríamos se alguém nos desse um tapa
no rosto? A reação do mestre de Nazaré foge aos limites
instintivos do homem.
Um tapa no rosto é socialmente humilhante. É pior do
que receber um copo d’água no rosto. Contudo, ao contrário
do réu que a pouco descrevi, ele, além de amável, estimulou seu
agressor a abrir as janelas de sua mente. Sua personalidade não
foi apenas superior à média dos homens. Ela foi única, exclusiva.
Ninguém reagiu como ele no ápice da dor e da humilhação
social.
Se Jesus tinha o poder que dizia ter, por que não fez aquele
soldado prostrar-se aos seus pés? Entretanto, se agisse com
poder, se revidasse a agressividade, ele seria como qualquer um
de nós, não seria livre. Os fracos mostram a força da ira, mas
os fortes mostram a força do perdão.
Se ele destruísse aqueles homens, seria forte por fora, mas
fraco por dentro. Seria controlado pelo seu ódio e pela raiva,
mas nada o controlava. Preferiu conscientemente ser fraco por
fora, mas livre por dentro...
Dormindo com o inimigo
Todas as experiências que vivemos no palco de nossas
mentes são registradas involuntariamente na memória pelo
fenômeno RAM. E, se estas experiências tiverem alta carga de
tensão, o registro será privilegiado, ocupando áreas nobres de
nossa memória.
Aqui há um grande aprendizado a ser feito. Se uma pessoa
nos perturbou, nos prejudicou ou nos humilhou de alguma
Rejeitado e Torturado na Casa de Anás
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
74
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
forma e se desenvolvemos raiva, ódio ou medo dela, saiba que
ela será registrada de maneira privilegiada na parte central de
nossa memória, que chamo de MUC (Memória de Uso
Contínuo). Se imaginarmos a memória como uma grande cidade,
a MUC é a área em que mais circulamos e realizamos nossas
atividades profissionais e sociais. Por estar registrado na MUC,
ela será lida preferencialmente e participará de grande parte de
nossos pensamentos.
Assim, pensando que a raiva, ódio ou reação fóbica de
afastamento nos livrará de nosso agressor, nos enganamos. Ele
almoçará, jantará e dormirá conosco, pois ocupará a área central
de nossa memória consciente e inconsciente e,
conseqüentemente, ocupará grande parte de nossos
pensamentos que, por sua vez, afetarão a qualidade de nossas
emoções. Por isso, quando temos um problema não deixamos
de pensar nele.
Quanto mais aversão sentirmos por alguém, mais ele
ocupará nossos sonhos e nos convidará a ter insônia. Da
próxima vez que alguém o frustrar, lembre-se de que se não
tomar cuidado, você dormirá com ele.
O mestre de Nazaré não dormia com seus inimigos, pois
nenhum homem era seu inimigo. Os fariseus podiam odiá-lo e
ameaçá-lo, mas todo o ódio de um homem não o qualificava
para ser seu inimigo. Qual a razão? A razão era que ninguém
conseguia transpor sua capacidade de proteger a sua emoção.
Não permitia que a agressão dos outros tocasse sua alma.
Conheço a história de filhos que nunca mais segredaram
nada aos seus pais depois que estes os frustraram. Conheço
também pessoas que nunca mais reataram a amizade com seus
amigos depois de uma pequena discussão. Eles abriram as
comportas de sua emoção e deixaram que um episódio
turbulento destruísse para sempre um belo relacionamento.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
75
O mestre dos mestres não se deixava ser invadido pelas
injúrias, calúnias, frustrações e violência dos que o circundavam.
Ele viveu a bela frase de Galileu Galilei: “Devemos escrever os
benefícios em bronze e as injúrias no ar”.
Nenhum comportamento humano comprometia a sua paz
e o fazia desanimar. Era livre no lugar em que mais facilmente
somos prisioneiros, livre em sua emoção. Por isso, diferentemente de
nós, jamais cortou das páginas da sua história as pessoas que o
feriam.
Sua calma deixava todos atônitos. Mesmo em face da
morte era possível vê-lo governar, com tranqüilidade, seus
pensamentos. Sua coragem mudou a história. Como mestre da
mansidão, ele conseguiu produzir idéias brilhantes num ambiente
onde só havia espaço para sentir intensa ansiedade.
Ao ser amável com seus inimigos, ele cumpria as suas
palavras sobre dar a outra face. Entretanto, dar a outra face não
era nem de longe um sinal de submissão e de fragilidade, mas
de força inigualável. Os líderes de Israel tinham insônia por sua
causa, embora dormissem em camas confortáveis. O mestre do
amor dormia tranqüilo, embora tivesse o chão como cama e
uma pedra como travesseiro. Que lição de vida!
Todos os líderes políticos que usaram a agressividade como
ferramenta para impor suas idéias mancharam as páginas da
história. A própria história os condenou. Foram esquecidos ou
lembrados com repugnância.
O nome de Jesus percorreu todas as gerações como fogo
em madeira seca. Quais os motivos? Muitos. Não foi somente
pela sua demonstração de poder, mas muito mais pela sua
necessidade de não usá-lo. Quem agiu como ele na história?
Jesus mudou a história da humanidade pela delicadeza dos
seus gestos num ambiente grosseiro e inumano, pelos patamares
Rejeitado e Torturado na Casa de Anás
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
impensáveis aos quais chegou sua amabilidade num ambiente
em que os homens não sabiam amar.
A primeira sessão de tortura
Após ter sido gentil com o soldado que lhe espancou o
rosto, começou a sua primeira e angustiante sessão de tortura.
Os soldados se amontoaram diante dele, zombaram e o
espancaram impiedosamente.
Lucas, embora não cite a casa de Anás, registra que a
primeira sessão de tortura de Jesus ocorreu antes do sinédrio se
reunir e condená-lo, portanto na casa da Anás21. Os soldados e
líderes judeus vendaram-lhe os olhos e diziam: “Profetiza-nos
quem é o que te bateu.” Os traumas no rosto e no corpo
dilatavam e rompiam os vasos sanguíneos periféricos, causandolhe
edemas e hematomas. Seu rosto começava a se desfigurar.
Um clima de terror se instalou. Os homens sempre reagem
como animais quando estão coletivamente irados. Toda a
agressividade deles foi projetada para o mais amável dos homens.
Embora dissesse a menos de uma hora que tinha um grande
exército de anjos à sua disposição, ele não reagiu. Suportou
silenciosamente a sua dor.
Um olhar arrebatador
No primeiro livro da coleção “O Mestre dos Mestres”
comentei sinteticamente a negação de Pedro. Ela ocorreu
justamente na casa de Anás. Devido à relevância deste assunto,
gostaria de retomá-lo e abordar rapidamente alguns pontos
que não analisei.
Quando Jesus entrou na casa de Anás, Pedro, com a ajuda
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
77
de um discípulo que era conhecido do sumo sacerdote, conseguiu
entrar disfarçado. Quem é o discípulo que o ajudou a entrar
naquele ambiente? Não se sabe. Provavelmente Nicodemos ou
José de Arimatéia, por serem da cúpula judaica, ou ainda algum
coletor de impostos, tal como Zaqueu ou Mateus, pois embora
fossem odiados pelos fariseus, tinham poder social por servir
ao império romano.
Pedro foi ousado em entrar naquele ambiente perturbador.
Os discípulos todos estavam insones em um lugar distante dali.
Pedro nunca mais esqueceria a cena que veria. O seu amado
mestre estava sendo ferido física e psicologicamente. Pedro
entrou em desespero. Aquilo parecia uma miragem.
Não podia acreditar na violência dos homens e nem na
passividade do seu mestre diante dos seus agressores. Talvez
pensasse: “Jesus era tão forte e imbatível, como pode se calar
diante de tanta violência? Onde está a sua força? O que aconteceu
com sua coragem?”. A mente de Pedro devia parecer um
redemoinho borbulhante. Nunca conhecera alguém tão forte e
nunca vira alguém vestir de tal maneira o manto da fragilidade.
Pedro conhecia a coragem de Jesus para enfrentar o mundo
e fazer todos se calarem diante de sua sabedoria e poder, mas
não conhecia um tipo de coragem que os homens não têm: a
coragem para enfrentar em silêncio a dor, o desprezo, a vergonha
pública.
Diante dos dramáticos sofrimentos do seu mestre e do
turbilhão de dúvidas que solapavam sua mente, o gatilho da
memória detonou um medo intenso. Quando seu mestre fazia
milagres e belíssimos discursos, tinha orgulho de ser um dos
seus discípulos, mas agora tinha medo de estar associado a
alguém violentamente agredido e humilhado.
O medo travou sua inteligência. Então, questionado por
Rejeitado e Torturado na Casa de Anás
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
alguns servos se ele era um seguidor do nazareno, ele negou,
não conseguia raciocinar. Questionado outra vez, negou-o mais
veementemente. Quando lhe perguntaram pela terceira vez,
negou enfaticamente: “Não conheço este homem”22. Por alguns
momentos Jesus não era mais seu mestre, mas um homem
desconhecido, alguém que nunca vira na vida, um homem do
qual se envergonhava. Se estivéssemos no lugar de Pedro, quantas
vezes o negaríamos?
O evangelho de João é o único que dá margem para
interpretarmos que a primeira e a segunda negação de Pedro
ocorreram na casa de Anás e a terceira ocorreu na casa de
Caifás23. Se ela ocorreu em dois ambientes, indica que a
capacidade de pensar de Pedro estava totalmente controlada
pelo medo. Não gerenciava sua emoção como seu mestre, não
se refazia imediatamente após ser atingido pela angústia.
O medo nos controla, o medo de morrer, de ter uma
grave doença, de sofrer perdas financeiras, de perder as pessoas
que amamos, de encontrar a solidão nas curvas da existência,
de ser rejeitado, de fracassar. Jesus não esperava muito do
homem. Estava convicto de que na humanidade não havia
gigantes no território da emoção. Sabia que vacilamos. De fato
todos temos nossos limites.
Quando Pedro o negou pela terceira vez, Jesus se voltou
com um olhar cativante e arrebatou seu discípulo do medo e o
fez cair em si. Então, ele se lembra de que prometera morrer
com seu mestre e que este previu que fraquejaria. Se lá estivessem
os mais ardentes seguidores de Jesus, o negariam de maneira
tão ou mais vexatória do que Pedro.
Pedro saiu de cena abatido, desesperado. Nunca se sentira
tão frágil. Nunca traíra sua própria palavra e de maneira tão
vergonhosa. Como o mais excelente terapeuta, Jesus novamente
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
79
previra o fracasso de outro dos seus discípulos, não para
condená-lo, mas para que ele mesmo não se condenasse, mas
conhecesse as suas próprias limitações. Então, Pedro chorou
como nunca havia chorado antes.
Por andar com alguém que via os erros e os fracassos em
outra perspectiva, Pedro não saiu mais fraco diante de sua
derrota, mas mais forte. Forte na capacidade de perdoar, de
compreender a fragilidade humana, de dar oportunidade aos
que erram. Somente os que compreendem as suas próprias
limitações podem compreender as limitações dos outros. Os
homens mais rígidos e críticos são os que menos conhecem as
áreas mais íntimas do seu próprio ser.
O mestre da vida era livre, embora atado em cadeias.
Frustrado, ainda acolhia. Que seguidor da atualidade vive as
pegadas que ele deixou?
Ele foi tão brilhante que mesmo se contorcendo de dor
conseguia ainda ensinar os que o amavam. Quando silenciado,
ensinava com os olhos. Com um olhar penetrante dizia a Pedro
que não desistia dele, que ainda o amava. Com a boca sangrando
expressava sem palavras que era justamente por seus erros, tais
como o que estava cometendo, bem como os de toda a
humanidade, que estava morrendo.
Quem é este homem que ferido e com as mãos mutiladas
consegue ainda escrever uma carta de amor no coração do ser
humano?
Rejeitado e Torturado na Casa de Anás
CONDENADO NA
CASA DE CAIFÁS
PELO SINÉDRIO
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
CAPÍ T U L O 5
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
83
CondenadonaCasadeCaifáspeloSinédrio
pós ter sido torturado na casa de Anás, este o levou
manietado à casa de Caifás, o sumo sacerdote naquele ano. Lá,
todo o sinédrio reuniu-se. Estavam diante dele os sacerdotes,
os fariseus, os herodianos, os saduceus, os mestres da lei, enfim,
toda a liderança judia. Os mais cultos e religiosos homens de
Israel reuniram-se para ver que fim dariam ao mestre de Nazaré
que alvoroçava a nação.
Não podemos nos esquecer de que ainda era de
madrugada. A multidão que tanto o amava estava dormindo ou
insone esperando o sol raiar para vê-lo. Ninguém imaginava
que Jesus estava sendo torturado e julgado.
A cúpula judaica tentou fabricar falsos testemunhos para
condenar Jesus, mas os testemunhos não eram coerentes24. Não
havia contradição na vida do mestre dos mestres. Eles poderiam
rejeitar drasticamente o que ele falava, mas não poderiam
encontrar condutas que rompiam com a ética e o bom senso.
A rigidez dos líderes de Israel impediu que eles fizessem
A
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
84
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
um julgamento isento de tendencialismo. Não se renderam a
ele porque não o investigaram. A pressa e o desespero em
condená-lo fizeram com que reagissem irracionalmente.
Um silêncio gélido
Jesus assistia a todos os falsos testemunhos. Paciente, não
sentia necessidade nenhuma de se manifestar. Os homens do
sinédrio estavam apressados, tensos, ansiosos, mas ele mantinha
um silêncio gélido.
Caifás, o mais importante homem da cúpula religiosa,
estava intrigado e indignado com o silêncio de Jesus. Ele o
interrogava, mas não obtinha nenhuma resposta.
Todos os homens mostravam um respeito incondicional
pela autoridade do sumo sacerdote, mas o carpinteiro de Nazaré,
ainda que o respeitasse como ser humano, não atendia o apelo
para que respondesse ao seu inquérito. Nada e ninguém o
obrigavam a falar.
A ferramenta do silêncio é o estandarte dos fortes.
Somente alguém destemido e que tem consciência de que não
deve nada é capaz de usar o silêncio como resposta.
Por que Jesus não falava? Porque estava acima de todo
aquele julgamento. Os líderes religiosos defendiam o Deus do
Pentateuco (os cinco livros de Moisés), dos profetas e dos
salmos. Eles eram técnicos em matéria de Deus, mas, segundo
os pensamentos de Jesus, o Deus que eles defendiam e diziam
adorar estava diante deles, escondido na pele de um carpinteiro
e eles não o reconheciam. Que contraste impressionante! Eram
especialistas em ensinar Deus aos homens, mas não conheciam
o Deus que ensinavam. Não conseguiam enxergar o filho de
Deus por detrás daquele galileu.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
85
Os fariseus faziam longas orações, pareciam exteriormente
espirituais, mas o mestre indicava reiteradas vezes que eles
usavam a religião com o objetivo de se promover socialmente,
para ocupar os primeiros lugares nas festas e nos templos
judaicos.
Imaginem a cena. Jesus dizia ser o filho do Deus altíssimo.
Entretanto, ao nascer, preferiu o aconchego de uma manjedoura
a berços dos que são técnicos em Deus. Quando cresceu,
preferiu trabalhar com madeira bruta e com martelos a freqüentar
a escola dos fariseus. Quando abriu a sua boca, os homens que
ele mais desaprovou não foram os pecadores, os imorais, os
impuros, mas os homens que diziam adorar o seu Pai. Não há
como não se surpreender com esses paradoxos.
Certa vez, o mestre disse aos fariseus que eles liam as
escrituras, mas não vinham até ele para ter vida25. Outra vez
disse que muitos o honravam com a boca, mas tinham o coração
longe dele26. Indicou que todas as vezes que os líderes de Israel
recitavam um salmo ou liam uma passagem dos profetas, eles o
honravam com a boca, mas não o conheciam nem o amavam.
Quem é este homem que abalou os alicerces dos religiosos de
sua época?
Fenômeno da psicoadaptação
gerando a insensibilidade
Neste texto, gostaria de fazer uma pequena pausa para
analisar alguns mecanismos inconscientes que conduziram os
fariseus e toda a cúpula judaica da época a desprezar
completamente o mestre dos mestres. No primeiro capítulo,
comentei os motivos conscientes, principalmente as causas
sociais; agora, estudaremos os fatores inconscientes produzidos
CondenadonaCasadeCaifáspeloSinédrio
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
86
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
principalmente pela atuação do fenômeno da psicoadaptação.
Os mecanismos aqui descritos poderão também arejar algumas
importantes áreas de nossa inteligência.
O fenômeno da psicoadaptação atua no território da
emoção e destrói sorrateiramente a simplicidade, criatividade,
capacidade de aprendizado, a contemplação do belo.
Ao longo de vinte anos tenho estudado a atuação deste
fenômeno. Por um lado, ele é importantíssimo para o
funcionamento normal da mente; por outro, ele pode, se não
bem gerenciado, aprisionar o ser humano num cárcere,
principalmente os cientistas, executivos, os escritores, os
religiosos, os professores, os profissionais liberais, enfim, os
que exercem um trabalho intelectual intenso. Os processos
envolvidos na atuação deste fenômeno não serão estudados
aqui*.
Psicoadaptação, como o próprio nome indica, é a
adaptação da emoção aos estímulos dolorosos ou prazerosos.
A freqüente exposição aos mesmos estímulos leva, ao longo
do tempo, à perda da sensibilidade a eles. Podemos perder a
sensibilidade pela dor, necessidade e fragilidade dos outros.
Podemos ainda, perder paulatinamente a capacidade de sentir
prazer na vida, o encanto pelas pessoas mais íntimas, o amor
pelo trabalho, a disposição para criar, a habilidade para aprender.
Jesus foi o mestre da sensibilidade. Sabia reciclar o
fenômeno da psicoadaptação com grande destreza. Nunca
deixava de se encantar com os pequenos estímulos e de ter prazer
de viver ainda que o mundo desabasse sobre sua cabeça.
Apreciava se relacionar com as pessoas. Mesmo com intensas
atividades, ainda achava tempo para fazer as coisas simples, como
* Cury, Augusto J., Inteligência Multifocal, Editora Cultrix, São Paulo, 1998.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
87
jantar na casa de um amigo ou contar uma parábola interessante.
O excesso de compromissos não modificou o que ele era por
dentro. Infelizmente, somos diferentes. Quanto mais
compromissos, deixamos de fazer as coisas mais simples e que
mais amamos.
À medida que somos expostos aos estímulos, deixamos
de ter prazer neles. Depois de um mês que compramos um
carro, o dirigimos sem grandes emoções. Nas primeiras vezes
que o dirigimos, sentimos um prazer mais intenso, mas, com o
passar do tempo, o estímulo visual vai atuando no processo de
construção de pensamentos e perdendo, sutilmente, a capacidade
de excitar a emoção.
O mundo da moda sobrevive porque as mulheres também
são vítimas do fenômeno da psicoadaptação. A necessidade de
comprar novas roupas ocorre porque após usar a mesma, a
emoção se psicoadapta e deixa pouco a pouco de sentir o prazer
nos mesmos níveis das primeiras vezes. A mídia é perniciosa
neste sentido. Ela, sem o perceber, atua no fenômeno da
psicoadaptação gerando uma insatisfação mais rápida e intensa,
o que estimula o consumismo.
Todos nós temos milhares de experiências nesse sentido.
Ao longo da vida nos psicoadaptamos a pessoas, coisas, situações
ou objetos. Em muitos casos, a atuação deste fenômeno é
positiva. Vamos dar dois exemplos.
Primeiro, quando conquistamos uma meta, um diploma,
um conhecimento, perdemos pouco a pouco o prazer da
conquista. À medida que esta perda se processa existe uma
ansiedade normal que é estimulada, que chamo de “ansiedade
vital”*. Tal ansiedade impulsiona inconscientemente a
necessidade de transpor a conquista, nos estimulando a ter novas
CondenadonaCasadeCaifáspeloSinédrio
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
88
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
idéias, novas metas, alavancando, assim, a criatividade. Muitos
homens deixam de brilhar porque perderam o encanto para
criar. Eles ouvem palestras sobre motivação, mas nada os
estimula. Apegam-se às suas conquistas como se fossem seus
tronos. Envelheceram no território das idéias.
Segundo, quando vivenciamos perdas, frustrações,
injustiças, o pensamento fica hiperacelerado e a emoção,
angustiada. Mas, com a atuação do fenômeno da psicoadaptação,
a carga de sofrimento vai diminuindo pouco a pouco, aliviando
a dor emocional. Quem não desacelera o pensamento, não se
psicoadapta às perdas, perpetuando, deste modo, a sua angústia.
Portanto, nesses dois sentidos, o fenômeno da psicoadaptação
é benéfico.
Precisamos ficar atentos para a atuação sutil e maléfica
deste fenômeno inconsciente. Ele pode nos fazer insensíveis à
dor dos outros; cultivar a auto-suficiência e nos transformar
em pessoas abastadas, prepotentes; gerar a prática do coitadismo
e nos transformar em pessoas sem auto-estima e com enorme
dificuldade de lutar pela vida e por nossos ideais; cristalizar
preconceitos e nos fazer discriminar pessoas que são tão
importantes como nós. Nesses sentidos ele é muito prejudicial.
O mestre da Galiléia, embora não citasse o fenômeno da
psicoadaptação em seus discursos, demonstrava que o conhecia
muitíssimo. Ele estava sempre treinando a emoção dos seus
discípulos para que eles não fossem insensíveis à dor dos outros,
vacinassem-se contra o orgulho, se colocassem como aprendizes
diante da vida, não desistissem de si mesmos por mais defeitos
que tivessem e nunca discriminassem ninguém que os rodeasse.
* Cury, Augusto J., A Depressão de Freud, Academia de Inteligência, São Paulo, 2001.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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A psicoadaptação dos fariseus
Antes de estudar a mente dos fariseus, deixe-me citar o
exemplo do holocausto judeu. Um dos motivos inconscientes
mais importantes que levou uma parte do povo alemão, que era
um berço de cultura e de idéias humanistas, a cometer as
atrocidades contra os judeus e outras minorias na Segunda
Grande Guerra foi o fenômeno da psicoadaptação.
A propaganda nazista, os fatores sociais e os focos de
tensão psíquica atuavam sorrateiramente no universo
inconsciente dos soldados nazistas fazendo com que
desenvolvessem uma repulsa pela raça judia e uma valorização
irracional pela raça ariana. Nos primeiros anos do nazismo, a
maioria dos soldados jamais pensou que seria protagonista de
um dos maiores crimes da história. Entretanto, à medida que
os judeus eram perseguidos e confinados nos campos de
concentração, algo sutil ocorreu nos bastidores da mente dos
soldados alemães. Eles se psicoadaptaram à dor deles. Com o
avanço da guerra, não mais se comoviam com suas misérias.
Nem a dor das crianças judias expressa pelo temor, corpos
emagrecidos, olhos fundos e angústia pela falta dos pais
comoviam os nazistas. Quantas lágrimas, gemidos inexprimíveis
e reações de medo não viveram.Um milhão de inocentes crianças
foram cortadas do direito de existir, viver e brincar. Não foram
os judeus que perderam suas crianças, mas nossa espécie. Eu e
você as perdemos. Nunca tantas crianças foram mortas na
história em um só período.
O mesmo fenômeno da psicoadaptação que contribuiu
para quase dizimar o povo judeu, também contribuiu para que
os líderes judeus assassinassem Jesus. Tornaram-se auto-
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
suficientes. Ninguém podia ensiná-los e contrapor ao que
pensavam. Ninguém podia penetrar no mundo deles e dizer
que estavam errados. Jamais poderiam ser ensinados por um
nazareno que não tinha privilégios sociais. O mestre da vida
não podia ser um carpinteiro. Aqueles homens serviam a Deus
sem Deus. As chamas do amor do Criador não aqueciam suas
frias emoções.
Os homens que cometeram mais atrocidades na história
foram aqueles que tinham menos capacidade de se questionar.
Foram aqueles que tinham menos capacidade para aprender.
Eles fecharam as janelas da inteligência para pensar em outras
possibilidades. Quem vive verdades absolutas usa o poder para
dominar os outros. Aqueles que eles não conseguem dominar,
eliminam.
Será que não temos sido os
fariseus da era moderna?
Reflito: se fôssemos membros do sinédrio daquela época
não teríamos rejeitado também aquele carpinteiro simples, de
mãos grossas e pele judiada pelo sol? Quantos homens que se
consideram mestres dos textos bíblicos da atualidade não teriam
engrossado o coro da cúpula judaica, condenando aquele que
se recusava a fazer milagres para confirmar sua identidade?
Fico pensando se eu não sou um fariseu dos tempos
modernos. Quantas vezes ferimos o direito dos outros por nos
colocarmos num pedestal inatingível! Quantas vezes somos
radicais e engessados em nossa maneira de pensar! Excluímos
as pessoas que não pensam como nós, ainda que por horas.
Temos uma necessidade doentia de que o mundo se afine com
nossas idéias. Reagimos sem pensar quando nossos
comportamentos não são aprovados.
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Nenhum rei pode trabalhar em equipe se não sai do seu
trono e se coloca no mesmo nível dos seus súditos. Do mesmo
modo, quem se senta no trono da sua empresa, da sua escola,
da sua instituição, nunca terá nada para aprender com as pessoas
que o rodeiam. Quem só sabe dar ordens e olhar as pessoas de
cima para baixo, nunca conseguirá exercer um trabalho
humanizado. Quem não governa seu próprio mundo jamais
será um bom líder dos outros.
O mestre de Nazaré apesar de ser tão sublime na sua
capacidade de pensar não se posicionou acima dos homens,
não se tornou um extraterrestre, um corpo estranho em seu
meio social. Era um mestre na arte de ouvir, compreender os
sentimentos, estimular a inteligência e valorizar as pessoas que
o rodeavam. Sabia trabalhar em equipe como ninguém, pois
sabia descer ao nível das pessoas. Se ele era Deus, foi de fato
um Deus brilhante, digno de ser amado, pois teve a coragem de
sair do seu trono.
Jesus foi um mestre tão encantador que nem ao menos
teve ciúme de sua posição. Teve a coragem e o desprendimento
de dizer aos seus discípulos que eles fariam maiores coisas do
que ele fez. Quem se comporta deste modo? Até nos
departamentos das universidades tal solidariedade é utopia, pois
nela não poucos intelectuais vivem cercados por ciúme e vaidade.
O mestre dos mestres foi excepcional. Somente alguém tão
grande é capaz de estimular os outros a ultrapassá-lo.
Grande, mas pequeno
Alguns podem dizer que Jesus Cristo era absolutista, pois
declarava possuir um poder extremo, mas, para nosso espanto,
se recusava a usá-lo em favor de si. Nunca nenhum ser humano
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
disse possuir as verdades que ele possuía. Mas, ao contrário de
nós, não obrigava ninguém a segui-las. Sua grandeza reluzia na
sua capacidade de se fazer pequeno.
Naqueles ares apareceu um homem convidando as pessoas
a beber de uma água nunca antes bebida, que saciava a sede da
emoção, que resolvia o vazio da existência e cortava as raízes da
solidão. Entretanto, só bebia dela quem tivesse uma sede
espontânea, quem tivesse coragem para reconhecer que faltava
algo dentro de si.
Quem não tivesse tal sede, podia seguir seu próprio
caminho e esquecer o mestre da vida. Quem se julgava abastado
podia ficar girando em torno do seu próprio mundo. Quem
não precisava de médico e julgava que não tinha feridas em sua
alma, podia excluí-lo de sua vida.
Rompendo o silêncio
Retornemos à casa de Caifás. Os homens do sinédrio
estavam bombardeando Jesus com perguntas, mas ele nada
respondia. Estavam incomodados com o seu comportamento.
Não parecia um réu. Ele estava às portas da morte e sob o risco
de mais uma sessão de tortura, mas se portava sem se perturbar.
Eles o colocaram como ator principal de uma falsa peça jurídica.
Tudo o que lhe faziam não era novidade. Horas antes, no
jardim do Getsêmani, gemeu de dor e se preparou para suportar
com dignidade os mais aviltantes sofrimentos e humilhações.
Seu comportamento sereno diante do sinédrio refletia a sua
exímia capacidade de governar a quase ingovernável emoção.
Cristo já havia se preparado para morrer.
Muitas pessoas dizem que não têm medo da morte. Só
que fazem esta afirmação quando estão em plena saúde. Diante
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do apagar das luzes da vida, nossa segurança se esfacela. Só não
sente algum tipo de insegurança diante da morte quem nunca
refletiu sobre ela. Tal insegurança, longe de ser ruim, é uma
homenagem à vida. A vida não aceita a morte.
Nossas emoções clamam pela continuidade da existência,
nossos pensamentos clamam pela perpetuação do espetáculo
da vida. Mesmo os que pensam em suicídio têm fome e sede da
vida, só que não suportam a angústia e o desespero que os
abate. Se aprenderem a não ser submissos à sua dor e a navegar
no território da emoção, ganharão um novo sentido de vida.
O sinédrio queria terminar o julgamento de Jesus. Caifás
insistia para que ele respondesse às acusações que lhe faziam,
mas ele mantinha-se em silêncio. Entretanto, Caifás fez-lhe um
pedido que ele não podia deixar de atender. Ele rogou perante
o Deus vivo que Jesus declarasse realmente se era o “Cristo”,
o filho de Deus.
No momento em que Caifás faz este apelo, Jesus, mesmo
sabendo que sua resposta detonaria o gatilho da agressividade
dos seus inimigos, rompeu seu silêncio. Percorreu com seus
olhos o sinédrio e fixou-se no sumo sacerdote. Em seguida
confirmou sem margem de insegurança: “tu o disseste” 27.
Talvez esperassem uma resposta negativa, um pedido de
desculpas e de clemência, dizendo que tudo que disseram sobre
ele não tinha passado de um grande engano. Mas sua resposta
foi positiva. Foi tão afirmativa que ele usou as próprias palavras
de Caifás para mostrar que ele era de fato o filho do Altíssimo.
Jesus declarou que o Deus que os homens do sinédrio serviam
era seu próprio Pai. E para não deixar dúvida alguma sobre sua
identidade, foi muito mais longe. Completou a resposta com
uma sentença que deixou seus inimigos atônitos, rangendo os
dentes, espumando de ódio. Vejamos.
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Revelando ser a pessoa mais
poderosa do universo
Imediatamente após declarar que era o filho de Deus, ele
revela seu status. Diz com toda autoridade e sem meias palavras
que tinha a mais alta posição do universo: “Entretanto, eu vos
declaroquedesdeagoravereisofilhodohomemassentado à direitado
TodoPoderoso, evindo sobreasnuvensdocéu” 28.
As principais traduções dessa frase carregam o mesmo
sentido, algo tão grande que beira os limites da linguagem.
Gostaria que antes de analisá-la, o leitor refletisse sobre ela.
O ilustre poeta Carlos Drumond de Andrade disse:
“Quanto mais se tem consciência do valor das palavras, mais se
fica consciente do emprego delas”. Se existiu uma pessoa
consciente do emprego das palavras, essa pessoa era Jesus. Era
econômico e preciso no falar. Tudo o que falava tinha a precisão
de um cirurgião. Seus pensamentos escondiam verdadeiros
tratados. Sabia exatamente o que falava e quais as implicações
de suas palavras.
Antes de analisar as reações dos homens do sinédrio,
vamos investigar as dimensões e implicações do seu pensamento.
Os fariseus o consideravam a maior heresia. Ele, ao invés de
acalmar os ânimos dos que o odiavam, derramou combustível
em sua ira.
Declarou que não era apenas o filho de Deus, mas que
todos os homens do sinédrio o veriam vindo sobre as nuvens
do céu. Que significa isto? Significa que, embora eles o matassem,
ele venceria a morte, estaria vivo e ativo, por isso o veriam vindo
sobre as nuvens do céu. O que significa vindo sobre as nuvens
do céu? Significa que, naquele momento, ele estava assentado
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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no banco dos réus, estava na condição de um simples carpinteiro,
um nazareno desprezado e humilhado, mas um dia viria na
posição inversa, viria com todo poder para julgar a humanidade,
inclusive os homens que o julgavam.
Sua intrigante afirmação não pára por aí. Ele teve a ousadia
de dizer algo que nunca ninguém teve a coragem e até a
inteligência de dizer. Disse que se assentaria na mais alta posição
do universo, uma posição impensável, inimaginável, exclusiva,
ou seja, à direita do Todo-Poderoso.
Algumas versões dos evangelhos traduzem “Todo-
Poderoso” como “o Poder”. Qualquer que seja a tradução, ela
atinge o limite da linguagem. Jesus não disse que estaria à direita
de um poder, mas “do Poder”, do poder máximo, sem limites,
imensurável. Não é possível usar outra expressão para definir
um ser tão grande.
Dizer que seu Pai é Todo-Poderoso significa que Ele pode
estar em todo tempo e em todos os lugares. Perscruta os eventos
e sabe de tudo antecipadamente. Faz tudo o que quer, quando
quer e do jeito que quer. Ele é tão grande que tem características
incompreensíveis à mente humana. O tempo, a morte, as
limitações não existem para Ele. Não se submete às leis da
física, pois todas as leis são obras de sua sabedoria. Nada é
impossível para Ele.
Diante de tal poder, podemos perguntar: Se Deus é Todo-
Poderoso por que não arranjou um plano menos angustiante
para que seu filho pudesse resgatar a humanidade? Se Ele é
ilimitado, por que não interveio no caldeirão de injustiças que
borbulhou em todas as gerações? Por que há guerras, fome,
misérias, morte de crianças? Essas perguntas tratam de um
tema de fundamental importância, que perturba todos os que
pensam. Confesso que durante anos fiquei perturbado tentando
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
garimpar algumas respostas. Esse tema será tratado nos últimos
textos deste livro. Neles abordarei o plano mais ambicioso da
história.
Do ponto de vista filosófico, não cabe mais do que um
Todo-Poderoso no universo, pois ao interpretar todas as
vertentes semânticas dessa palavra, chegaremos à conclusão de
que se houver mais do que um, eles limitariam um ao outro.
O carpinteiro de Nazaré indicou que não apenas venceria
a morte, mas que estaria assentado à direita de Deus. O mais
rejeitado dos homens disse aos membros do sinédrio que não
estaria nem um milímetro abaixo e nem um milímetro acima do
Todo-Poderoso, mas à sua direita. Jesus resgata aqui sua
divindade e revela seu status como “Deus filho”. Diz que tem a
mesma posição do Todo-Poderoso, portanto, imarcescível,
incriado, eterno. Por isso afirmou reiteradas vezes que ele e seu
Pai são um, possuem a mesma natureza.
O mestre da vida é envolvido numa colcha de mistérios.
Pesquisá-lo é uma grande aventura. Sua história vai ao encontro
da célebre frase: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do
que sonha nossa vã filosofia”*.
Chocando os homens do sinédrio
Os homens do sinédrio entenderam a mensagem de Jesus
e ficaram perplexos com suas palavras. Jamais poderiam
acreditar que estariam julgando e torturando o ser mais
importante do universo.
No momento em que os judeus ouviram sua resposta,
ficaram tão escandalizados que rasgaram as suas vestes. Tal
* Shakespeare, William
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atitude, típica da cultura judaica, era tomada toda vez que algo
muito grave, chocante e inadmissível acontecia. Não podiam
estar mais perplexos. Os homens do sinédrio estavam num
grande dilema: ou o consideravam a maior verdade do universo
ou a maior heresia já proclamada por um homem. Preferiram a
segunda opção.
Como poderiam crer num homem que se recusava a fazer
milagres em público? Se fizesse qualquer milagre, poderia mudar
o pensamento da cúpula judaica, mas o mestre dos mestres
não mudava os seus princípios. Jamais faria um milagre para se
promover.
O seu rosto já estava edemaciado, os traumas ainda
estavam doloridos, mas, desprezando a sua dor, revelou sua
identidade e escandalizou seus opositores. Que coragem é esta
que vai até às últimas conseqüências? Se ele tivesse se calado,
teria evitado mais uma sessão de tortura.
Muitas vezes, simulamos e disfarçamos nossas intenções.
Não creio que haja uma pessoa que não tenha mentido ou
simulado seus pensamentos e intenções diversas vezes na sua
vida. Tais reações derivam do medo de sofrermos conseqüências
por nossa honestidade. O mestre preferia ser maltratado
fisicamente a ser pela sua consciência.
Como pode alguém, que aparentemente estava derrotado,
se mostrar imbatível e se posicionar como senhor do universo?
Réu de morte
Caifás, como líder máximo dos judeus, foi o primeiro a
rasgar a sua veste. Após tal ato, bradou a plenos pulmões: “Ele
blasfemou” 29. Controlado pela raiva, perguntou aos membros
do sinédrio qual era o parecer deles. Responderam altissonantes:
“É réu de morte”.
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Os membros do sinédrio desejavam ardentemente eliminálo.
Suas palavras estavam contagiando todo o povo. Na sua
resposta, encontraram o motivo. Para a multidão que amava
Jesus nenhuma explicação era necessária para identificá-lo, mas
para os que o odiavam nenhuma explicação era possível.
Alguns escritores judeus da atualidade dizem que Jesus
era querido no meio da cúpula judaica.Não é verdade. Nutriam
por ele uma rejeição visceral. Por que tamanha rejeição? A
matemática é simples. Se cressem nele, teriam de mudar
completamente a maneira de ver a vida e reagir ao mundo. Teriam
de admitir que o Deus de Moisés e dos profetas, que foi
proclamado em verso e prosa nos Salmos, estava diante deles
na pessoa de seu filho. Teriam de abandonar sua arrogância e se
dobrar aos seus pés.
A segunda e dramática sessão de tortura
No momento em que os homens do sinédrio bradam que
Jesus era réu de morte, detonam o gatilho da agressividade,
uma fúria incontrolável se apodera dos soldados sob seu
comando. Eles se aglutinam em torno dele e começam a
esmurrá-lo, cuspir no seu rosto, esbofeteá-lo, chutá-lo.
Em minutos, multiplicam-se seus edemas e hematomas.
Seu rosto traumatizado desfigura-se ainda mais. O poeta da vida
está quase irreconhecível.
Foi uma noite de terror. E, como se não bastasse a
violência física, eles o torturaram psicologicamente. Cobriramlhe
o rosto e o esmurraram dizendo: “profetiza quem te feriu”30.
Faziam-no o centro de um espetáculo de deboche. Imensas
gargalhadas se ouviam no pátio da casa de Caifás. Todos
zombavam do “falso” filho de Deus. Quem suportaria tanta
humilhação?
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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Eis o grande paradoxo expresso na história de Jesus: “Em
nome de Deus os homens feriram a Deus, porque não
descobriram que Ele estava escondido na pele de um homem”.
Se tivéssemos o poder que o mestre da vida confessava
ter, o que faríamos com nossos carrascos? Certamente os
teríamos agredido com igual violência. Se o destino da
humanidade dependesse de nossa paciência, a humanidade seria
extinta. Foi um grande teste para Jesus. Ele nada fez.
Simplesmente suportou o insuportável.
Considerado uma escória humana
Um dia, um velho amigo chinês me contou uma história
emocionante que ocorreu há muitos séculos na China. Um
general chinês, que queria destituir o império, foi capturado pelo
exército do imperador. Este planejou usá-lo para que ninguém
mais se rebelasse contra o império. Pensou em colocá-lo diante
do povo para humilhá-lo publicamente.
O imperador tomou providências para que o general não
se suicidasse antes de dar a lição ao seu povo. O general ficou
sabendo da intenção do imperador e considerou a humilhação
pior do que a própria morte. Então, antes que começasse sua
tortura, começou silenciosamente a morder e triturar a sua língua.
Assim, ele começou a expelir grande volume de sangue pela
boca e, antes que fosse humilhado publicamente, morreu de
hemorragia.
A grande maioria de nós carrega nos recônditos da alma
algumas pessoas que nos feriram ao longo da vida, que de alguma
forma nos desprezaram. A dor da humilhação, ainda mais se
for diante dos outros, é quase inesquecível. Cala fundo na alma,
gera um sentimento de revolta.
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Jesus, mais do que qualquer homem, foi humilhado
publicamente. Teve quatro grandes sessões de tortura física e
psicológica. Sua humilhação não foi um simples desprezo, mas
um deboche no mais alto grau. Foi considerado uma escória
humana, alguém de quem as pessoas se envergonham e viram o
rosto. Entretanto, não desistiu da vida e nem se revoltou.
Simplesmente suportou.
Pouco tempo antes de ser preso, ele entrou em Jerusalém
sob o clamor das multidões. Estava no auge da fama. Porém,
ao entrar na cidade, chorou 31. Sua reação foi estranha e incomum
para alguém com altíssimo índice de popularidade. Todavia, não
se importava com a fama. Queria o coração dos homens. Chorou
pelos habitantes de Jerusalém. Chorou pela dor das pessoas,
pela distância que seus líderes estavam de Deus. Desejava que
eles se aproximassem dele e conhecessem o mais belo dos
caminhos, o caminho da paz.
As lágrimas que rolavam pelo rosto do mestre da vida
eram um testemunho vivo de que, apesar de ser contra as práticas
dos fariseus, ele os amava. Semanas mais tarde, ele foi preso.
Livre, chorou; preso, um outro líquido escorria pelo seu rosto.
O que é? São lágrimas? Não, estas já haviam sido derramadas.
São gotas de escarro. Que contraste! Os homens cuspiam em
seu rosto e um fluido viscoso escorria pela sua pele.
A análise psicológica desse ato revela que “cuspir” é
símbolo pleno da rejeição. Ao ser cuspido, o mestre dos mestres
foi rejeitado ao máximo.
Quando chorou, Jesus tinha muitos motivos. Os homens
que falavam de Deus não tinham os atributos de Deus, não
conheciam a compaixão, a misericórdia, o perdão. Se ele era
Deus, como pôde ser escarrado pelas suas criaturas sem nada
fazer? Qual a explicação? Não há explicação. O amor é
inexplicável.
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O topo da mansidão no topo da dor
Qualquer pesquisador da psicologia que analisar a
personalidade de Cristo ficará impressionado. Ele se comportava
como um homem, mas é humanamente impossível estar
tranqüilo onde só havia espaço para a ansiedade; estar sereno,
onde só cabia o pânico.
Ele não era controlado pelo medo. Seu comportamento
sereno e tranqüilo perturbava os que o odiavam e os levava à
loucura. Mesmo os homens de Pilatos aumentavam o grau de
tortura por não vê-lo reagir.
Jesus, certa vez, deu um ensinamento inusitado aos seus
discípulos. Disse que não temessem o homem, fosse quem
fosse, pois por mais violento, poderia, no máximo, tirar a vida
do corpo e, depois disso, nada mais poderia fazer. Completou
dizendo que reverenciassem o Criador, pois nas mãos dEle estava
o destino do corpo e da alma humana32. De fato, nada que os
homens pudessem fazer contra ele o abalava.
Somente isso explica por que, no topo da dor, o mestre
da vida expressava segurança e brandura. Há dois mil anos pisou
na terra um homem que atingiu o apogeu da saúde emocional.
Certa vez, o mestre da vida fez um convite que a psiquiatria
e a psicologia moderna jamais têm coragem de fazer. Disse:
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados,
e eu vos aliviarei... Aprendei de mim, porque sou manso e
humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas” 33.
O convite de Jesus nos deixa impressionados. Ele discutia
um assunto que estava se iniciando em sua época e se desenvolveu
ao longo dos séculos e nos tem afetado coletivamente na
atualidade. Antes de discorrer sobre sua proposta, vamos analisar
nossa qualidade de vida no terceiro milênio.
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Se um psiquiatra fizer este convite aos seus pacientes, ele
tem grande chance de estar tendo um surto psicótico. Os
psiquiatras também são vítimas da ansiedade. Também
hiperaceleram seus pensamentos, roubam energia do córtex
cerebral e ficam fatigados, cansados, ainda que não tenham feito
exercícios físicos que justifiquem a dimensão deste cansaço.
Tenho pesquisado uma nova síndrome psíquica, a SPA
ou síndrome do pensamento acelerado. O excesso de
bombardeamento de informações no mundo moderno e a
hiperexcitação da emoção através da indústria do
entretenimento, tais como TV, vídeo, internet, competições
esportivas e profissionais, têm gerado a síndrome SPA. O ponto
central desta síndrome é a dificuldade do “eu” em gerenciar o
processo de construção de pensamentos, o que se traduz por
produção exagerada e acelerada.
Os sintomas da síndrome SPA são: hiperprodução de
pensamentos, pensamento antecipatório, ruminação do
passado, ansiedade, dificuldade de ter prazer na rotina diária,
insatisfação existencial, a flutuação emocional, o sono
insuficiente, déficit de concentração e diversos sintomas
psicossomáticos, tais como cansaço físico exagerado, cefaléia,
alteração do apetite. A SPA é a síndrome do homem moderno.
Os que exercem um trabalho intelectual mais intenso estão
mais expostos a ela. Nem sempre ela é doentia, pois seus
sintomas não chegam a ser incapacitantes, mas ela pode
predispor o homem a ter ansiedade patológica, depressão,
síndrome do pânico, transtornos obsessivos, doenças
psicossomáticas.
Os juízes, advogados, os médicos, os psicólogos, os
executivos, os jornalistas e os professores têm freqüentemente
e, em diversos níveis de intensidade, a SPA. Eles não conseguem
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
103
desacelerar o pensamento e poupar energia física e psíquica.
Gastam mais do que repõem, por isso acordam fatigados.
Os professores de escolas primárias e secundárias de todo
o mundo têm enorme dificuldade para ensinar, manter o silêncio
em sala de aula e conquistar o respeito dos alunos, porque muitos
deles também são portadores desta síndrome. Os alunos de um
século atrás pensavam num ritmo bem mais lento do que os da
atualidade. Por serem insatisfeitos, ansiosos e com enorme
dificuldade de se colocar no lugar dos outros, a escola virou
uma prisão para eles. Os alunos e a escolas estão em mundos e
em ritmos diferentes.
Se o mestre de Nazaré já detectava que os homens de sua
época tinham uma péssima qualidade de vida, estavam cansados,
estressados e sobrecarregados, imagine como estamos no
terceiro milênio. A vida tem sido um espetáculo onde há mais
ansiedade do que tranqüilidade. Todos somos candidatos ao
stress.
Já ajudei diversos psicólogos e percebi claramente que
muitos sabem lidar com as dores dos outros, mas, como qualquer
ser humano, também têm grande dificuldade de gerenciar suas
emoções, principalmente nos focos de tensão. Os psiquiatras,
por tratarem das mazelas da alma, se psicoadaptam aos pequenos
estímulos prazerosos da rotina diária e, sorrateiramente, se
entristecem, perdem o brilho da juventude. Envelhecem
precocemente num lugar em que jamais deveriam envelhecer,
no território da emoção. Por isso muitos deles se deprimem.
Há muitos psiquiatras experientes, mas é raro encontrar
um psiquiatra com mais de quinze anos de profissão
contemplando o belo; alegre, solto, livre, vivendo cada dia como
um novo dia.
Os antidepressivos tratam da depressão, mas não
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
produzem prazer. Os ansiolíticos tratam da ansiedade, mas
não produzem a serenidade. Não sabemos como produzir um
homem alegre e tranqüilo. Mas há dois milênios apareceu um
homem que fez um convite único para a humanidade. Propunha
que os homens viessem a ele e aprendessem o que nenhuma
escola ensina: tranqüilidade, descanso emocional, um
pensamento desacelerado e lúcido, um prazer existencial estável.
O mundo conspirava contra ele, mas ele ainda caminhava
suavemente pela vida. Sabia antecipadamente sobre a violência
do seu martírio, mas para o nosso espanto, não vivia a síndrome
SPA. Tinha todos os motivos para ter insônia, mas dormia até
em ambientes em que todos estavam ansiosos, tal como no
episódio do mar agitado. O mestre dos mestres era
invariavelmente tranqüilo num ambiente turbulento; era alegre
em situações saturadas de conflitos.
Ninguém mais teve a ousadia e a eloqüência de proferir as
palavras que Jesus proferiu. Era possível observar com facilidade
os traços de um homem sereno e manso em seu julgamento.
Estava no topo da dor física e psicológica, mas se estivéssemos
presentes na cena, poderíamos contemplar um homem que
exalava calma no caos.
Que homem é este que governava seus pensamentos e
emoções num ambiente em que era quase impossível gerenciar
a inteligência? A psicologia e a psiquiatria só não se dobraram
aos seus pés porque não tiveram a iniciativa de investigá-lo.
Caminhando em direção à casa de Pilatos
Jesus saiu sangrando da casa de Caifás, estava quase sem
energia. Cambaleante, fez mais uma angustiante caminhada à
fortaleza Antônia, onde se encontrava Pilatos. Chegou a vez da
política romana julgá-lo.34
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
105
O sinédrio desejava que Pilatos o condenasse velozmente
e sem um julgamento formal e, ainda por cima, se
responsabilizasse pelo ônus da sua morte. Os líderes judeus
não queriam levar a culpa de cessar o fôlego do escultor da
alma humana.35
CondenadonaCasadeCaifáspeloSinédrio
OS HOMENS DO
IMPÉRIO ROMANO NA
HISTÓRIA DE CRISTO:
O PANO DE FUNDO
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
CAPÍ T U L O 6
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109
Os Homens do Império Romano na História de Cristo: O Pano de Fundo
ntes de comentar o julgamento de Cristo conduzido
pela política romana, gostaria de fazer uma síntese das
características da personalidade e da atuação política dos mais
importantes personagens do império romano que participaram
direta ou indiretamente de sua história.
Precisamos conhecer algumas áreas dos bastidores
políticos do maior império da história e usar este conhecimento
como pano de fundo para compreendermos o julgamento do
mestre dos mestres.
Herodes, o Grande
Herodes, o Grande, era o rei da Judéia e da Galiléia quando
Jesus nasceu. Foi ele quem, movido pela ambição e controlado
pelo medo, mandou assassinar o menino Jesus. Como não tinha
a identidade e a localização exata do menino, enviou soldados
para matar todas as crianças do sexo masculino abaixo de dois
A
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
110
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
anos na cidade de Belém. Cometeu, assim, uma das maiores
atrocidades da história. Executou tal ato quando estava velho.
Os anos não apaziguaram sua emoção.
Herodes, o Grande, era de família nominalmente israelita,
mas, na realidade, não era judeu.Era um edomita, pertencia a
outra nação. Teve um longo reinado. Reinou de 40 a.C. a 4.d.C.,
portanto cerca de 44 anos. Foi o fundador da última dinastia
judaica.
Era filho de Antipater. Este teve uma posição de grande
influência no governo de Hircano II, último rei judeu e sumo
sacerdote asmoneano. Antipater percebeu que o futuro da Judéia,
onde se encontra a cidade de Jerusalém, estaria nas mãos de
Roma. Astuciosamente ganhou a amizade do imperador Pompeu
e, depois da morte deste, de Júlio César. Auxiliou Júlio César
com homens e dinheiro em algumas de suas batalhas em 48
a.C. Este o recompensou, fazendo-o governador da Judéia,
Samaria e Galiléia, território sob o domínio nominal de Hircano.
Deste modo, a partir de Antipater, Israel deixou de ter o seu
próprio rei, algo inaceitável para o seu povo.
Após o assassinato de Júlio César em 44 a.C., Antipater
ganhou a confiança de Cássio, o líder do partido republicano, o
que lhe assegurava estabilidade em seu governo. Herodes, seu
filho, seguiu perseverantemente sua política. Habilidoso, sabia
que não podia confrontar-se com aqueles que estavam
dominando o mundo, por isso se aliou sucessivamente aos
imperadores Pompeu, Júlio César, Cássio, Antônio e, finalmente,
a Augusto. Aproveitando as oportunidades políticas após a
morte de seu pai, acabou, por fim, tornando-se um rei
confederado (rex socius) do império romano.
Pelo decreto do senado romano em 40 a.C., tornou-se rei
da Judéia. Em 37 a.C. casou-se com Mariana, neta do ex-rei
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
111
Hircano. Corajoso, apoderou-se de Jerusalém com auxílio de
duas legiões romanas. Herodes também era um político dotado
de paciência. Gastou nove anos para fortalecer sua posição até
tomar Jerusalém. Na ocasião, seu instinto sanguinário se revelou.
Mandou assassinar quarenta e cinco membros (maioria saduceus)
do sinédrio, e matou toda casa asmoneana, linhagem judaica
que governava a Judéia.
Apesar de violento, Herodes se mostrou um grande
construtor. Os quatorze anos seguintes empregou na construção
de edifícios públicos, incluindo o teatro de Jerusalém. Edificou
também novas cidades, a maior das quais era Cesaréia, em
homenagem ao imperador. Sua maior obra foi a reedificação
do templo. Entretanto, a águia de ouro, símbolo da supremacia
romana, que ele colocou em cima da entrada principal do templo,
foi para o povo judeu uma lembrança amarga e constante da
servidão imposta por Roma.
Herodes teve um reino material privilegiado. Desfrutou
de relativa tranqüilidade política. Protegeu o comércio e a
agricultura e apresentava socorro social em situações de
calamidade. Entretanto, seus feitos não foram valorizados devido
à arrogância e às violações dos direitos humanos. Como acontece
com todos os homens agressivos que dominam seu povo com
mão de ferro, sua vida estava freqüentemente ameaçada por
conspirações. Porém, esmagava e torturava seus inimigos. Não
poupou nem sua amada esposa, Mariana.
Tinha várias mulheres, mas seu coração era de Mariana,
uma judia. Amava-a intensamente*. Porém, Mariana rejeitava-o
por ter matado muitos membros de sua família. Toda vez que
Herodes chegava fatigado das longas batalhas, procurava o
Os Homens do Império Romano na História de Cristo: O Pano de Fundo
* Josefo, Flávio, História dos Hebreus, Editora CPAD, Rio de Janeiro, 1990.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
112
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
amor e carinho da esposa. Todavia, encontrava uma esposa
deprimida, que pouco se importava com seu poder e glória.
Mariana era rejeitada por membros da família do rei. Certo
dia, influenciado por falsas denúncias produzidas por seus
parentes, o poderoso Herodes mais uma vez expressou ser
pequeno de alma. Era diferente de Jesus, que aceitava ser
abandonado, negado e traído sem nada cobrar de ninguém.
Mandou assassinar a sua amada por suspeitar que ela conspirara
contra ele. Herodes, conhecido como “o Grande”, era infantil
na capacidade de compreensão da dor humana.
Ao matar quem tanto amava, sua vida se converteu em
tormento; sua glória, em maldição. Vivia para o poder e não viu
mais dias felizes. A ambição transformara o poder num cárcere.
Posteriormente, em 7 a.C., Herodes vai ainda mais longe
em sua agressividade. Influenciado por um dos seus filhos
gerados de outra mulher, manda matar os dois filhos que tinha
com Mariana, Alexandre e Aristóbulo. O motivo era novamente
uma falsa conspiração. Herodes era um rei tão frio e inumano
que Augusto, o grande imperador romano, chegou a expressar
que preferia ser “um dos seus suínos a ser um dos seus filhos”.
Herodes não tinha descanso fora nem dentro de si. Houve,
de fato, um filho que conspirou contra ele. Na reunião de
julgamento, este filho derramou lágrimas e implorou a
compaixão do pai, mas ele não o perdoou. Mandou assassinálo.
Jesus, apesar de expressar que era o senhor do mundo,
não apenas valorizava os sentimentos ocultos das pessoas mais
simples, mas era capaz de ser dócil até com seus torturadores.
Fez da compreensão uma arte e do perdão uma poesia.
Conseguia perdoar homens indesculpáveis36.
Para o mestre de Nazaré, a vida de cada ser humano não
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
113
tinha preço; para o rei da Judéia e da Galiléia, não valia quase
nada. Herodes queria o poder; Jesus, o coração humano. Herodes
se colocava como deus e fazia dos homens joguete de seus
caprichos, Jesus se colocava como um simples carpinteiro, um
escultor da alma, capaz de fazê-la reencontrar o sentido da vida.
Foi neste cenário, no final de sua vida, que apareceram
alguns magos do oriente em Jerusalém trazendo uma notícia
incomum: o nascimento de um menino especial, destinado a
ser rei. A notícia se espalhou como relâmpago entre os homens
da cidade e chegou até aos ouvidos do ambicioso Herodes.
Convocados à sua presença, os magos relataram uma visão
impressionante. Viram uma estrela brilhante, diferente de todas
as outras, que indicava o nobre nascimento.
Herodes, embora debilitado fisicamente, ficou assombrado
com a notícia. O que se poderia esperar de um homem que
assassinou sua esposa e alguns de seus filhos? Novamente sentiu
seu reino ameaçado. A velhice não lhe trouxe sabedoria. O medo
invadiu-lhe os porões da alma.
Demonstrando uma falsa reverência, pediu aos magos que,
após encontrarem o menino-rei, viessem notificá-lo para que
também pudesse adorá-lo. Quem ama o poder acima da sua
consciência cultiva a política com mentiras. Herodes mentiu
para esses magos, pois jamais admitiria outro rei em seu reino.
Após certo tempo, os magos não apareceram. O rei,
sentido-se traído, mais uma vez se embriagou de cólera. Apesar
de abatido por doenças e pela idade, mandou, como disse,
assassinar todas as crianças menores de dois anos. Crianças que
mal balbuciavam as primeiras palavras e davam seus primeiros
passos nessa sinuosa existência foram tolhidas no direito à vida.
Sangrando crianças e dilacerando o coração de suas mães,
Herodes mostrou que homens de sua estirpe nunca estiveram
Os Homens do Império Romano na História de Cristo: O Pano de Fundo
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
114
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
preparados para governar nem para amar. Herodes queria matar
quem não conhecia. Não sabia os segredos que estavam ocultos
naquelas pequenas crianças. O menino Jesus ao invés de brincar,
teve de fugir. Desse modo, não teve o direito à infância, mal
dava os primeiros passos e já sentia na pele a agressividade
humana.
O calendário usado em praticamente todo o mundo
estabelece o nascimento de Cristo como marco para a divisão
da história. Todavia houve alguns erros de cálculo. Ele nasceu
em torno de 5 a 4a.C. e não no início da era cristã.
Pouco tempo depois de assassinar as crianças, Herodes, o
Grande, adoece mortalmente. A história diz que ele começa a
apodrecer por dentro. É comido por vermes. Tem dores
horríveis e nada o alivia. Foi deste modo que seus olhos se
fecharam.
Quando morreu, seu reino foi dividido entre seus filhos:
Arquelau (Judéia e Samaria), Herodes Antipas (Galiléia e Peréia),
Felipe (parte da Palestina).
Arquelau aprendeu a violar os direitos humanos como
seu pai. Foi um governador violento. Além disso, aos olhos de
Roma foi considerado ineficaz. Em 6 d.C. foi banido para a
Gália por César Augusto.
Herodes Antipas
Herodes Antipas, filho do rei Herodes, o Grande,
permaneceu governando a Galiléia até a vida adulta de Jesus.
Ele participou do seu julgamento e foi ele quem mandou matar
João Batista.
Estudaremos em um capítulo à parte a ação deste homem
na história do mestre da vida. Ficaremos impressionados com
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
115
o paralelo entre Herodes Pai (o Grande) e Herodes filho
(Antipas).
Tibério César- imperador
Tibério não teve uma participação direta nos sofrimentos
de Cristo. Mas este viveu boa parte da sua infância e vida adulta
quando o mundo era dominado por Tibério. Portanto,
indiretamente, as ações de Tibério se refletiram na história de
Jesus e em seu julgamento, principalmente através do governador
que ele designara para a Judéia, Pilatos.
A Efígie de Tibério estava estampada no denário, moeda
romana paga pelo trabalho de um dia. Usando a imagem
estampada nesta moeda, Jesus confundiu a inteligência dos seus
acusadores, dizendo: “Dai a César (Tibério) o que é de César e a
Deus o que é de Deus”37.
Tibério era um imperador tirano. Não foi complacente
nem com os senadores romanos. Mandou matar muitos deles.
Seu filho Druso, que o substituiria no trono, morreu. Queria,
então, que o filho de Druso, Tibério neto, assumisse o império
depois da sua morte.Contudo, não desejava desprezar seu
sobrinho Caio Calígula. Almejava dar-lhe uma oportunidade
para assumir o trono, embora essa não fosse sua preferência
pessoal.
Como era muito supersticioso, certa noite consultou os
deuses de Roma e disse para si mesmo que aquele (Caio ou
Tibério neto) que aparecesse primeiro pela manhã no palácio e
o cumprimentasse seria este o que os deuses queriam que o
substituísse. Todavia, deu um jeito para que a vontade dos
deuses fosse idêntica à sua. Pediu para que alguns guardas
Os Homens do Império Romano na História de Cristo: O Pano de Fundo
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
116
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
procurassem seu neto e o introduzissem primeiro no palácio.
Entretanto, o neto, envolvido em festas noturnas, não foi
encontrado. Então, Caio, sem o saber, apareceu primeiro. Deste
modo, tornou-se César.
Antes de Caio se tornar imperador, Tibério fez-lhe um
grande apelo. Recomendou-lhe que nunca esquecesse o favor
que lhe fizera permitindo que ele o substituísse no trono.
Suplicou-lhe que preservasse a vida de Tibério neto, que jamais
lhe fizesse mal. Caio Calígula prometeu, mas esqueceu-se da
promessa.
Pouco tempo depois de assumir o império, o dócil e frágil
Caio revelou sua face inumana. O poder o embriagou. Por temer
que o jovem Tibério neto se tornasse uma ameaça ao seu poder,
pressionou-o para que ele mesmo se matasse na frente do
próprio Caio e de outras pessoas. O jovem Tibério, sabendo
que morreria, se imolou. Cometeu um falso suicídio*
Caio foi um imperador algoz, um carrasco da mais alta
violência. Sua agressividade chegava a patamares tão altos que
não apenas mandava matar seus inimigos, mas também seus
próprios amigos. Não poucos senadores romanos foram mortos
por ele. Por fim, não se contentou em ser imperador. Como
disse no primeiro livro desta coleção “O Mestre dos Mestres”,
ele chegou ao extremo de querer ser adorado como Deus.
Seu reinado durou pouco, cerca de três anos e meio.
Calígula era tão intragável que foi assassinado pelo chefe de sua
própria guarda, com a conivência de muitos senadores do
império.
Nunca houve um império tão grande e que subsistisse
por tantos séculos como o império romano. Ele era grande em
* Josefo Flávio, História dos Hebreus, Editora CPAD, Rio de Janeiro, 1990.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
117
poder, mas também grande em corrupção e violência. A
corrupção é um vírus que infecta o poder. Nunca morre, apenas
fica latente. Os governos que não o combatem morrem por
dentro.
Pôncio Pilatos
Depois que Arquelau, filho do rei Herodes, foi exilado
para a Gália em 6 d.C., a dinastia herodiana se extinguiu na
Judéia e Samaria. Roma deixou de nomear os filhos de Herodes
e passou a estabelecer procuradores que governavam estas
regiões sob sua influência direta. Pilatos foi o quinto dos sete
procuradores romanos que de 6 a 41 d.C. governaram a Judéia
e Samaria. Pilatos governou a Judéia por nove a dez anos.
Muitos pensam que Pilatos era um homem justo. Usam
seu famoso gesto do “lavar as mãos” como se este fosse uma
reflexão de justiça. Entretanto, nem o gesto de Pilatos nem a
sua história expressam justiça, mas desumanismo.
O historiador judeu Filo cita uma carta do rei Agripa I,
na qual Pilatos é apontado como “um homem inflexível e de
caráter irrefletidamente severo... Sua administração era cheia de
corrupção, violência, furtos, maus tratos para com o povo judeu,
injúrias, execuções intermináveis sem a forma sequer de
julgamento, e intoleráveis crueldades”.
O massacre mencionado no registro de Lucas 13 é uma
prova da crueldade deste homem38. Na ocasião, alguns galileus
foram mortos por soldados de Pilatos enquanto estavam
provavelmente oferecendo sacrifícios no templo. O sangue deles
foi misturado com o sangue de seu sacrifício
Pilatos era tão arrogante que freqüentemente feria os
sentimentos de liberdade religiosa do povo judeu. Liberdade
Os Homens do Império Romano na História de Cristo: O Pano de Fundo
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
118
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
que era patrocinada pelo império romano, sendo tal patrocínio
um dos segredos da sua estabilidade. Pilatos desprezava e
provocava a cúpula judaica. Estudaremos que ele, no julgamento
de Jesus, o usava para desafiar os homens do sinédrio, dizendo:
“eis o vosso rei” 39.
Israel nunca aceitou o domínio de Roma, por isso fazia
constantes rebeliões contra o império. Todos os governantes
tinham medo de uma revolta do povo judeu, mas Pilatos não
se importava com eles. Massacrava as revoltas.
Só havia um homem que Pilatos temia, o imperador
Tibério. Tibério era considerado o senhor do mundo. Pilatos
tinha medo de que o imperador pudesse destituí-lo do seu poder.
Seu governo despótico e violento amotinou de tal forma os
judeus que Vitélio, governador da Síria, enviou mensagem a
Tibério para dar conta dos seus feitos. Logo após a morte do
Imperador, seu governo acabou repentinamente. A história
diz que Pilatos, em seguida, suicidou-se.
O JULGAMENTO PELO
IMPÉRIO ROMANO
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
CAPÍ T U L O 7
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
121
OJulgamentopeloImpérioRomano
s leis romanas representavam a mais bela cultura
jurídica e o mais belo solo dos direitos humanos da Antiguidade.
Elas influenciariam decisivamente o direito moderno. Todavia,
não poucos líderes do império distorceram as leis e corromperam
o direito.
Devemos nos perguntar: Jesus teve um julgamento justo?
As leis romanas garantiram seus direitos fundamentais? Pilatos
respeitou a norma da lei ou esfacelou-a? Precisamos
compreender por que o julgamento do mais inocente dos
homens se converteu em pena máxima e por que durante o seu
processo ele foi afligido.
As três acusações dos judeus
Os judeus foram apressados a Pilatos. Precisavam
convencê-lo a executar Jesus antes que a população organizasse
uma revolta. Atropelar a consciência do governador da Judéia e
fazê-lo satisfazer o desejo do sinédrio não seria uma tarefa fácil.
A
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
122
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Lucas registra que Herodes Antipas, o filho do Rei
Herodes, sabia que Jesus era famosíssimo e, por isso, desejava
conhecê-lo. Pilatos certamente também sabia da fama de Jesus.
Tal tese fica demonstrada pelo seu rápido convencimento de
que o mestre era inocente. Estava convicto de que ele não
oferecia risco para a estabilidade do Estado.
Os judeus fizeram três graves acusações para Pilatos sobre
Jesus. Primeira, acusaram-no de agitar a nação. Segunda, de vedar
pagar tributo a César. Terceira, de se fazer rei. As três acusações
eram bem sérias, mas falsas.
Primeira acusação: agitar a nação
Jesus magnetizava as pessoas. Seu poder de comunicação
era fascinante. Os homens ficavam extasiados ao ouvir suas
palavras e pasmados com a grandeza dos seus gestos. Um
carpinteiro causou uma grande revolução em suas vidas. O
homem comum foi levado por ele aos degraus mais nobres da
dignidade.
O mestre da vida deu profundas lições aos homens.
Despertou o ânimo e o sentido da vida deles. Ensinou-os a
amar a verdade e a ser fiéis à sua consciência. Lapidou suas
inteligências, os conduziu a pensar antes de reagir e não impor
as idéias, mas expor com sabedoria e sem coações. Vacinou-os
contra a competição predatória, o individualismo e a
agressividade. Conduziu-os a pensar na brevidade da vida e a
buscar metas que transcendem o tempo.
Com seus discursos ímpares, o mestre arrebatava as
multidões, mas não tumultuava a sociedade. Acusá-lo de agitar
e estimular a destrutividade era totalmente falso. Na realidade,
ele equilibrava e dava estabilidade à sociedade. Propiciava
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
123
condições para que as relações sociais fossem reguladas pela
solidariedade, justiça e com os mais nobres sentimentos.
Não agitava a nação, mas balançava o coração dos homens.
Dizia que era a luz do mundo40. De fato, brilhava onde a luz do
sol nunca penetrara. Embrenhava-se pelas frestas da alma,
iluminava os becos da emoção, lançava fora todo temor e irrigava
de esperança os abatidos. As multidões afluíam para ver o fulgor
do mestre. Era impossível ocultá-lo.
Certa vez, um jovem morava num porão escuro. Sentiase
inseguro e amedrontado no breu. Queria de todos os modos
colocar uma lâmpada neste porão. Após ganhar dinheiro,
contratou um eletricista e satisfez seu desejo. Eis que naquela
noite não dormiu, a luz o incomodou.Por quê? Porque iluminou
o ambiente e revelou teias de aranhas, baratas e imundícias.
Somente depois de fazer uma boa faxina, ficou tranqüilo e
adormeceu.
Os fariseus viviam na obscuridade. Como não admitiam
nem desejavam fazer uma faxina em suas almas, a luz do mestre
os incomodava. Em que solução pensaram? Preferiram destruir
a luz a ser iluminado por ela.
Segunda acusação: vedar
pagar tributo a César
A máquina do império romano era caríssima. As
mordomias do imperador e dos senadores, bem como os salários
dos exércitos de dezenas de milhares dependiam dos impostos
do mundo dominado para ser sustentados. O império inchou,
para sobreviver precisava ser grande.
OJulgamentopeloImpérioRomano
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
124
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Jesus não vedava pagar tributo a César. No livro “O Mestre
da Sensibilidade”*, comentei este assunto. Ele não queria
extinguir o governo político nem sua sobrevivência através dos
impostos. Discorria sobre um outro reino, um reino eterno,
onde não havia injustiça, lágrimas, dores e morte. As pessoas
deveriam dar a César o que é de César e a Deus o que é de
Deus41.
Em sua convicta opinião, o homem deveria procurar em
primeiro lugar o reino de Deus. Deveria perceber que a vida
humana, embora seja bela, se evapora como uma gota de água
no calor do dia. A consciência da brevidade da vida deveria
colocar colírios em seus olhos e fazê-lo enxergar um mundo
que ultrapassa a esfera material, além dos limites físicos.
O mestre da vida não queria que o homem deixasse de ser
ambicioso, mas ambicionasse acumular um tesouro que a traça
não corrói e nem os ladrões roubam. O tributo pago a César
dependia do suor do trabalho. O tributo pago a Deus não
dependia do dinheiro, bastava um coração simples e disposto a
amar.
Terceira acusação: fazer -se rei
O mestre de Nazaré não queria se fazer rei, embora tivesse
todos os atributos para ser o mais brilhante rei. Era lúcido,
sábio, perspicaz, eloqüente, justo, amável, afável, sereno,
equilibrado, mas não queria o trono político.
As pessoas queriam fazê-lo rei, mas ele rejeitou esta
proposta. Nem mesmo o trono do imperador romano o seduzia.
Indicava que nem o trono nos céus, uma dimensão
incompreensível ao pensamento humano, o satisfazia.
* Cury, Augusto J., Análise da Inteligência de Cristo- O Mestre da Sensibilidade, Academia de Inteligência,
São Paulo, 2000.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
125
O mundo ficava embasbacado com seu poder. As pessoas
ficavam paralisadas com os seus discursos. Tinha o que todo
político sonhava, mas nem o auge da fama o animava. Queria
ser rei no único lugar em que não reinava: no coração humano.
Preferia o amor de pessoas simples ao ribombar dos aplausos
da multidão.
A cúpula judaica pressiona Pilatos
As acusações feitas pelos judeus eram sérias. A pena de
morte dos judeus era por apedrejamento42. A crucificação era
uma prática fenícia, que depois foi adotada pelos gregos e
posteriormente incorporada pelo império romano. Roma só
crucificava escravos e criminosos atrozes.
Cristo por quatro vezes havia predito que seria crucificado.
A quarta e última vez foi predita pouco tempo antes de morrer,
alguns dias antes da páscoa judia43. O carpinteiro de Nazaré
sabia que não morreria apedrejado. É incomum alguém prever
a maneira pela qual sua vida será extirpada e mais incomum
ainda é ver alguém, tal como Jesus, dirigir seu próprio julgamento
com gestos, palavras e momentos de silêncio.
A morte por apedrejamento é rápida, enquanto a por
crucificação é lenta e angustiante. Esquivou-se do apedrejamento,
pois queria morrer como o mais vil dos homens. Almejava passar
em todos os testes de suplício. A história de Jesus é saturada de
enigmas. Nós diariamente nos desviamos da dor; ele, mostrando
uma emoção inabalável, foi ao encontro dela.
A liderança judia ponderou nas conseqüências sociais de
apedrejar o mais amável e admirado dos homens de Israel.
Arquitetaram, então, usar a política romana para executar a
OJulgamentopeloImpérioRomano
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
126
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
intenção escusa. Decidiram que Roma condenaria aquele que
ela considerava o mais insolente blasfemador.
Livres da responsabilidade da morte de Jesus, os fariseus,
os escribas e os sacerdotes manipularam o povo, levaram-no a
desprezá-lo e a vê-lo como um agitador político. Assim, essa
brilhante nação não o investigou detalhadamente até hoje. Quem
sabe este livro propicie condições para que alguns judeus
investiguem a história do mestre dos mestres.
A estabilidade do império romano
era devido à tolerância
Um dos motivos da fragilidade dos regimes socialistas foi
a falta de tolerância e respeito pela cultura e práticas religiosas.
As democracias capitalistas têm inúmeras doenças, mas um dos
segredos de sua razoável estabilidade é a existência de um bom
sistema circulatório de liberdade de expressão e de pensamento.
É possível aprisionar os corpos e algemar as mãos, mas não é
possível encarcerar os pensamentos.
Ao tentar aprisionar o pensamento das pessoas, os regimes
ditatoriais construíram uma poderosa arma contra si mesmo.
Até nas doenças psíquicas o encarceramento do pensamento
explode de ansiedade e se volta contra o corpo como inúmeros
sintomas psicossomáticos.
Roma devia ter cerca de 750 anos (anno urbis) de fundação
quando nasceu Jesus. No início era um povoado tímido, mas
com o passar do tempo, Roma se desenvolveu e se tornou um
vasto império, que durou muitos séculos. Antes de muitas
sociedades modernas, ela descobriu que sua sobrevivência como
império só poderia ter razoável estabilidade se respeitasse a
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
127
cultura e as práticas religiosas. Portanto, não havia sentido a
cúpula judaica conduzir o mestre de Nazaré a Pilatos, pois o
conflito existente era uma questão cultural, espiritual, de
liberdade de consciência. Portanto, não competia a Roma julgar
tais assuntos.
Pilatos sabia disto, por isso não queria julgar o caso. O
governador tinha consciência de que os judeus o estavam
entregando por inveja44. Na primeira parte do julgamento,
interrogou Jesus por duas vezes.
Na primeira vez que o entrevistou, não conseguia achar
crime algum passível de morte. Por isso insistia em que o sinédrio
o julgasse segundo a lei dos judeus. Perspicazes, eles se
esquivaram, dizendo que não lhes era lícito matar alguém.
Temiam uma convulsão social.
O réu interrogando Pilatos
Como os judeus não queriam sujar suas mãos, Pilatos
retorna ao pretório, à sala de julgamento e pergunta a Jesus se
ele era o rei dos judeus. Jesus, para espanto de Pilatos, começa a
interrogá-lo, perguntando de quem partia aquela pergunta. Com
a mesma ousadia com que interrogou Anás, o mestre interroga
o governador da Judéia.
O mestre da vida estava estimulando Pilatos a pensar.
Queria que ele saísse do clima de tensão, fizesse um julgamento
isento de ânimo, fora da influência da cúpula judaica. Mas o
governador não entendeu. Estava dominado pelo clima tenso e
respondeu asperamente a Jesus dizendo que ele não era judeu.
Disse pejorativamente que “a tua própria gente” é que o estava
entregando para ser julgado.
OJulgamentopeloImpérioRomano
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
128
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Uma resposta perturbadora
Diante da arrogância de Pilatos, Jesus entra em cena e diz
algumas palavras que abalam os alicerces deste ríspido
governador. Fala que o seu reino não era deste mundo e que se
fosse deste mundo os seus ministros empenhar-se-iam para que
ele não fosse entregue aos judeus.
Pilatos entendeu a mensagem intrigante. Por isso, emenda
em seguida: “Logo, tu és rei” 45. Ao que Jesus responde: “eu para
isso nasci e para isso vim ao mundo”. O governador não podia
acreditar no que estava ouvindo.
As implicações das palavras de Jesus beiram ao
inimaginável. Ele diz que seu reino não é deste mundo. Infere
que há um outro mundo. A ciência só consegue perceber e
estudar os fenômenos físicos de um mundo material, ainda que
estes fenômenos aconteçam em galáxias distantes, a bilhões de
anos luz. Entretanto, Jesus declara que há um mundo além dos
fenômenos físicos, um mundo tão real que possui um reino.
Neste reino, ele é rei.
Embora rei de um outro mundo ele disse textualmente
que nasceu para ser rei, não um rei político, mas, como disse,
do interior do homem. Não queria subjugar e dominar o homem,
mas mesclar-se com sua alma e ensiná-lo a viver. Como pode
um homem ferido, que mal se agüentava de pé, dizer que nasceu
para ser um grande rei?
Jesus declara sem meias palavras que seu nascimento foi
diferente de todos os outros nascimentos. Foi direcionado e
previamente planejado. Planejado por quem? Não por Maria e
José. Seus pais eram muito simples, embora especiais por dentro.
Foi planejado pelo Autor da vida. Tinha uma missão especial.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
129
Mas diferente de todo filho de um rei rejeitou o conforto de um
palácio e as iguarias dos príncipes.
Pilatos ficou perturbadíssimo ao ouvi-lo. Pilatos não era
rei, apenas um governador preposto, mas um simples carpinteiro
estava à sua frente dizendo que era rei de um outro mundo e
que nasceu com um propósito incompreensível à sua mente.
Quem estava diante do governador, um réu sangrando ou o
herdeiro do mais poderoso trono?
O menino e o adulto
Herodes, o Grande, queria matar o menino Jesus, porque
soubera que ele nascera para ser rei. Todavia, o menino cresceu
em estatura e sabedoria. Todos queriam estar ao seu lado.
Sua inteligência superou a de todos os homens. Sua didática
como contador de história, estimulador da arte da dúvida e da
arte de pensar superou a de Piaget e a de todos os
educadores.Seu poder suplantou o dos imperadores, sua
amabilidade e preocupação com o bem estar dos outros superou
a todos os homens que defendem os direitos humanos. Portanto,
ele tinha tudo para ser o maior rei da terra. Teve a mais bela
humanidade.
O adulto Jesus não inspirava qualquer temor em Pilatos,
mas o menino Jesus colocou Herodes em pânico. Quando algo
desconhecido bate à porta da alma, o primeiro a atender é a
imaginação. Herodes, o Grande, imaginou o menino crescendo
e destruindo seu reino. Pilatos, apesar de sanguinário, por
conhecer o homem Jesus, o admirava e queria soltá-lo. Que
contraste!
Quem sempre dá flor contamina-se com seu perfume.
Pilatos, embora fosse um político injusto, aspirou um pouco o
perfume do inusitado réu, daquele que só sabia dar flores.
OJulgamentopeloImpérioRomano
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
130
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Após dizer que nasceu para ser rei, ele continua dizendo
que veio para dar testemunho da verdade. Com tais palavras
deixou mais confuso o governador da Judéia. Inferiu que entrou
no mundo físico não para fundar uma corrente de pensamento,
mas para dar testemunho da verdade. E, com a maior segurança,
completadizendo: “Todoaqueleque é daverdadeouveaminhavoz” 46.
A mente de Pilatos travou. É a primeira vez que um réu o
deixa sem palavras. Só conseguiu balbuciar:“O que é a verdade?”.
Não espera a resposta de Jesus, fica tão perturbado que sai
imediatamente de cena. Vai mais uma vez aos homens do
sinédrio intercedendo para soltá-lo.
A pergunta de Pilatos sobre “o que é a verdade” não era
uma pergunta filosófica, que indaga a natureza, limites e alcance
da verdade. Era fruto de sua ansiedade. Pilatos disse qualquer
coisa para disfarçar o quanto não compreendia o assunto
discorrido por Jesus. Jesus estava livre; Pilatos, controlado pela
sua ansiedade. O mestre dos mestres, embora ferido, conseguia
reinar sobre a insegurança do governador da Judéia.
Testemunho da verdade
Jesus disse que veio dar testemunho da verdade. Cada frase
que proferiu tinha grande significado. Que verdade ele veio
testemunhar? Não é a verdade lógica que a ciência procura
incansavelmente e não encontra, pois esta é mutável, evolui com
a expansão do conhecimento.
Referia-se à verdade essencial, à verdade relacionada ao
Autor da existência. É a verdade geradora, a fonte da criação,
que era capaz de multiplicar pães, curar os leprosos, restaurar a
vista aos cegos; a verdade que entra na esfera da fé, uma esfera
onde a ciência se cala. Esta verdade, incompreensível para a
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
131
mente humana, é a fonte primeira, o princípio da vida e da
existência.
Certa vez, Jesus agradeceu calorosamente seu Pai dizendo
que ele ocultou seus mistérios aos sábios e instruídos e se agradou
em revelar-se aos pequeninos. Esta palavra indica que Deus é
uma pessoa dotada de vontade e de preferências. Ele se agrada
ou se aborrece com determinadas características da
personalidade humana. Rejeita o orgulho e a auto-suficiência,
mas agrada-se da singeleza e humildade. Para o mestre, tais
características são nobilíssimas. Não são expressão do
coitadismo nem da auto-piedade, mas de uma disposição
incansável e vibrante de aprender.
Agradou ao Pai revelar-se aos pequeninos. Ser pequenino
não quer dizer ser pobre financeiramente nem inculto
intelectualmente, mas ser pequeno para perceber e ser ensinado
por aquele que é grande, o mestre da vida. Alguns são cultos ou
ricos, mas são simples na maneira de ver a vida. Outros são
incultos, mas podem ser arrogantes e impenetráveis.
Temos de tomar cuidado com nossa postura diante da
vida. Quem é incapaz de questionar as suas verdades não tem
mais nada para aprender. O seu conhecimento se transformou
num cárcere.
O mestre da vida só conseguia ensinar as pessoas que não
estavam entulhadas com velhos conhecimentos, preconceitos
cristalizados e verdades absolutas. Os membros do sinédrio,
por se julgarem especialistas em Deus, não tinham mais nada
para aprender. Ao olhar para o nazareno, não conseguiam
enxergar nada além de um carpinteiro pretensioso e maltrapilho.
OJulgamentopeloImpérioRomano
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
132
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Enviado a Herodes Antipas
Ao ameaçar soltá-lo, Pilatos sofreu grande pressão da
cúpula judaica. A situação estava insustentável. Então, ao saber
que Jesus era da Galiléia, e sabendo que o governador da Galiléia,
Herodes Antipas, estava justamente naqueles dias em Jerusalém,
resolveu enviá-lo a ele.
A decisão de Pilatos de enviar Jesus a Herodes era movida
por dois motivos: a- Incapacidade de se safar da pressão dos
judeus e tomar a decisão no julgamento de Jesus de acordo
com sua consciência; b- Agradar Herodes e resolver suas
pendências políticas usando o famoso réu.
De manhã bem cedo, o réu fez mais uma humilhante
caminhada a outra autoridade romana. Alguns o viram passar
escoltado e ferido. Não dava para reconhecê-lo direito. Ansiosos,
duvidaram da cena que viram e talvez a si mesmos se
perguntaram: “É possível que o prisioneiro seja aquele que abalou
nossos corações e nos animou a viver?”
DOIS HERODES
VIOLENTANDO JESUS
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
CAPÍ T U L O 8
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
135
Dois Herodes Violentando Jesus
O pai e o filho
Quando Herodes recebeu Jesus ficou extasiado. Sabia de
sua fama. Os seus feitos inimagináveis tinham chegado aos seus
ouvidos. Todavia, nunca vira o mestre, pois este não parara em
lugar nenhum. Ia de cidade em cidade, discursando sobre os
mistérios da vida.
Imaginem a cena. Na vida de Jesus passaram dois Herodes,
o pai, chamado de “o Grande”, e o filho chamado de Antipas.
O pai queria matá-lo e o filho vai agora julgá-lo. O pai o perseguiu
fisicamente e o filho iria torturá-lo psicologicamente. O pai o
considerou uma ameaça e o filho, um falso rei.
Herodes, o Grande, não conseguiu matá-lo, mas Herodes
Antipas conseguiu matar João Batista, o seu precursor. Pelo
capricho de uma mulher, Antipas mandou matar
impiedosamente o apresentador de Jesus, a voz que clamava no
deserto e endireitava as veredas dos homens para que eles
pudessem receber o filho do Altíssimo.
Herodes Antipas, ao mandar decapitar João Batista,
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
136
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
mostrou sua face violenta. Ele, certa vez, disse arrogantemente
que se tinha mandado matar João Batista, certamente abateria
o nazareno.
Herodes Antipas admirava João Batista, mas, por fim, o
matou. Pilatos também admirava Jesus, mas o crucificou. Isso
indica que, em política, a consciência, que é o leme da inteligência,
é esmagada por interesses escusos.
A vida humana valia pouco nas mãos destes homens. Para
eles, o ser humano, principalmente o de baixa posição social,
não tinha história: não chorava, sonhava, inspirava e nem possuía
o espetáculo dos pensamentos e das emoções. Parecia que não
pertenciam à mesma espécie.
Na realidade, todo ser humano possui um mundo a ser
descoberto. A pessoa mais insignificante socialmente possui uma
brilhante história. Só não enxergam isso aqueles que vêem o
mundo com seus olhos apenas.
Uma paciência ilimitada
Jesus sabia que Herodes, o Grande, tinha mandado matálo
quando criança. O que era pior, tinha consciência de que ele
sacrificou inúmeras crianças inocentes para tentar assassiná-lo.
Sabia ainda que Herodes Antipas também tinha matado um
grande amigo seu, aquele que o apresentara ao mundo. Era por
este homem que Jesus estava sendo julgado.
Os judeus estiveram na presença de Herodes e acusavam
Jesus de sedição, de conspirar contra o império47. Queriam que
ele tomasse a atitude que Pilatos não tomou. Mas o governador
da Galiléia, por ter ouvido sobre os feitos sobrenaturais de Jesus,
estava desejoso de vê-lo fazer um de seus milagres. Queria ver
um show. Assim, pressionava de muitas formas para que o
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
137
mestre da vida desse um espetáculo. Deste modo, demonstrou
que nem estava interessado nos anseios dos judeus e nem na
história de Jesus. Mais uma vez o mestre estava entre a liderança
judia e a autoridade romana.
Se nos lembrássemos das crianças que morreram e da
morte de um amigo, o que faríamos em lugar do mestre? Jesus
nada fez. Ante aos apelos de Herodes Antipas para que os
alegrasse, manteve um silêncio frio. Não trocou uma palavra
com o governador da Galiléia. Devia se lembrar da lâmina
sacrificando as crianças, das lágrimas inconsoláveis de suas mães.
Devia se lembrar do seu amigo degolado.
Herodes não teve seu show sobrenatural. Diante disto,
armou um circo e colocou Jesus como personagem principal
do seu deboche. Vestiu-lhe um manto aparatoso e estimulou
seus soldados a se divertir com ele. Deste modo, eles o
torturaram.
Se tivéssemos o poder que Jesus demonstrou ter, o que
faríamos a Herodes se fôssemos humilhados? Muitos de nós,
num ataque de raiva, o teríamos destruído. Mas Jesus apenas se
calou. O mais dócil e amável dos homens mais uma vez se
calou.
O mestre da vida nos deu mais lições preciosas. Não usou
de violência com os seus inimigos. No topo da dor, usou a
ferramenta do silêncio. Cumpriu, assim, plenamente a sua palavra
de ferida uma face dar-se a outra. Os homens o zombavam,
mas ele sabia se proteger, não deixava que a chacota deles lhe
ferisse a alma. Seus inimigos não imaginavam que, através do
seu silêncio, ele os estimulava a pensar. Entretanto, governados
pelo ódio, abortaram o pensamento.
Não temos a habilidade de proteger nossas emoções como
o mestre da vida. Detonamos facilmente o gatilho da
Dois Herodes Violentando Jesus
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
138
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
agressividade contra os que nos frustram. Não matamos
fisicamente, mas psiquicamente. Quantos não eliminamos de
nossas vidas por nos ofenderem, nos decepcionarem. Raramente
há alguém que não seja agressivo com os outros ou consigo
mesmo.
Os tímidos não são freqüentemente agressivos com os
outros, mas são violentos consigo mesmos, se esmagam com
sentimentos de culpa, não suportam errar, permitem que o lixo
social invada o território de sua emoção. Nossa paciência tem
limites, nossa trégua tem condições, mas a dele era ilimitada.
Usando a dor do mestre
para a reconciliação política
Infelizmente, nos bastidores da política há muitos
conchavos e acertos escusos. Às vezes, a miséria serve de
excelente propaganda para que alguns políticos se promovam
politicamente. Se exterminarem com a indústria da miséria
muitos deles serão alijados do cenário social.
No campo do uso de drogas, esse fenômeno também
ocorre. As drogas não só interessam ao usuário e ao traficante,
mas também àqueles que se promovem politicamente em cima
da miséria dos outros. Todavia, apesar de haver políticos que
maculam a arte de legislar e de governar, há políticos que honram
esse ofício intelectual, são amantes da honestidade.
Pilatos e Herodes Antipas não foram justos no julgamento
de Jesus. Além disso, fizeram conchavos políticos para fazer
um acerto de bastidores. Pilatos governava a Judéia; Herodes
Antipas, a Galiléia. Antigamente essas regiões eram governadas
por uma só pessoa, o rei Herodes, o pai de Antipas.
Com a morte de Herodes, o Grande, seu reino foi dividido
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
139
entre seus filhos. A Judéia, que inclui a cidade de Jerusalém, foi
dada pelo imperador romano a Arquelau. Como disse, devido
ao péssimo governo que este fez, seu governo foi-lhe retirado e
passado às mãos de outros governadores, fora da dinastia de
Herodes.
Por fim, após a Judéia passar por alguns governadores,
Roma estabeleceu Pôncio Pilatos como seu procurador. Pilatos
e Herodes Antipas viviam debaixo de intrigas e contendas.
Governavam regiões vizinhas, mas não se entendiam. Como
fazer esses dois políticos se reconciliarem? Pilatos, esperto,
procurou agradar seu vizinho usando o famoso réu como
mercadoria.
Herodes brincou com o destino do mestre, usou-o como
objeto de diversão e, assim, aplacou a ira contra Pilatos. Lucas
relata que ambos se reconciliaram usando como tapete a dor
daquele que jamais usou o sofrimento dos outros para obter
qualquer vantagem. A política saiu apaziguada; mas a justiça,
maculada.
Jerusalém desperta e começa
a ver uma cena inacreditável
Eram entre sete e oito horas da manhã. Jesus seria
crucificado às nove horas. Diversas pessoas viram uma cena
espantosa. Contemplaram Jesus saindo da casa de Herodes,
inchado, com hematomas, cambaleante e vestido com um manto
espalhafatoso indo em direção à fortaleza Antônia onde
encontrava-se Pilatos.
A notícia inacreditável já havia começado a se espalhar na
primeira caminhada até Pilatos e na segunda até Herodes. Muitas
pessoas já estavam nas ruas. Agora, ao ver Jesus saindo da casa
Dois Herodes Violentando Jesus
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
140
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
de Herodes, os rumores se espalharam como fogo. Uns
contavam para os outros. Jerusalém começava a despertar para
o que estava acontecendo. Descobriram que até seus discípulos
o abandonaram.
Os habitantes de Jerusalém, bem como os milhares de
homens e mulheres que vinham de lugares longínquos para vêlo
ficaram chocados. Não podiam crer que o mais forte e
brilhante dos homens estivesse tão frágil e solitário. Não era
possível que o único homem que pisou nesta terra e ressuscitou
mortos estivesse morrendo.
A fé das pessoas ficou profundamente abalada. A possível
revolta que poderiam fazer para protegê-lo deu lugar ao espanto.
Não conseguiam se recompor e muito menos culpar o sinédrio,
pois quem estava à frente do julgamento era o poderoso império
romano.
Jesus caminhava em direção a Pilatos. Para seus inimigos,
o seu sofrimento era um espetáculo de sarcasmo; para os que o
amavam, era um espetáculo de dor. Eles morriam por dentro
ao vê-lo sofrer.
Os seus discípulos não dormiram. Passaram a noite
insones, chorando por tê-lo abandonado, angustiados por saber
que o seu amado mestre estava sendo mutilado por seus inimigos.
O desespero de Pedro era grande. Havia contado que o mestre
tinha sido drasticamente espancado e que ele o negara três vezes.
Ninguém sabia o que dizer. O mundo parecia desabar sobre
eles. Foi uma noite inesquecível.
TROCADO POR
UM ASSASSINO.
OS AÇOITES E A
COROA DE ESPINHOS
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
CAPÍ T U L O 9
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
143
Trocado por um Assassino. Os Açoites e a Coroa de Espinhos
Trocado por um assassino
Ao retornar à fortaleza Antônia, Pilatos reúne os principais
judeus e diz que não achara crime algum nele e nem tampouco
Herodes, pois o havia devolvido. Portanto, o governador se
dispôs a soltá-lo. E para aplacar-lhes um pouco a ira, disse que
o açoitaria.
Os judeus não aceitaram o veredicto de Pilatos. Solto, o
fenômeno Jesus se tornaria um perigo para os líderes da religião
judaica. Diante da coação dos judeus contrários à soltura, Pilatos
usou sutilmente um precedente cultural para libertá-lo. Na
páscoa judia, era costume o governante romano soltar um preso
estimado pela população. Tal atitude expressava benevolência
do império para com o povo.
Como era páscoa, Pilatos propôs entre os presentes soltar
um criminoso. Mateus relata que o governador deu-lhes a
seguinte opção: Barrabás ou Jesus48. Havia nesta proposta duas
intenções. A primeira era seguir sua consciência e soltar Jesus,
pois o considerava inocente. A segunda era provocar os
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
144
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
judeus, pois a opção que lhes deu foi vexatória. Barrabás era
um assassino, matou alguém de sua própria gente. Se tivesse
assassinado um soldado romano, já estaria morto, crucificado.
O sinédrio, portanto, teria de decidir: ou soltaria um
assassino ou o carpinteiro da Galiléia. Pilatos não deu escolha
para eles, pensou certamente que os líderes judeus concordariam
em soltar Jesus. Contudo, para o espanto de Pilatos, eles não
apenas optaram por soltar Barrabás, mas clamaram em coro
por ele.
Preferiram um assassino ao poeta da vida. Preferiram
alguém que derramou sangue do seu povo àquele que arrebatava
as multidões e a conclamava a amar os seus inimigos. O mestre
da vida foi preterido pelos homens que eram técnicos em Deus.
Desconsideraram sua história, a ternura com que tratava os
miseráveis e os feridos de alma.
A soltura de Barrabás colocava em risco a vida de algumas
pessoas, mas a do carpinteiro colocava em risco as convicções e
as verdades dos líderes de Israel. Tentaram conter as chamas de
Jesus Cristo, mas não adiantou. Mesmo torturado, humilhado e
trocado por um assassino, ele incendiou a história.
Havia uma pequena multidão, algumas centenas de pessoas
na presença de Pilatos. Ela era composta dos homens do
sinédrio, seus serviçais e da coorte de soldados que prendeu
Jesus. Não era uma grande multidão e nem era a mesma multidão
que amava Jesus, pois esta era enorme e compunha-se de dezenas
de milhares de pessoas de Jerusalém e de muitas regiões da
Judéia, Galiléia, Samaria e outras nações.
Todos os filmes a que assisti sobre Jesus têm uma grande
dívida em relação à sua história verídica. Não resgatam os
fenômenos sociais e psicológicos que estavam presentes no
âmago dos homens do sinédrio, na multidão que o
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
145
acompanhava, na mente de Jesus e de Pilatos e nem na enorme
multidão que estava em Jerusalém por causa de Jesus.
Jesus era muito famoso, mas como disse, após ressuscitar
Lázaro, não podia mais circular livremente em Jerusalém. Por
quê? Porque todos os dias morriam diversas pessoas. Os seus
familiares procuravam desesperadamente por Jesus para que ele
os ressuscitasse. Como muitas dessas pessoas vinham de longe,
elas deviam lotar as hospedarias. Todavia Jerusalém não estava
preparada para receber tantos visitantes. Muitos, portanto,
deviam dormir ao relento.
Jerusalém acordara perturbada. Pouco a pouco a notícia
de que Jesus estava sendo julgado e que estava com o rosto
mutilado se espalhara. Os que estavam insones ou dormiam ao
relento afluíram primeiro em direção à fortaleza Antônia. Todos
estavam ávidos por mais notícias. A chama de esperança daquele
povo sofrido começava a se apagar.
Um assassino ovacionado
Enquanto isso, a pequena multidão dentro da casa de
Pilatos reagia à soltura de Jesus. Influenciada e instigada pelo
sinédrio, ela gritava: “Barrabás! Barrabás!”. Nunca um assassino
foi ovacionado desta maneira. Os homens gritavam a plenos
pulmões para que Pilatos soltasse Barrabás.
No campo religioso, científico, filosófico, político, há uma
grande quantidade de pessoas que não têm intimidade com a
arte da dúvida, por isso nunca duvidam de si mesmas e dos
pensamentos daqueles que admiram, assim não desenvolvem
sua consciência crítica. Defendem suas idéias com convicção,
idéias que nunca foram suas, mas plantadas por outros. Talvez
algumas pessoas que clamaram pela crucificação de Cristo
Trocado por um Assassino. Os Açoites e a Coroa de Espinhos
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
146
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
fossem seus admiradores dias atrás. Mas após ter sido preso,
elas mudaram seu pensamento, foram facilmente manipuladas
pelos fariseus. O homem que reage sem pensar e não pensa
antes de reagir será sempre um joguete nas mãos dos mais
eloqüentes.
O mais amável dos homens ouviu o som estridente de
que o trocavam por um assassino. Jesus, neste momento, sentiu
o ápice da discriminação, uma discriminação igual ou maior do
que a que muitos negros viveram e muitos judeus
experimentaram na Segunda Grande Guerra Mundial. O que
sentiríamos se estivéssemos no seu lugar? O som penetrava em
seus tímpanos, percorria seu córtex cerebral e atingia o cerne
da sua emoção. Se ele, juntamente com seu Pai, assinou a autoria
da criação humana, então, pode-se inferir que, neste momento,
a criatura traiu drástica e completamente o seu Criador.
Judas já o havia vendido pelo preço de um escravo, agora
os homens o trocavam por um homicida. Talvez, por saber
antecipadamente que não havia lugar para ele na humanidade,
tenha preferido nascer num desconfortável curral. Os animais
foram mais complacentes com Jesus do que muitos homens.
Se Jesus Cristo tinha o mais alto poder do universo não
seria este o momento de desistir da humanidade? Que amor é
este que nunca desiste? A dor da rejeição é freqüentemente
inesquecível. O fenômeno RAM (registro automático da
memória) a registra de maneira privilegiada nas áreas centrais
da memória. Fica sempre disponível para ser utilizada em novas
cadeias de pensamentos. Por isso, dificilmente alguém que foi
discriminado deixa, ainda que por momentos, de sentir o seu
paladar ao longo da vida.
Qualquer pessoa serviria para ser trocada pelo amável
mestre da vida. Uma pessoa poderia cometer o crime hediondo
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
147
mais repulsivo e, ainda assim, o sinédrio rejeitaria Jesus e
aclamaria tal criminoso.
Se você acha que ninguém o valoriza, saiba que Jesus foi
tão rejeitado que se colocassem você e ele na frente dos homens
do sinédrio e da população que o acompanhava, todos em coro
clamariam pelo seu nome. Você seria unanimemente louvado.
É possível acreditar que aos olhos daqueles técnicos em Deus
somos mais importantes do que Jesus? Para os fariseus, o mestre
dos mestres era indigno de estar vivo.
Barrabás saiu da banalidade para a aclamação, da
clandestinidade para o heroísmo. Jesus permaneceu em silêncio.
Não se desesperou e nem se indignou com tal rejeição. O mestre
da vida usou a ferramenta do silêncio para nos ensinar a não
cair nas armadilhas da emoção e a não gravitar em torno do
que os outros pensam e falam de nós.
A violência dos açoites
Se lermos atentamente palavra por palavra, vírgula por
vírgula o procedimento de Pilatos nos quatro evangelhos,
teremos a impressão de que ele funcionou como um cirurgião
que abria o coração infectado dos fariseus, infectado pelo orgulho
e pela arrogância. Após ouvir o clamor da troca fatídica, ficou
convicto de que a cúpula judaica queria a morte do nazareno de
qualquer maneira e não descansaria enquanto ela não se
materializasse.
Inconformado, o governador não cedeu. Não admitia que
aqueles homens controlassem a sua própria consciência. Então,
neste momento, ao invés de crucificá-lo, preferiu flagelá-lo com
açoites. Pilatos, que aparentemente parecia defender Jesus,
mostra aqui sua face sanguinária. Indignado com o sinédrio,
Trocado por um Assassino. Os Açoites e a Coroa de Espinhos
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
148
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
descarrega sua ira no réu. O homem Jesus sangrando no rosto
sangraria, agora, nas costas.
Os soldados de Pilatos saciam, então, seu apetite por
traumatizar Jesus. Queriam ver a resistência do homem que fez
milagres impressionantes. Os açoites eram produzidos com um
chicote chamado de “fragrum”. O fragrum contém diversas
tiras de couro. Nessas tiras, são presos pedaços de ossos ou
ferro, de sorte que cada chibatada não apenas causa edema e
hematoma súbito, mas também ferimentos abertos.
Os homens açoitaram Jesus com dezenas de chibatadas.
A pele se abria, os músculos intercostais se expunham. A todos
os torturados era dado o direito de gritar, urrar de dor, reagir
com ódio, pavor, mas àquele que se propunha a ser o cordeiro
de Deus para resgatar as injustiças da humanidade, não eram
admitidas tais reações. Um cordeiro sofre silenciosamente. O
mestre da vida suportava calado as suas torturas, como uma
ovelha muda perante seus tosquiadores49.
Ao vê-lo mudo, a ira dos seus carrascos devia aumentar.
Batiam-lhe mais forte. Queriam ver seus limites. Assim, o
homem Jesus reagia com todas as suas forças para suportar o
insuportável.
Certa vez, uma excelente enfermeira, que havia tido uma
crise depressiva, me contou em meu consultório uma história
sobre o drama da dor dos ferimentos. Ela fazia freqüentemente
curativos em feridas abertas. Quando os pacientes reclamavam
de dor ou do desconforto da gaze, ela os criticava.
Um dia, ela passou por uma cirurgia. A cirurgia teve
contaminação e a pele e músculos se infeccionaram e os pontos
se abriram. Toda vez que alguém ia fazer curativo nela era um
tormento. Colocar uma gaze sobre a pele aberta era como passar
uma lixa sobre o corpo. Ela gritava de dor. Então, se lembrou
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
149
dos seus pacientes. Recordou que não tinha paciência e nem
compreendia a dor deles. A partir daí, se tornou uma enfermeira
muito mais amável e tolerante.
Imaginem o que Jesus passou com os açoites. As tiras de
couro com metais abriam-lhe a pele. Cada chibatada era uma
cirurgia sem anestesia. Após vestir seu manto, o sangue se
misturava com as fibras do tecido, era como se uma lixa roçasse
a superfície de sua pele. Nada o aliviava, a não ser a misteriosa
relação que mantinha com seu Pai. A cada momento devia
dialogar com Ele sobre sua dor, como o fez após a última ceia.
Devia conversar e orar silenciosamente com Ele a cada
momento em que era espancado, esmurrado, cuspido ou
flagelado. Havia um ar de mistério no seu martírio. Ele estava
na condição de homem, mas ninguém reagiu como ele no ápice
da dor. Uma força incrível o sustentava. Gerenciava seus
pensamentos e suas emoções em situações impossíveis de
conservar a lucidez. O mestre de Nazaré foi um príncipe no
caos.
Coroado com espinhos
Não bastasse o tormento sofrido na casa de Anás, Caifás,
Herodes e os açoites impostos por Pilatos, Jesus passou pelo
último e mais dramático sofrimento antes de carregar a cruz.
Os soldados vendo-lhe a resistência e sabendo que os judeus o
acusavam de querer ser rei da nação, vestiram-lhe como a um
falso rei. Trajaram-no com um manto de cor púrpura e
colocaram sobre a sua cabeça uma coroa real, só que feita de
espinhos. E para debochar ainda mais do “falso rei”, lhe deram
um cetro de segunda categoria, um caniço de ferro.
Estava pronto o cenário de terror circense. Neste cenário,
Trocado por um Assassino. Os Açoites e a Coroa de Espinhos
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
150
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
começa uma longa sessão de sarcasmo e espancamento. Uma
coorte de soldados, cerca de 300 a 600 homens, se aglomera em
torno daquele homem debilitado para se divertir. Imaginem a
cena.
Jesus estava com o rosto inchado e cheio de hematomas,
as suas costas sangravam sem parar. Provavelmente não lhe
deram água a noite toda. Estava sedento e com o corpo todo
dolorido. A sua debilidade não comovia os soldados. Cegoulhes
o entendimento e o humanismo.
Uma análise sociológica do comportamento humano
revela que os homens, quando estão irados e em público, reagem
como animais. Se desejam chamar a atenção uns dos outros
com deboches, cada um procura ser mais irônico do que o outro.
Alguns vão até às últimas conseqüências.
Os textos dizem que vários soldados ajoelhavam-se aos
pés do mestre da vida, querendo prestar-lhe uma falsa
reverência50. Colocaram Jesus no centro de um picadeiro. Os
soldados, rodeando-o, fizeram-no de palhaço. Seus olhos deviam
estar tão edemaciados que mal devia enxergar, mas via o
suficiente para saber que não devia reagir. Jesus não abriu a
boca.
Talvez este seja o único caso na história em que uma pessoa
tenha passado pelo topo da discriminação e, ao mesmo tempo,
golpeado pelo ápice do deboche e do escárnio. Sua vida pautouse
por extremos impensáveis. Foi exaltado como rei e como
Deus e foi humilhado como o mais vil dos homens.
Enquanto os mais engraçados prestavam-lhe a falsa
homenagem, ouviam-se longas gargalhadas da platéia.
Exclamavam: “Salve, o rei dos judeus”51. Louvam-no com ironia.
Deviam empurrá-lo e fazê-lo cair. Suas quedas excitavam os
soldados. Divertiam-se com sua dor.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
151
Se escondido na pele do homem Jesus estava o ser mais
poderoso do universo, como ele suportou ter sido o personagem
central de um teatro de terror? Como permitiu que os homens
o ultrajassem e o fizessem de palhaço? Se nós temos reações
agressivas com nossos filhos ou com nossos pais sem grandes
motivos, quem de nós, se tivesse tal poder, prescindiria de usálo
para destruir nossos carrascos? Somos mestres da
impaciência; ele, o mestre da mansidão.
Coroa de espinho e bofetadas
Não há notícia na história de que alguns homens tenham
humilhado um rei no pleno exercício do seu poder, e tenham
sobrevivido. O rei Herodes não foi um milésimo ameaçado pela
sua esposa e seus filhos como o foi Jesus, mas ainda assim os
matou.
A história humana tem de ser recontada. Se o mestre da
vida era o rei dos reis, se ele se assentava à direita do Todo-
Poderoso, então, dever-se-ia escrever em todos os tratados
históricos: humilharam, torturaram e zombaram o maior de
todos os reis, mas ele tratou com brandura seus carrascos.
Ninguém saiu ferido a não ser ele. Não há como não se curvar
diante dele.
Jesus suportava o sarcasmo humano porque sua emoção
tinha uma estrutura sólida. Não esperou quase nada dos seus
amigos, sabia que eles o abandonariam. Dos soldados, esperava
muito menos. Não há dúvida de que ele sofria muito, mas por
se relacionar com as pessoas com baixíssima expectativa, não
deixava o lixo de fora entulhar sua emoção. Um dos seus
segredos era que ele se doava muito e esperava pouco.
Nós, ao contrário, por esperarmos muito dos outros,
Trocado por um Assassino. Os Açoites e a Coroa de Espinhos
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
152
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
ficamos sempre frustrados. Alguns são derrotados com apenas
um olhar ou um pequeno comportamento. Tudo os irrita.
Os soldados, ao perceberem que Jesus não ia gritar, não ia
reagir nem pedir clemência, ficaram impacientes e irritados.
Para completar a agonia de Jesus, tomaram-lhe o falso cetro e
deram-lhe na cabeça52. Uma dor horrível e aguda permeou sua
cabeça. Os espinhos cravaram-se no couro cabeludo, uma área
intensamente irrigada. Dezenas de pontos hemorrágicos
surgiram. O sangue escorria por toda a sua face. Era o sangue
de um homem. Suportou sua dor como um homem e não como
Deus.
À medida que o sangue percorria as reentrâncias de sua
face, os soldados o esbofeteavam. As mãos destes homens eram
fortíssimas, tinham uma musculatura hipertrofiada pelos
exercícios com lanças e espadas. Ao ser esbofeteado, devia sentir
vertigem, tontura. Certamente caía com mais freqüência no chão.
Ao cair, batia com a cabeça no solo e, deste modo, a coroa de
espinho cravava-lhe mais intensamente. Ao bater as costas no
chão, seu manto colava-se na pele esfacelada pelos açoites.
Pelos fariseus foi tratado como uma escória humana; pelos
romanos, como um homem imprestável, um impostor, um falso
rei. O único que rejeitou o trono político para reinar no coração
humano recebeu como recompensa flagelos e açoites. Como é
difícil governar a alma humana! Mesmo nós não somos líderes
de nosso próprio mundo.
O mestre de Nazaré foi dócil e paciente num ambiente
onde só havia espaço para a ira e agressividade. Nunca ninguém
pagou um preço tão alto por amar incondicionalmente o ser
humano. A história do mestre dos mestres abala qualquer um
que a investiga.
Felizes não são os que têm alta conta bancária, os
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
153
assediados pela mídia, os que moram em palácios, mas os que
encontram motivos para amar mesmo quando eles não existem.
Ele encontrou motivos para nos amar, mesmo quando estes
não existiam.
Trocado por um Assassino. Os Açoites e a Coroa de Espinhos
A ÚLTIMA CARTADA
DA CÚPULA JUDAICA
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
CAPÍ T U L O 10
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
157
A Última Cartada da Cúpula Judaica
“Eis o homem!”: uma expressão
refletindo o topo da tortura.
Jesus foi açoitado, coroado com espinhos e esbofeteado
pela coorte romana fora do ambiente onde estavam os homens
do sinédrio. Os soldados só não podiam matá-lo, pois seu
julgamento não chegara ao fim. Foram dez ou vinte minutos de
espancamento, um tempo enorme para quem estava sendo
massacrado por centenas de soldados sem qualquer proteção.
O mestre dos mestres estava literalmente irreconhecível.
Não havia o rosto de um homem, mas uma face desfigurada.
Como podemos afirmar isso? Pela expressão usada por Pilatos
ao apresentar novamente Jesus aos líderes judeus. Diz: “Eis o
homem!” 53.
Com esta expressão Pilatos quis tocar a emoção dos judeus,
fazê-los ter compaixão de Jesus. Parecia que o governador da
Judéia queria dizer: “eis aí um homem acabado, mutilado,
destruído e sem condições de ameaçar a vocês e a mim. Vocês
não conseguem enxergar que ele é apenas um pobre e miserável
homem?”.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
158
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Ao ouvir a expressão “eis o homem”, o sinédrio se levanta
e dá um grande susto em Pilatos. Diz pela primeira vez ao líder
romano que queriam matá-lo porque ele disse ser Deus54, e o
autor de tal blasfêmia deveria morrer.
Ao ouvir tais palavras, Pilatos entra em pânico. Ele sabia
que Jesus era misterioso, já se perturbara com suas palavras e
expressões. Sabia que ele era um homem incomum, mas não
sabia que ele havia confessado ser divino.
Foi provavelmente neste momento que a mulher de Pilatos
entra em cena e lhe diz que tivera um sonho com Jesus e ficara
perturbada. O mestre já havia tirado o sono de todos os fariseus,
agora tirava o sono da mulher de Pilatos. Motivado por sua
esposa e convencido de que Jesus era inocente, resiste em
crucificá-lo.
Pilatos mais uma vez chama Jesus ao pretório. Retira-se
para ter com ele uma nova conversa particular. Não sabia se o
soltava ou se o indagava. O juiz estava confuso diante do réu.
Acusado de ser divino
Pilatos desejava uma resposta clara sobre a identidade
de Jesus. Para obtê-la usa a sua autoridade de governador
conferida pelo império romano e diz: “Não sabes que tenho
autoridadeparatesoltareautoridadeparatecrucificar?”55. Jesusestava
sob um julgamento romano formal.
O imperador romano podia legislar, fazer leis. Aos
governadores sob o controle de Roma cabiam os direitos de
executivo e judiciário. Pilatos, portanto, tinha pleno poder não
apenas para governar a Judéia, mas para atuar como um grande
pretor, um juiz que julgava os homens segundo o direito romano.
Para causas pequenas, o governador designava outros pretores,
mas as grandes causas eram julgadas por ele próprio.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
159
A autoridade de Pilatos realmente era grande. O destino
dos homens na região sob sua jurisdição estava de fato em suas
mãos. Esperava, ao pressionar Jesus com sua autoridade, que
ele se intimidasse e revelasse sua identidade. Porém, mais uma
vez, o réu o deixou chocado. Ao ouvir tais palavras, Jesus disse
que toda autoridade vinha do alto e nenhuma autoridade ele
teria se do alto não fosse permitida.
Ao sinédrio, Jesus disse que se assentaria à direita do Todo-
Poderoso, portanto na posição mais alta do universo. A Pilatos
comenta que a autoridade que ele tinha não vinha de Roma,
mas era permitida pelo alto. Sobrepondo estas duas frases
podemos inferir algo impensável na história do direito e do
poder político. O réu conferia a autoridade ao Juiz. Que situação
impressionante!
Através de sua afirmação, o mestre de Nazaré queria dizer
que há um poder no universo do qual emanam todos os outros
poderes. Inferia que o poder político era temporariamente
permitido e que o que é permitido será cobrado.
Pilatos considerava que seu poder fosse permitido por
Tibério, o imperador romano. Agora vinha um homem todo
edemaciado e cheio de hematomas sugerindo que todo poder
emanava dele. Como isso é possível?
Jesus surpreendia a todos quando estava livre e quando
estava preso, quando estava saudável e quando destruído. Queria
dizer ao líder romano que tinha poder muito maior do que o
dele, que poderia se safar do seu julgamento e morte, mas não
o faria.
Os líderes de Israel e Pilatos estavam abalados, mas nada
abalava o mestre da vida, nada o amedrontava. Ele mostrava-se
imbatível nas idéias quando não havia mais força em seu corpo.
Nunca um judeu abalou as convicções do autoritário governador.
A Última Cartada da Cúpula Judaica
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
160
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
O poderoso Pilatos se comportava como uma criança
diante do carpinteiro de Nazaré. Como pode alguém com a
cabeça sangrando, com o rosto desfigurado e na eminência de
ser crucificado discorrer que tinha um poder acima do império
romano?
A rejeição e os sofrimentos, ao invés de abatê-lo, nutriam
a sua capacidade de pensar. As perdas, ao invés de destruí-lo e
desanimá-lo, o tornavam livre no território da emoção. Somente
alguém que eliminou todas as raízes do medo pode ser tão livre.
A última cartada: traindo a
história e apelando para Tibério César
Pilatos, admirado com o comportamento de Jesus, mais
uma vez o traz à presença do sinédrio e intercede para soltá-lo.
Suas idas e vindas mostravam que ele estava convicto de que o
réu era inocente. Pilatos tinha receio de uma revolta dos líderes
judeus se soltasse Jesus e estes líderes tinham medo da multidão
se o fenômeno Jesus estivesse solto.
O perfil psicológico de Pilatos e suas atitudes indicavam
que ele debochava do sinédrio. Prova disto, era o fato de apontar
diversas vezes para Jesus e dizer para o sinédrio: “eis o vosso
rei” 56.
O governador da Judéia só temia uma autoridade: Tibério
César, o senhor do mundo, o grande imperador romano.
Portanto, a última cartada da liderança judia era denunciar Pilatos
ao próprio imperador. Os judeus odiavam ser dominados por
Roma, detestavam ser subjugados por César, mas para matar
Jesus a única solução era mostrar estrita fidelidade a ele. Por
isso, disseram altissonantes a Pilatos que somente César era o
rei deles57 e que não admitiam outro rei.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
161
Completaram dizendo que, se Pilatos não crucificasse
Jesus, ele estaria admitindo outro rei no solo de Israel, um rei
não designado pelo império. Deste modo, ameaçaram com todas
as vozes e todas as letras que denunciariam Pilatos a César58.
Precisamos reconstruir o cenário consciente e inconsciente
presente no maior julgamento da história.
Traindo o desejo histórico de liberdade
Tibério César era um poderoso imperador. Embora as
leis romanas fossem as mais justas e humanas dos tempos
antigos, o imperador governava como um ditador. Por que
exercia o poder como um ditador? Porque, além de exercer o
poder executivo e judiciário, também tinha poder para legislar.
Do ponto de vista da filosofia do direito, o maior ditador é
aquele que executa e julga as leis que ele mesmo elabora.
Reunindo o poder executivo com o legislativo, os
imperadores romanos tinham o poder de um semideus. Quando
o poder entorpece os homens, não poucos deles almejam o
status de imortal.
Ao clamar por Tibério César e tomá-lo como rei, a cúpula
de Israel traiu sua história. O povo judeu jamais aceitou o
controle de qualquer império. O desejo de sua independência
estava nas suas raízes culturais, presente desde que Abraão, o
pai dos judeus, deixou a terra de Ur dos caldeus. Esse desejo se
cristalizou quando Moisés os libertou da servidão do Egito e os
conduziu à terra de Canaã.
Como disse no livro “O Mestre dos Mestres”* , o povo
judeu quase passou por um genocídio por ser o único povo,
* Cury, Augusto J. Análise da Inteligência de Cristo- O Mestre dos Mestres, Academia de Inteligência,
São Paulo, 1999.
A Última Cartada da Cúpula Judaica
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
162
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
segundo Flávio Josefus, a não adorar o sucessor de Tibério,
Caio Calígula, como deus.
O relato histórico desta passagem é eloqüente*. Mostra a
coragem ímpar deste povo em preservar sua identidade e a sede
que tinha pela liberdade. Alguns embaixadores dos judeus
pediram uma audiência a Caio Calígula porque estavam
temerosos de ser dizimados se não o adorassem. Era uma
audiência de conciliação, queriam mostrar-lhe que embora não
o adorassem como deus, pois isso feria completamente seus
princípios e tradições, o respeitavam muito e faziam sacrifícios
a Deus para levar a bom termo a sua saúde e o seu governo.
Relutante, Calígula os recebeu, mas com desprezo.
Essa audiência podia determinar o destino dos judeus. Se
o imperador os obrigasse a adorá-lo, eles não aceitariam e, assim,
seriam eliminados não apenas em seu solo, mas em todas as
cidades onde habitavam, tal como em Alexandria. Filom, um
dos embaixadores dos judeus, relata que eles estavam
profundamente amedrontados nesta audiência. Dizia que
“sentíamos o sangue gelar em nossas veias”. Durante o
encontro, a cólera de Calígula diminuiu e, por isso, não os
obrigou a adorá-lo, embora não tenha aceitado a argumentação
dos judeus. No final da audiência, o imperador desprezou a
inteligência e o destino deles, dizendo: “Essa gente não é tão
má quanto infeliz. São insensatos por não acreditar que sou de
natureza divina”.
Os embaixadores judeus saíram da presença de Calígula
dizendo palavras que muito lembram o julgamento de Jesus.
Disseram: “Foi assim que saímos não de um tribunal, mas de
um teatro e de uma prisão, pois não era deveras uma comédia,
* Josefo Flávio, História dos Hebreus, Editora CPAD, Rio de Janeiro, 1990.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
163
vermo-nos ridicularizados, motejados, desprezados?”. Os judeus
sentiram a dor do desprezo e da humilhação provocada pelo
imperador. Viram-se não num tribunal, mas num teatro, num
ambiente em que pouco importava o que eles pensavam e
sentiam.
No julgamento de Jesus aconteceu a mesma coisa, só que
de maneira muito mais violenta. Um julgamento regado aos
patamares mais altos da tortura e da humilhação. Não
importavam as provas nem os sentimentos e os pensamentos
do réu. Ele tinha de morrer e o mais depressa possível, nem
que para isso os líderes judeus tivessem, por alguns momentos,
de trair a sua história e clamar que César era seu único rei.
Desprezaram Jesus que tinha origem judia e que cuidava
dos feridos e dos abatidos de Israel, para tomar o imperador
romano como seu grande líder, ainda que ele os explorasse com
pesados impostos.
Condenando Jesus por
medo de perder o poder
Ao ameaçar denunciá-lo ao imperador, Pilatos deve ter se
lembrado de que muitos governadores já haviam passado pela
Judéia e tinham sido destituídos. Certamente se lembrou de
que nem Arquelau (filho do Rei Herodes, o Grande) foi poupado
pelo imperador. Arquelau assumiu o governo da Judéia quando
seu pai morreu. Entretanto, cometeu atrocidades contra os
judeus. Estes o denunciaram a César, o que lhe causou a queda
e o ostracismo.
Amedrontado e profundamente constrangido, Pilatos
cede. Por medo de perder o poder, condena o mais brilhante e
inocente dos réus. Ao passar pelo julgamento formal e ser
A Última Cartada da Cúpula Judaica
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164
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
condenado, os criminosos podiam apelar para César.
Provavelmente os dois criminosos que foram crucificados ao
lado de Jesus estavam no final do processo. Seus crimes já haviam
transitado em julgamento. Todos os recursos já haviam se
esgotado após meses de processo.
Jesus estava sob o julgamento romano há menos de três
horas. Se ele apelasse para César, provavelmente seu processo
seria adiado e julgado em Roma. Todavia, não apelou. Não fez
nenhuma reivindicação. Apenas aguardou o final do julgamento.
Lavando as mãos
Pilatos cedeu diante da possibilidade de comprometer
sua carreira política. Cometeu um crime contra a sua própria
consciência. Talvez seu sono nunca mais tenha sido o mesmo.
Entretanto, para abrandar seu sentimento de culpa, fez um gesto
que iria torná-lo famoso na história: lavou as mãos. Muitos
pensam que este ato foi digno de aplausos e não poucos políticos
o imitaram ao longo das gerações.
O gesto de Pilatos foi um ato tímido e injusto. Lavou as
mãos, mas não podia limpar a sua consciência. A sujeira das
mãos é retirada com a água; a da consciência é retirada
reconhecendo erros e aprendendo a ser fiel a ela.
Também cometemos erros nessa área, embora com
conseqüências bem menores que as dos homens que julgaram
o mestre dos mestres. Lavamos as nossas mãos nas relações
sociais. Quantas vezes nos esquivamos de gastar o último recurso
para estender as mãos a alguém que está ao nosso alcance atolado
em seus problemas? Usamos o recurso de lavar as mãos como
tentativa de nos eximir de nossas responsabilidades, como
procedimento para nos proteger contra o sentimento de culpa
diante de atitudes delicadas que deveríamos tomar.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
165
Sempre que possível não deveríamos lavar as mãos. Se
temos condições de ajudar alguém que não quer ser ajudado,
não deveríamos desistir dele. Após esgotarmos nossos
argumentos, não deveríamos tentar fazer as pessoas enxergarem
o que não querem ou não conseguem ver e muito menos forçar
nossa ajuda. Ninguém consegue abrir as janelas da mente de
alguém que se recusa a abri-la. Devemos esperar uma nova
oportunidade, um novo momento para ajudá-la, ainda que ele
demore a chegar.
O mestre de Nazaré nunca lavava as suas mãos. Era
poderoso, mas não subjugava ninguém com seu poder, nem
quando queria e podia. Esgotava todos os recursos para ajudar
os necessitados, mas sem constrangê-los. Esperava o momento
certo para arejar os becos escuros de suas vidas. Procurava
ensiná-los de maneira sábia e agradável, mas dava tanta liberdade
para as pessoas errarem quanto incontáveis oportunidades para
elas retornarem. Não as punia e nem cobrava delas os seus
erros. Estar próximo dele era um convite a revisar os alicerces
da vida.
Do ponto de vista humano, o destino de Jesus estava sob
a autoridade de Pilatos. Portanto, lavar as mãos era se esquivar
de assumir a sua responsabilidade. Ninguém queria assumir o
ônus da morte de Jesus. Os líderes de Israel queriam que o
império romano assumisse a sua condenação e o império,
representado por Pilatos, lavou as mãos para que ela recaísse
sobre eles. O resultado foi que, para Pilatos, o sinédrio foi quem
condenou Jesus e, para a grande massa de homens que amava
Jesus, quem o condenou foi o império romano.
O homem que é infiel a si mesmo não vê dias tranqüilos.
Alguns historiadores comentam que Pilatos suicidou-se. Não
há como ser livre e feliz se não reconhecermos nossas
A Última Cartada da Cúpula Judaica
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166
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
fragilidades, se não procurarmos mudar as rotas de nossas vidas
e levarmos em alta conta nossa própria consciência.
O mestre da vida nos deu profundas lições para
aprendermos o caminho da tranqüilidade. Viveu dias tranqüilos
em ambientes intranqüilos. Era livre e sereno mesmo quando
estava acorrentado. Estava no auge da fama e tinha tempo para
contemplar os lírios dos campos. Nunca perdeu a singeleza e a
liberdade, mesmo no mais escaldante deserto...
A sentença de Pilatos
Após lavar as mãos e se livrar do papel de juiz, Pilatos
entregou Jesus para ser crucificado. Entretanto, como a morte
por crucificação era uma condenação romana, o governador
tinha de justificá-la. Assim lavrou sua sentença baseado nas
acusações dos judeus e não em sua consciência.
A seguir transcreverei a cópia fiel da peça do processo de
Jesus Cristo realizada por Pilatos, que se encontra no Museu da
Espanha:
“No ano dezenove de TIBÉRIO CÉSAR, Imperador
Romano de todo mundo. Monarca invencível na olimpíada cento
e vinte... sob o regimento e governador da cidade de Jerusalém,
Presidente Gratíssimo, PÔNCIO PILATOS. Regente na baixa
Galiléia, HERODES ANTIPAS. Pontífice sumo sacerdote,
CAIFÁS, magnos do Templo, ALIS ALMAEL, ROBAS
ACASEL, FRANCHINO CENTAURO. Cônsules romanos
da cidade de Jerusalém, QUINTO CORNÉLIO SUBLIME E
SIXTO RUSTO, no mês de março e dia XXV do ano presente
– EU, PÔNCIO PILATOS, aqui presidente do Império Romano,
dentrodopalácioearqui-residentejulgo, condenoesentencio à morte, Jesus,
chamado pela plebe – CRISTO NAZARENO – e Galileu de nação,
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
167
homemsedicioso, contraaLeiMosaica – contrárioaograndeImperador
TIBÉRIO CÉSAR. Determino e ordeno por esta, que se lhe dê morte
nacruz, sendopregadocomcravoscomotodososréus, porquecongregando
eajuntandohomens, ricosepobres, nãotemcessadodepromovertumultos
por toda Galiléia, dizendo-se filho de DEUS E REI DE ISRAEL,
ameaçando com a ruína de Jerusalém e do Sacro Templo, negando os
tributos a César, tendo ainda o atrevimento de entrar com ramos e em
triunfo, comgrandepartedaplebe, dentrodacidadedeJerusalém. Que
sejaligadoeaçoitado, equesejavestidodepúrpuraecoroadodealguns
espinhos, com a própria cruz nos ombros, para que sirva de exemplo a
todos os malfeitores, e que, juntamente com ele, sejam conduzidos dois
ladrões homicidas; saindo logo pela porta sagrada, hoje ANTONIANA,
e que se conduza JESUS ao Monte Público da Justiça chamado de
CALVÁRIO, onde, crucificado e morto, ficará seu corpo na cruz, como
espetáculoparatodososmalfeitoresequesobreacruzseponha, emdiversas
línguas, este título: JESUS NAZARENUS, REX JUDEORUN.
Mando, também, quenenhumapessoadequalquerestadooucondiçãose
atreva, temerariamente, aimpedirajustiçapormimmandada, administrada
eexecutadacomtodorigor, segundoosDecretoseLeisRomanas, sobpena
de rebelião contra o Imperador Romano. Testemunhas da nossa
sentença: Pelas doze tribos de Israel: RABAIM DANIEL,
RABAIM JOAQUIM BANICAR, BANBASU, LARÉ
PETUCULANI. Pelos fariseus: BULLIENIEL, SIMEÃO,
RANOL, BABBINE, MANDOANI, BANCUR FOSSI. Pelo
Império Romano: LUCIO EXTILO E AMACIO CHILCIO“.
A sentença de Pilatos mostra os falsos motivos pelos quais
Jesus foi sentenciado à morte, já discutidos. Mostra que muitas
pessoas proeminentes do império romano e de Israel
testemunharam e aprovaram a sentença condenatória. Todavia,
três verdades saltam dessa peça processual.
A Última Cartada da Cúpula Judaica
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168
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Primeiro: Jesus, um grande comunicador
Como vimos, Jesus era um homem magnífico. Sua
capacidade de comunicação era arrebatadora. Os estudantes de
comunicação e jornalismo desconhecem o maior comunicador
da história. Dei algumas conferências em universidades sobre o
tema “A arte da comunicação do mestre dos mestres”.
Algumas pessoas têm ficado atônitas com seu poder de
comunicação. Ele fazia uma comunicação honesta e poética.
Era econômico no falar, mas preciso nas palavras. Conseguia
ser dócil e extremamente seguro. Falava fitando a menina dos
olhos dos seus ouvintes.
Seu falar era tão penetrante que ele executava um dos mais
difíceis treinamentos da inteligência: treinava a emoção e o
pensamento. Treinava seus discípulos a trabalhar em equipe, a
não ter medo do medo, a não querer que o mundo se submeta
aos seus pés, a pensar multifocalmente em situações turbulentas,
a ser tolerantes, gentis, agradáveis, a torcer uns pelos outros e
até a amar uns aos outros.
O tom da sua voz não era tímido, mas eloqüente. Não
tinha medo de chocar seus ouvintes. Seus discursos intrépidos
e ousados causavam uma verdadeira revolução no cerne do
espírito e da alma deles. O conteúdo dos seus discursos até hoje
deixa boquiabertos aqueles que o analisam desprovidos de
preconceitos.
Multidões de pobres e ricos, letrados e iletrados, de homens
e mulheres o seguiam apaixonadamente. Por diversas vezes, as
pessoas ao ouvir suas palavras ficaram maravilhadas.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
169
Segundo: Jesus, um grande líder.
Os homens o admiravam tanto que, no seu último retorno
a Jerusalém, colocaram ramos de palmeiras e suas próprias vestes
no chão para que ele passasse. Todos estavam extasiados com
seu poder e com sua eloqüência.
Por momentos, eles se esqueceram de que o império
romano os controlava através da força de milhares de soldados.
Queriam que o mestre os liderasse. Mas este dizia que o seu
reino não era deste mundo. O único homem que dizia ter todo
o poder para dominar a terra virou o mundo de cabeça para
baixo ao entrar, no auge da fama, na grande cidade de Jerusalém
montado num pequeno e desajeitado animal.
Apesar de não querer o trono político, sua entrada em
Jerusalém foi triunfal, causou um grande tumulto cerca de um
mês antes de ser preso. Pilatos estava certo ao colocar este detalhe
na peça processual. Isso prova que ele acompanhava os passos
do mestre de perto antes do seu julgamento.
No final de sua sentença, Pilatos deixa claro seu respeito
e temor incondicional pelo imperador Tibério. Declara que quem
afrontasse a sua decisão de crucificar Jesus estaria se rebelando
contra o próprio imperador. Na realidade, Pilatos apenas
transcreve a pressão que os líderes judeus fizeram contra ele,
ameaçando de denunciá-lo ao imperador se ele não o
condenasse. Por submeter-se a esta chantagem, ele deixa claro
na peça processual que Jesus rebelou-se contra o imperador
por se fazer rei. O texto de Pilatos dissimula a infidelidade à sua
consciência. O papel mais uma vez aceitou aquilo que o homem
não pensava.
A Última Cartada da Cúpula Judaica
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
170
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Terceiro: Jesus, o filho de Deus
Pilatos acusa Jesus de ser filho de Deus e querer destruir o
Sacro templo. De fato, sua vida era cercada de mistérios. Seus
comportamentos e seus sofrimentos eram humanos, mas suas
palavras e sua postura eram incomuns para um homem. Pilatos
ficou impressionado com sua postura. Ele se portava como um
príncipe no caos. Não perdia sua dignidade quando sofria.
Ele não queria destruir o templo físico, mas transportá-lo
para dentro do homem. Almejava inaugurar o lugar de adoração
a Deus no coração humano.
Ele não declarava abertamente sua identidade, mas em
algumas oportunidades disse ter a natureza de filho de Deus e o
status do mais alto poder do universo. O que nos deixa pasmos
é que, ao contrário do nosso comportamento, ele não relatou
claramente sua identidade quando estava no auge da fama.
Declarou sua identidade quando estava no auge da derrota, pelo
menos aparente: revelou-se quando o mundo desabava sobre
sua cabeça.
Um espetáculo para todos os malfeitores
A psicologia tem de ficar assombrada com Jesus Cristo.
Aos demais torturados e que estão às portas da morte é
presumível que vivenciem o medo, o desespero, a ansiedade e a
agitação psicomotora, acompanhada de perda da lucidez e até
da consciência. Entretanto, para nosso espanto, nenhuma dessas
reações assaltaram a sua alma.
Na psicologia, principalmente na área de recursos
humanos, tem-se falado muito do papel da emoção no
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
171
desempenho intelectual e na formação da personalidade.
Gerenciar a emoção é mais difícil do que governar um país, é
mais complexo do que controlar uma grande empresa.
Entretanto, o mestre da vida foi o mais excelente mestre da
emoção. Navegou com exímia habilidade no mar agitado da
solidão, da incompreensão, da rejeição, da agressividade, da dor
física e psicológica.
Jesus era invariavelmente delicado com as pessoas. Nunca
expunha os seus erros e nem chamava a atenção delas
publicamente.59. Apesar do mestre dos mestres ter uma gentileza
ímpar com as pessoas mais rudes, ele foi tratado com uma
aspereza sem precedente. Não lhe deram descanso nem durante
a sua morte. Pilatos sentenciou-o à cruz e disse que sua morte
deveria funcionar como espetáculo para os malfeitores. Como
pode o mais dócil e amável dos mestres servir de exemplo para
advertir os homens a não cometer crimes?
Viajando no túnel do tempo
Se viajássemos no túnel do tempo e estivéssemos
presentes no julgamento do mestre da vida, provavelmente
pertenceríamos a um dos oito grupos:
1- Grupo dos fariseus e dos demais homens do sinédrio
que condenaram Jesus, que não tinham coragem para
questionar suas próprias verdades e avaliar se o filho de
Deus poderia estar travestido na pele de um carpinteiro;
2- Grupo dos fariseus que amavam Jesus, representado por
Nicodemos, mas que não tiveram ousadia para defendêlo
pelo medo de também serem punidos;
3- Grupo dos discípulos que o abandonaram, o deixaram
a sós, que fugiram desesperadamente quando ele se
A Última Cartada da Cúpula Judaica
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
172
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
recusou a fazer qualquer milagre para se safar do seu
julgamento;
4- Grupo dos que o negaram, representado por Pedro, que
embora o amasse intensamente e tivesse mais coragem
que os demais discípulos, ainda era frágil e inseguro, por
isso negou toda a história que com ele viveu quando o
viu sendo torturado e espancado;
5- Grupo da população que não tinha opinião e nem
convicções próprias e por isso foi facilmente manipulada
pelos que estavam no poder, os fariseus;
6- Grupo dos políticos, representado por Pilatos, que o
considerava inocente, mas permitiu a sua tortura e
mandou afligi-lo com açoites e, por fim, para agradar
uma minoria de líderes, lavou suas mãos para aliviar a
infidelidade à sua consciência e mandou crucificá-lo;
7- Grupo de soldados manipulados pelo sistema religioso
e político e que foram agentes da sua tortura e
crucificação, achando que prestavam serviços aos seus
líderes;
8- Grupo das pessoas que encontraram um novo sentido
de vida através das suas palavras e que o amavam
apaixonadamente, mas que estavam do lado de fora da
casa onde ele estava sendo julgado e esperavam
ansiosamente o desfecho final deste julgamento.
Reitero, a qual desses oito grupos pertenceríamos? Não
havia ninguém ao lado de Jesus. Todos os seus amigos o
abandonaram. Se estivéssemos lá, será que não o negaríamos
como Pedro? Será que muitos de nós hoje que dizemos amar
profundamente Jesus e que estivéssemos na casa de Caifás
não teríamos nos silenciado ante aquele clima de terror que
pairava sobre o mestre da vida? Será que quando ele
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
173
fazia seus milagres e inteligentes discursos não estaríamos ao
seu lado e depois quando preso não seríamos controlados pelo
medo?
Se viajássemos no túnel do tempo e estivéssemos
presentes no julgamento de Cristo, provavelmente nenhum de
nós o defenderia. Poderíamos admirá-lo, mas nos calaríamos,
como Nicodemos. Nossa inteligência e capacidade de decisão
estariam travadas pelo medo. Hoje Jesus é famosíssimo e
universalmente amado ou, no mínimo, admirado. Naquela época,
embora ele deixasse perplexos todos os que o ouviam, estava
escondido em um simples ser humano.
Hoje é fácil defendê-lo. Naquela época, quando ele resolveu
não fazer qualquer milagre e deixar de lado seus intrigantes
discursos, era difícil apoiá-lo e dizer: “Estou aqui, ainda que
todos te abandonem, não te deixarei”. Na realidade, Pedro disse
mais do que isso, mas falhou. O mais forte dos discípulos, apesar
de amá-lo intensamente, negou-o. Talvez fizéssemos o mesmo.
Era mais fácil abandoná-lo, mas ele nos compreenderia.
Os discípulos estavam chorando na noite do seu
julgamento. Tiveram uma longa noite de insônia. Estavam
envergonhados e com sentimento de culpa de ter deixado o seu
amado mestre no momento em que ele mais precisava deles.
Entretanto, Jesus não cobrou nada deles. Ele os amou
incondicionalmente. Nós fazemos exigências altas para perdoar
as pessoas, ele perdoou e amou sem nenhuma exigência.
A única coisa que gerava uma reação de intolerância no
mestre da vida era o comportamento dos fariseus, que se
preocupavam com a aparência exterior e não com o conteúdo
dos seus pensamentos e emoções. Embora não fosse agressivo
com eles, foi, entretanto, contundente em apontar essa grave
distorção em seu comportamento.
A Última Cartada da Cúpula Judaica
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
174
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Ser tímido como os discípulos, amedrontado como
Pedro, omisso como alguns fariseus que o admiravam, não era
o pior grupo. O pior deles era ser um fariseu, um técnico em
Deus, um especialista em divindade, mas que se sentia incapaz
de ser ensinado, que não conseguia ver nada além de seu mundo.
Por isso não analisaram a história, o viver, as palavras, os gestos
do mestre da vida. Eles o julgaram pela sua aparência exterior.
Nós temos de nos perguntar: Se estivéssemos lá, o conhecimento
teológico que temos hoje nos faria honrá-lo ou envergonharnos
dele, amá-lo ou distanciar-nos dele?
Apesar de ter sido abandonado, negado e rejeitado pelos
homens, o mestre da vida não condenava ninguém, nem os
fariseus. Ao invés disso, ele queria morrer em favor de todos os
homens, mas fez algumas advertências para expandir nossa
“qualidade de vida interior”. Vejamos uma dessas advertências
numa dramática comparação entre os fariseus e os miseráveis
da sociedade.
Publicanos e meretrizes
precedendo os fariseus
Certa vez, o mestre disse uma palavra chocante aos fariseus,
algo que jamais pensariam em ouvir. Comentou que publicanos
e meretrizes os precederiam no reino dos céus.
Vamos pensar um pouco. As meretrizes dormiam com
muitos homens, viviam em função de sua sexualidade. Seus
comportamentos e diálogos não refletiam moral e
espiritualidade. Os publicanos, por sua vez, eram coletores de
impostos, extorquiam o povo, roubavam dos cofres públicos.
Amavam o dinheiro e não se preocupavam com o sofrimento
das pessoas sob o jugo do império romano. De outro lado, os
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
175
fariseus faziam longas orações, ensinavam as Antigas Escrituras,
davam ofertas e tinham um comportamento socialmente
aprovável.
Qualquer um que fosse julgar estes homens, por mais
liberal e humanista que fosse, aprovaria os fariseus e colocaria
as meretrizes e publicanos em último plano. Ninguém teria a
coragem de dizer o que o Jesus disse. Parecia um absurdo dizer
que as prostitutas e os corruptos coletores de impostos
pudessem ser aprovados por Deus e os religiosos de Israel,
desaprovados. Como isso é possível?
No evangelho de Mateus, ele disse diversas vezes que seu
Pai tinha a capacidade de perscrutar a alma humana e ver o que
estava em secreto. Via o que os psicólogos e os psiquiatras não
conseguem ver. Penetrava diretamente no mundo psicológico
das pessoas.
Aos olhos do mestre de Nazaré os fariseus tinham uma
ética insuperável, mas por dentro, suas intenções e pensamentos
eram reprováveis.
A maquiagem espiritual e ética dos fariseus não convencia
o Autor da vida, não enganava o arquiteto do espírito e da alma
humana. Quem pode falar do homem internamente senão aquele
que o teceu?
Qual a vantagem das meretrizes e dos publicanos em
relação aos fariseus? Os sentimentos ocultos no coração
psicológico. Os fariseus eram orgulhosos, arrogantes, autosuficientes,
não precisavam de um mestre e nem de um médico
para reparar os pilares de suas vidas, por isso baniram
drasticamente aquele que dizia ser o filho do Altíssimo.
De outro lado, as prostitutas e os publicanos reconheciam
seus erros, injustiças e fragilidades, por isso amaram
intensamente Jesus. Não poucos deles choraram de gratidão
A Última Cartada da Cúpula Judaica
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
176
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
pela acolhida carinhosa do mestre da vida. Aquele que teceu o
homem amou a todos, mas só conseguiu tratar dos que admitiam
que estavam doentes, dos que tiveram a coragem de se achegar
a ele, ainda que com lágrimas.
Nestes tempos modernos valorizamos muito mais a
estética do que o conteúdo. Pioramos em relação aos tempos
do mestre de Nazaré. É fácil criticar os erros dos outros, enxergar
a arrogância de Caifás e a violência dos homens do sinédrio.
Todavia, precisamos nos perguntar: Será que não temos nos
escondido atrás de nossa ética e moral? Será que não estamos
saturados de orgulho e arrogância e não percebemos? Somos
especialistas em detectar os defeitos dos outros, mas péssimos
para enxergar os nossos.
Quando proclamamos “meu conhecimento teológico é
melhor do que o dos outros”, “minha moral é mais elevada do
que a deles”, será que Aquele que vê em secreto se agrada desses
comportamentos? Talvez alguns miseráveis de nossa sociedade,
aqueles para quem facilmente apontamos o dedo, tenham um
coração melhor do que o nosso.
Com princípios mais sábios dos que os apresentados por
sociólogos e ideólogos políticos, Jesus regulou as relações sociais.
Disse que com o mesmo critério que julgarmos os outros
seremos julgados. Se empregamos tolerância e compreensão, o
Autor da vida nos compreenderá e nos tratará com tolerância*.
E vai mais longe, diz a célebre frase: “Como quereis que os homens
vos façam, assim fazei-o vós também a eles”. Se queremos
compreensão, respeito, gentileza, amabilidade, devemos aprender
a ser compreensivos, gentis, amáveis.
Os que empregam tolerância compreendem as suas
próprias limitações e, por conhecê-las, enxergam melhor as
fragilidades dos outros. A compreensão, a tolerância e a
solidariedade são atributos dos fortes; a arrogância e a rigidez,
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
177
dos fracos. Se prestarmos atenção naqueles que criticam
continuamente as pessoas que os rodeiam, veremos que eles
são estrangeiros em seu próprio mundo, nunca penetraram em
áreas mais íntimas de seu próprio ser. Os homens que não se
conhecem são especialistas em apontar o dedo para os outros.
Se os princípios estabelecidos pelo mestre da escola da
vida fossem vividos pela nossa espécie, os exércitos seriam
extintos; a agressividade, estancada e os soldados estariam
desempregados. Mas precisamos cada vez mais de soldados e
presídios. Temos de perceber que algo está errado.
O homem que não é juiz de si mesmo nunca está apto
para julgar o comportamento dos outros. Os fariseus da época
de Jesus não estavam aptos a julgá-lo, pois eram incapazes de
julgar a si mesmos. Eles o trataram como o mais vil criminoso.
O seu julgamento revelou a miséria que estava no âmago dos
homens do sinédrio. Por fora eram éticos, mas, quando se
sentiram ameaçados, foi-se embora a imparcialidade, justiça e
serenidade. Não levaram em conta a encantadora história do
mestre da sensibilidade.
Nunca alguém tão forte, inteligente, sábio e amável se
deixou passar por um julgamento tão humilhante. Ninguém
reagiu como ele no final da vida. Seus comportamentos eram
ímpares.
Que segredos escondiam-se no cerne do mestre da vida
para que ele derramasse sua alma na morte? Precisamos penetrar
em alguns desses segredos para entender a sua motivação de
morrer pela humanidade. Vejamos o plano mais ambicioso da
história!
A Última Cartada da Cúpula Judaica
O MAIS AMBICIOSO
PLANO DA HISTÓRIA
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
CAPÍ T U L O 1 1
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
181
O mais Ambicioso Plano da História
A psicologia e as ciências da educação
Se os cursos de psicologia introduzissem um estudo sério
e aprofundado da personalidade de Jesus, os novos psicólogos
teriam uma grande ferramenta para compreender os transtornos
emocionais e adquirir mecanismos para treinar a emoção dos
pacientes e torná-la saudável. Como mestre da escola da vida,
ele conseguia abrir as janelas da sua mente e contemplar o belo
em momentos em que só era possível ser controlado pela
ansiedade, travar a inteligência e reagir por instinto. A psicologia
ainda é uma frágil ciência no processo de investigação do
funcionamento da mente. Ela precisa descobri-lo.
As ciências da educação também precisam descobri-lo. A
psicopedagogia de Cristo não tem precedente. Como contador
de histórias, tinha um falar cativante que encantava as pessoas.
O tom de voz, o fitar dos olhos, a economia de energia no
discurso dos pensamentos, a autoridade nas palavras, a exposição
interrogada e dialogada, a versatilidade e a criatividade usada na
comunicação interpessoal faziam de sua pedagogia uma
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
182
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
verdadeira arte de ensinar. Se nas faculdades ensinassem
sistematicamente a psicopedagogia do mestre dos mestres, os
novos professores revolucionariam o cambaleante sistema
educacional que permeia as sociedades modernas.
Sinto-me limitado para descrever a grandeza e os mistérios
que cercam a mente de Jesus Cristo. De cada frase que proferiu
poderíamos escrever um livro. De cada silêncio, uma poesia.
De cada controle da emoção, um princípio de vida.
Sinceramente, os recursos lingüísticos para descrevê-lo são
restritos.
O mestre da vida não
tinha impulsos suicidas
Gostaria, nestes últimos capítulos, de fazer um
questionamento muito sério sobre os motivos que levaram uma
pessoa com uma inteligência tão espetacular como a de Jesus
se deixar passar pelo topo do sofrimento. Ele tinha condições
de evitar seu julgamento e sua crucificação, mas não o fez.
Ninguém amava a vida como ele. Tinha prazer em conviver
com as pessoas. Observava o belo nos pequenos eventos da
vida. Gostava de crianças. Apreciava relacionar-se socialmente
e dialogar com todas as pessoas. Qualquer pessoa que dele se
aproximasse corria grande risco de se tornar seu amigo. Tinha
prazer em ser amigo até dos leprosos deformados e que
cheiravam mal. Nele, portanto, não havia rejeição pela vida nem
idéias ou impulsos suicidas. No entanto, deixou-se morrer, foi
cedo cortado da terra dos viventes. Por quê?
Se nele não havia idéias de suicídio, por que não fez nada
para evitar seu sofrimento e sua morte? Milhões de pessoas
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
183
dirão que sofreu e morreu para perdoar o homem. Mas podemos
argumentar: Não haveria milhares de outras maneiras ou
procedimentos para perdoar o homem?
Um grande problema em qualquer tipo de investigação é
que não conseguimos conviver com a ansiedade gerada pelas
perguntas e pela dúvida, por isso somos rápidos e superficiais
em nossas respostas. Temos de perguntar: Se Deus é tão
inteligente, não poderia arquitetar um plano que exigisse menos
de si mesmo? Por que Deus fez o impensável: entregou o seu
único filho para morrer pela humanidade? Que amor é este que
excede todo entendimento, que implode a lógica?
O mestre da vida nunca desprezava as indagações dos
homens, ao contrário, apreciava que eles o pesquisassem
destituídos de preconceitos. O grande erro dos fariseus foi que
o julgaram sem investigá-lo.
Gostaria de investigar não apenas as intenções subjacentes
do homem Jesus, mas algumas áreas da mente de Deus descritas
nas Escrituras para compreender o que estava por detrás do
cenário do julgamento aqui analisado. Jesus era um homem
genuíno, mas ao mesmo tempo se colocava como o Filho
de Deus. Ele era homem e era Deus. Teve atitudes,
comportamentos e sentimentos humanos, mas as causas que o
motivavam não eram humanas.
Não será possível compreendermos as últimas vinte e
quatro horas do homem Jesus se não compreendermos os
pensamentos de Deus. Contudo, toda vez que entrarmos nesta
área, o leitor tem de ter consciência de que não estou discorrendo
sobre uma religião, mas de complexos assuntos escondidos nos
textos da biografia de Cristo e nos demais livros do Antigo e
Novo Testamento.
O mais Ambicioso Plano da História
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
184
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Questionando a existência de Deus
Tentarei abordar um assunto muito complexo que
perturbou e ainda perturba a mente de muitos teólogos, filósofos,
pensadores e homens de todas as culturas e raças. Um assunto
que também me tirou, durante anos, a tranqüilidade. Um tema
sobre o qual muitas vezes temos dificuldade ou não temos
coragem de falar, que fica represado em nossa alma, que
raramente verbalizamos, mas que mina nossas convicções.
Questionarei a existência de Deus sob a perspectiva da sua
intervenção nos eventos da humanidade.
Ao olhar para tudo o que Jesus passou, temos de
questionar por que ele fez tão grande sacrifício. Quem se animaria
a fazer o que ele fez? O que motivou alguém que discursou
incansavelmente sobre a vida eterna ter preferido a morte mais
vexatória? Não podemos ter medo de usar nossa inteligência e
indagar: Se Deus é tão criativo por que ele arquitetou uma
solução tão angustiante para resgatar a humanidade?
Ao olharmos para as lágrimas, desespero, aflição e
injustiças que macularam os principais capítulos da história e
que ocupam uma parte central do palco de nossas vidas, temos
de questionar: Quem é Deus? Onde está Deus? Quais as
características básicas da sua personalidade? O que move seus
sentimentos? Ao fazer esse questionamento, podemos chegar a
três hipóteses: 1a.- Deus não existe, é uma criação do cérebro;
2a - Deus existe, mas abandonou a humanidade, pois a
considerou um projeto falido; 3ª- Deus existe e produziu o mais
ambicioso plano da história para resgatá-la.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
185
1a. hipótese- Deus não existe:
uma imaginação do cérebro
Não sei se o leitor já questionou a existência de Deus. Já
indaguei intensamente. Ao olhar para as misérias humanas, para
as injustiças sociais e para a história da humanidade podemos
questionar se há um Deus no universo ou se ele é apenas um
fruto espetacular da mente humana. Vamos refletir.
Apesar de haver alimentos em abundância para alimentar
todos os habitantes da terra, a fome destrói inúmeras vidas. Se
Deus existe, por que não intervém nas desculpas políticas que
financiam nosso egoísmo e extingüe a fome?
Mães tiram o pão de sua boca para dar aos seus filhos
famintos e, ainda assim, muitos deles permanecem caquéticos e
morrem. Tais mães, abatidas pela fome, não têm nem lágrimas
para chorar a morte de seus pequenos filhos. Onde está Deus?
Todos os dias morrem crianças com câncer, embora haja
muitos casos de cura. Elas mal começam a brincar e já começam
a fechar seus olhos para a existência. Onde está o Criador? Se
Ele existe, por que não intervém no sofrimento dos pequenos
de nossa espécie? Muitos indagam: Será que ele não intervém
por que não existe ou por que desistiu de nós? Não dá para nos
furtarmos de estudar este assunto, ainda que com respeito.
Lembro-me de uma paciente que teve depressão após a
morte de sua filha. Sua pequena criança de sete anos teve um
câncer incurável. A mãe entrara em desespero. A criança tinha
crises de vômitos constantes antes de falecer. Em sua última
crise, a criança teve uma atitude inesperada. Sabendo que estava
próxima da morte, a própria criança pediu para a mãe retirar-se
da sala. Não queria que ela sofresse. Vocês podem imaginar
O mais Ambicioso Plano da História
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
186
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
uma pequena criança querendo poupar uma mãe de sofrer por
sua morte? A criança estava nos instantes finais de sua vida e
desejava ansiosamente a companhia de sua mãe, mas poupoua,
ficou só com seu médico. Foi assim que ela fechou seus olhos
para a vida. Sua mãe nunca mais sentiu seu coração pulsar, nunca
mais ouviu a sua voz. Entre ambas, um silêncio inaceitável. Se
o Criador existe, por que suas criaturas sofrem tanto?
As lágrimas dos pais sempre irrigaram a história. Eles
cuidam carinhosamente de seus filhos. Apertam suas bochechas,
enchem-lhes de beijos, empurram-lhes comidas, preocupam-se
com seus comportamentos, sonham com seu futuro. Vivem
para os filhos, mas não querem viver para vê-los morrer. Desejam
ardentemente que seus olhos se fechem antes que os deles. Por
fim, alguns morrem por overdose de drogas, outros por doenças,
outros por acidentes e ainda outros nas guerras. Diversas pessoas
cometam: Se há um Deus que é Autor da existência, por que ele
não estanca as lágrimas dos homens e alivia as suas dores?
Observem as doenças da emoção. As pessoas portadoras
de depressão vivem o último estágio da dor humana, perdem o
prazer de viver, ficam desmotivadas, sentem uma fadiga
excessiva, algumas têm insônia, outras dormem demais, e, ao
invés de serem compreendidas, são taxadas de fracas. Elas têm
características nobres em sua personalidade, só que exageradas:
punem-se muito quando erram, preocupam-se excessivamente
com a dor dos outros, antecipam em demasia os acontecimentos
do amanhã. Entretanto, não poucas vezes, a recompensa que
recebem é o desprezo da sociedade e de alguns familiares. Alguns
intelectuais pensam: Se Deus teceu o interior do homem, por
que ele não apazigua as águas da emoção e estanca a dor dos
que sofrem no recôndito da alma?
Olhem para as injustiças sociais. Os homens sempre se
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
187
discriminaram. A fina camada de cor da pele, negra ou branca,
tem servido de parâmetro para discriminar dois seres da mesma
espécie. Quantas vezes na história homens escravizaram homens,
tolheram seus direitos fundamentais e os fizeram de mercadoria
que se compra e vende? Alguns questionam: Será que Deus
nunca se importou com as algemas dos escravos, com a
humilhação por serem objetos de barganha?
A vida é muito longa para se errar, mas brevíssima para se
viver. Se os homens refletissem filosoficamente sobre a
temporalidade da vida, tal reflexão estimularia a sabedoria e o
amor pelos direitos humanos. Compreenderiam que o intervalo
entre a meninice e a velhice se constitui de alguns instantes.
Todavia, desprezam a sabedoria.
A sabedoria sempre foi atributo de poucos, de uns “tolos”
que se desviaram do sistema. Por desprezarem a sabedoria,
mataram, feriram, escravizaram, estupraram, discriminaram. Se
há um Deus Todo-Poderoso, que assiste todos os dias às loucuras
humanas, por que ele não intervém na humanidade e faz
rapidamente a justiça? Por que ele permitiu inclusive que a pessoa
mais dócil que transitou nesta terra, Jesus, morresse da maneira
mais violenta?
Alguns ainda argumentam que Deus não existe porque
nunca O viram, nunca O perceberam com seu sistema sensorial,
Ele nunca abalou os céus e a terra diante dos seus olhos. Deste
modo, considerando todas as misérias humanas e a “aparente”
não intervenção de Deus nestas misérias, a primeira hipótese
que salta à mente de muitos é a de que Deus é um fruto
espetacular do cérebro humano. Ele não existe, por isso não
intervém.
Nesta hipótese, o cérebro, por ser tão sofisticado,
arquitetou a fantástica idéia de Deus por pelo menos dois
O mais Ambicioso Plano da História
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
188
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
grandes motivos. Primeiro, porque crendo na idéia de Deus as
intempéries da vida seriam mais suportáveis. Segundo, para
alimentar a esperança da eternidade. Quantos homens, ao longo
dos séculos, entraram em grande conflito existencial
perguntando para si mesmos: Será que Deus é uma imaginação
da mente humana ou é a maior verdade do universo?
Agora procurarei provar o contrário, que Deus existe. Ele
é real e fez e faz muito mais pelo homem do que imaginamos,
só que tem características de personalidades bem definidas que
precisam ser conhecidas, caso contrário, jamais O entenderemos.
Mas se Ele existe por que não intervém claramente nos eventos
da humanidade, nas lágrimas dos pais, nas injustiças e dores
humanas? Antes de entrar neste assunto e discorrer sobre as
duas outras hipóteses derivadas desse argumento, gostaria de
defender a tese de que Deus não é uma invenção do cérebro.
Gostaria de comentar sinteticamente que dentro do homem há
fenômenos que provam a existência de um Criador. Em minha
opinião, à medida que a ciência avança para explicar o mundo
dentro e fora do homem, ela se depara com lacunas e paradoxos
que só Deus pode explicar.
Deus não é uma
invenção do intelecto
Questionar a existência de Deus é oportuno, pois sabemos
que a ciência está cada vez mais se voltando para a espiritualidade.
O ateísmo, tão em moda na primeira metade do século XX,
começou a implodir nas últimas décadas. No século XXI o
homem terá mais tempo e mais sede para questionar e procurar
quem é o autor da vida, quem é Deus. Um dos motivos que
promove esta procura é o vazio deixado pela ciência. Nunca a
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
189
ciência avançou tanto, e nunca o homem esteve tão exposto
aos transtornos emocionais, tão vazio e sem sentido de vida.
O mundo moderno estimula excessivamente a emoção
humana, mas não produz emoções estáveis, ricas e singelas.
Nunca os cientistas se voltaram tanto para a idéia de Deus.
Muitos crêem que há um Autor da existência por detrás do
mundo físico, que explica seus paradoxos.
Para alguns deles, o mundo físico “matematizável”, ou
seja, que pode ser explicado e mensurado pela matemática tem
muitos fenômenos inexplicáveis, que ultrapassam os limites da
lógica. Há diversos cientistas afirmando que a teoria quântica
na física concebe a idéia de que há um Deus no universo, uma
consciência cósmica, uma causalidade descendente.
Os físicos têm suas razões para crer em Deus. Contudo,
os pesquisadores da psicologia, em minha opinião, se
conhecessem mais acuradamente o campo de energia psíquica
e o processo de construção de pensamentos teriam mais motivos
ainda. As maiores evidências de que há um Deus no universo
não estão no universo físico, mas na alma humana.
Em dois períodos da minha vida, rejeitei a idéia da
existência de Deus. Procurá-lo era perder tempo no imaginário.
Entretanto, ao me debruçar na pesquisa sobre os fenômenos
que constroem cadeias de pensamentos, fiquei pasmado.
Encontrei diversas evidências claras de que no processo de
construção da inteligência há diversos fenômenos que
ultrapassam os limites da lógica, tais como a governabilidade
do pensamento, o fenômeno da psicoadaptação e o fenômeno
do autofluxo*. Tais fenômenos só podem ter sido concebidos
por um Criador.
* Cury, Augusto J., Inteligência Multifocal, Editora Cultrix, São Paulo, 1998
O mais Ambicioso Plano da História
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
190
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Nós que pesquisamos em alguma área da ciência amamos
a lógica, apreciamos controlar nossos experimentos e os
fenômenos que observamos. Procuramos produzir
conhecimentos através de teorizar, medir, provar e prever.
Entretanto, há um sistema de encadeamento distorcido no
processo de construção de pensamentos que nos faz microdistintos
a cada momento. O pesquisador procura controlar o
mundo que pesquisa, mas sua construção de pensamentos tem
fenômenos incontroláveis. Quem gerencia totalmente a psique?
Não apenas dois cientistas, diante de um mesmo
fenômeno, produzem conhecimentos micro ou macro-distintos,
mas um mesmo cientista produz conhecimentos distintos de
um mesmo fenômeno observado em dois momentos diferentes.
Por quê? Porque nunca somos os mesmos.
As variáveis que estão no palco de nossas mentes e que
alicerçam a interpretação, tais como leitura da memória, estado
emocional, motivação, nível de stress, nos tornam distintos a
cada momento. Produzimos a lógica da matemática e da física,
mas nossa inteligência é tão espetacular que não cabe dentro de
um mundo lógico. Quem a teceu? Um fantástico Criador!
O território da emoção escapa ao controle lógico-científico.
Num instante podemos estar alegres e noutro, apreensivos; num
tranqüilos e noutro ansiosos. Que tipo de energia constitui nossas
emoções e a faz mudar de natureza em frações de segundos?
Às vezes, diante de um pequeno problema reagimos com
grande ansiedade e diante de um grande problema reagimos
com tranqüilidade. A matemática da emoção rompe com os
parâmetros da matemática numérica, o que nos torna belos e,
por vezes, imprevisíveis e complicados. A energia emocional
tão criativa, livre e imprevisível pode ser fruto apenas do
metabolismo cerebral? Não! O metabolismo cerebral é lógico
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
191
demais para explicar o mundo emocional e o sistema de
encadeamento distorcido no processo de construção de
pensamentos. Quem confeccionou a energia psíquica?
A teoria da evolução de Darwin, apoiada pelas mutações
e variabilidade genética, pode explicar a adaptação das espécies
diante das intempéries do meio ambiente, mas não explica os
processos ilógicos que ocorrem nos bastidores da alma humana.
Ela é simplista demais para explicar a fonte que gera o mundo
das idéias e das emoções. A alma humana precisa de Deus para
explicá-la...
Não apenas um pai produz reações distintas diante de um
mesmo tipo de comportamento de um filho observado em dois
momentos distintos, mas os cientistas também produzem
conhecimentos distintos, ainda que não o percebam, diante dos
mesmos fenômenos que observam.
Tais processos ilógicos são ruins? De modo algum. Eles
geram a intuição e produzem os saltos criativos, a inspiração, o
belo, as novas idéias que os cientistas não sabem explicar como
surgiram. Einstein disse, certa vez, que não compreendia como
surgiram as inspirações que contribuíram para a descoberta da
teoria da relatividade. Se a mente humana fosse lógica, o mundo
intelectual seria engessado, não teríamos inventado a roda, nem
a escrita. Não haveria escritor e nem leitor.
Reitero, nunca há um mesmo observador analisando um
mesmo objeto. Não apenas o observador mudou, mas o objeto
também mudou, pois nada no universo é estável. Tudo no
mundo físico passa por um contínuo processo de organização,
caos e reorganização, gerando um belíssimo trânsito de mão
dupla entre matéria e energia. Do mesmo modo, no mundo
psíquico, cada pensamento produzido no campo de energia
psíquica vivencia o caos e se organiza em novos pensamentos.
Só um Autor magnífico poderia conceber nosso intelecto!
O mais Ambicioso Plano da História
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
192
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Observe o mundo das idéias, a confecção das cadeias de
pensamentos. O mundo físico é regido por leis. Tais leis
governam os fenômenos e as relações entre si, o que gera limites.
Não podemos jogar um objeto para cima e esperar que a terra
vá até ele. Ele vem até a terra porque é atraído pela sua força
gravitacional. A lei da gravidade o controla.
Não podemos transformar um átomo numa molécula e
nem um elétron num átomo. Entretanto, no mundo das idéias
não existem tais limitações. Podemos pensar no que queremos,
quando queremos e do jeito que queremos. Construímos os
pensamentos com incrível plasticidade e liberdade criativa. Posso
transformar um grande pensamento numa pequena idéia. Posso
pensar no amanhã e viajar no passado, sendo que o amanhã
não existe e o passado é irretornável. Como podemos realizar
tais façanhas? Que tipo de energia constitui o mundo dos
pensamentos que o faz tão livre? Uma energia metafísica!
Tenho muito que falar sobre este assunto, pois o tenho
estudado durante vários anos, mas não é este o objetivo deste
livro. Só quero concluir que os fenômenos que constroem a
inteligência me convenceram de que Deus deixou de ser uma
hipótese remota e passou a ser uma realidade.
Há um campo de energia que está dentro do homem que
podemos chamar de alma e espírito e que não pode ser explicado
apenas pela lógica do cérebro, pela lógica da física e muito
menos pela lógica da matemática. A alma humana não é química.
A “idéia de Deus” não é uma invenção de um cérebro evoluído
que resiste ao seu fim existencial. Há algo em nós que coabita,
coexiste e cointerfere intimamente com o cérebro, mas que
ultrapassa seus limites. Algo que chamamos de alma, psique e
espírito humano. Algo que clama pela continuidade da vida,
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
193
mesmo quando pensa em suicídio, algo que clama pela
imortalidade.
Numa análise que tenho feito sobre a personalidade de
Freud*, o pai da psicanálise procurava inconscientemente
a eternidade, apesar de ter sido um judeu ateu. O amor atropelou
o pensador. O amor intenso de Freud por um dos seus netos,
que estava morrendo lentamente de tuberculose miliar, abalou
seus alicerces. Ao vê-lo morrer sem ter condições de resgatá-lo
para a vida, escreveu uma carta a dois amigos que não apenas
testemunhavam sua depressão, mas que evidenciavam que ela
representava uma dramática reação inconsciente diante do fim
da existência.
O caos emocional deste ilustre pensador evidencia que a
vida possui fatos inesperados e variáveis incontroláveis,
revelando que não há gigantes no território da emoção, que
todos somos eternos aprendizes nesta curta e sinuosa existência.
Enxergar as flores das primaveras num ambiente em que os
invernos desfolharam todas as plantas, como fazia o mestre da
vida, é o nosso maior desafio.
A alma humana tem inúmeros detalhes que acusam a
existência de um fantástico arquiteto da vida. Além disso, a
análise da personalidade de Jesus Cristo abriu as janelas da minha
mente, me fez ver a existência de maneira totalmente diferente
de como a via. Ninguém poderia criar uma personalidade como
a dele. O mestre dos mestres chegou ao limite da sabedoria, ao
ápice da tranqüilidade, ao topo da serenidade, num ambiente
em que imperavam as mais dramáticas violências físicas e
psicológicas. Quem na história foi como ele?
* Cury, Augusto J, A Depressão de Freud, Editora Academia de Inteligência, São Paulo, no prelo.
O mais Ambicioso Plano da História
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
194
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
2a. hipótese: Deus existe, mas a
humanidade é um projeto falido
Nesta hipótese, Deus existe, mas alguns crêem que a
humanidade é uma criação que não deu certo. Todas as injustiças
e dores humanas se perpetuam porque o Criador considerou a
humanidade um laboratório falido.
Para eles, o Autor da vida ficou farto dos assassinatos, das
discriminações, da intolerância, da agressividade que cometemos
diariamente nas sociedades. Percebeu que os homens, apesar
de construir ciência, criar cultura, produzir tratados de direitos
humanos, não conseguem se livrar das suas misérias e injustiças.
Homicídios, estupros, discriminações, guerras incontáveis,
crise do diálogo, fome, desigualdades sociais estão em todos os
capítulos de nossa história. A humanidade é uma experiência
do Criador da qual Ele desistiu. O homem é excessivamente
corrupto e destituído de afetividade. Ele governa o mundo
exterior, mas não administra a si mesmo, por isso não consegue
construir um mundo social justo, afetivo e irrigado com
solidariedade.
Os que crêem nesta hipótese acham que Deus nos
abandonou à própria sorte neste planeta azul, que mais
destruímos do que conservamos. Mergulhados no universo,
construímos religiões como tentativa de achar o elo perdido
entre a criatura e o Criador. Todavia, Ele esqueceu-se desta bela
e frágil espécie.
Nesta hipótese, o Autor da vida não nos destruiu, mas
encerrou nossos dias em poucos anos de existência. Depois da
morte, o fim do espetáculo da vida. Neste caso, o sonho da
imortalidade da alma seria apenas um belíssimo delírio religioso,
pois a morte nos faria deparar com o drama do “nada”, do
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
195
“silêncio eterno”, do “caos da inexistência”, da perda irreparável
da consciência. Com a morte do cérebro, as bilhões de
experiências de vida que tecem a colcha de retalhos da identidade
da personalidade se tornariam irrecuperáveis.
Os que defendem esta tese não percebem suas
conseqüências psicológicas e sociais. Os filhos nunca mais
ouviriam a voz dos seus pais, os pais nunca mais reencontrariam
os seus filhos, os amigos se separariam para sempre. Tudo aquilo
por que lutamos e nos afadigamos no palco da vida seria em
vão, pois, à ultima batida do coração, mergulharíamos na mais
dramática solidão, a solidão da inconsciência existencial: nunca
mais saberíamos quem somos, o que fomos e quem foram as
pessoas que amamos e com quem convivemos.
3a. hipótese: Deus existe e traçou um projeto
inimaginável para resgatar a humanidade
Terceiro, Deus existe, mas criou o homem à sua imagem
e semelhança e o colocou na bolha do tempo e lhe deu plena
liberdade para agir segundo a sua consciência. Nesta hipótese,
Deus criou o homem de maneira tão elevada que respeita as
decisões humanas. Deu livre arbítrio para o homem escrever a
sua própria história. Não criou um robô, mas um ser que pensa,
que decide e que pode não apenas agir segundo a sua consciência,
mas amar e rejeitar o próprio Deus. Esta tese revela que o Autor
da vida é grande em poder e maior ainda em dignidade, pois
somente alguém tão grande pode ter a coragem de deixar que
os outros o rejeitem.
Nessa terceira hipótese, Deus sabe de todas as injustiças,
de todos os sofrimentos, de todas as mortes das pequenas
crianças, dos sofrimentos dos pais, dos escravos, dos injuriados,
O mais Ambicioso Plano da História
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196
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
dos miseráveis de nossa espécie. Restaurará a vida, devolverá a
identidade dos mortais, reorganizará a personalidade das crianças
ceifadas pelo fim da vida, aliviará toda dor, enxugará toda lágrima
e a morte não mais existirá60.
Podemos nos perguntar: mas o tempo demora a passar,
por que Deus não estanca logo as dores humanas? Para nós, o
tempo é demorado; para Ele, não. Nós vivemos no parêntese
do tempo, ele vive fora dos limites do tempo. O tempo não
existe para o Eterno!
A terceira hipótese é descrita nos quatro evangelhos como
a maior das verdades. É sobre ela que vou discorrer nos próximos
textos. Nela, ele traçou um plano para resgatar o homem. Sem
compreender este plano, poderíamos considerar que seu
julgamento e morte foram atos de suicídio, pois só este plano
justifica o fato de Jesus revelar que possui um poder que nenhum
homem jamais teve e, ao mesmo tempo, se deixar morrer sem
qualquer resistência. Somente um plano fascinante poderia
explicar por que o mestre da vida se deixou passar pelos
patamares mais indignos da dor física e emocional. Se tomarmos
qualquer parâmetro, seja ele filosófico, psicológico, sociológico,
psicopedagógico ou teológico, constataremos que seu plano é
o mais espetacular da história. Vejamos.
O mais ambicioso plano da história
Todo ser humano à medida que desenvolve sua consciência
quer saber qual o sentido da vida. Procuramos este sentido nos
diplomas, nas riquezas, nos projetos filantrópicos, no bem estar
social. Como andarilhos nesta complexa existência,
freqüentemente indagamos: Quem somos? Por que existimos?
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
197
Contudo, não poucas vezes, quanto mais procuramos nossas
respostas, mais expandimos nossas dúvidas.
O homem é uma pergunta que por dezenas de anos busca
uma resposta. Quem não se perturba diante dos mistérios que
cercam a vida ou está entorpecido pelo sistema social ou nunca
usou com profundidade a arte de pensar. Trabalhamos,
compramos, planejamos o futuro, mas não percebemos que
somos minúsculos pontos inseridos no espaço.
Olhe para a lua, imagine-se pisando em seu solo. Perceba
o quanto somos pequenos. Parece que somos donos do mundo
e entendemos tudo. Ledo engano! Não somos donos de nada,
nem da vida que pulsa em nossas células. Não entendemos quase
nada. Em qualquer área do conhecimento, a ciência produziu
conhecimento no máximo sobre cinco ou seis perguntas
seqüenciais. A ciência éútil, mas o conhecimento que possuímos
pode se tornar um véu que cobre nossa ignorância.
Tome por exemplo a química. Conhecemos a matéria, as
moléculas, os átomos, as partículas subatômicas, as ondas
eletromagnéticas. O que conhecemos depois disto? Muito pouco,
todavia depois disto há ainda uma escala infinita de eventos. A
ciência é inesgotável e mal arranhamos a tinta da grande casa
do conhecimento. Atados ao tempo e ao espaço, queremos
entender o mundo e mal sabemos explicar quem somos.
Havia um homem que via o mundo além do tempo e do
espaço. Nunca destacaram sua altura, portanto devia ter estatura
mediana, menos de 1,80 m. Era fisicamente pequeno como
qualquer um de nós, mas naquele homem se concentrava a força
criadora do universo e de tudo o que há vida, toda a energia
cósmica.
Um dia, quando os fariseus debatiam com o mestre, ele
disse uma palavra que ninguém em plena sanidade mental tem
O mais Ambicioso Plano da História
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198
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
coragem de dizer. Disse que sabia de onde tinha vindo e para
onde iria61. Nenhum de nós sabe de onde viemos e para onde
vamos a não ser que usemos a fé. A fé é a ausência da dúvida,
mas, se usarmos exclusivamente a razão, temos de confessar
que a dúvida é a mais íntima companheira de nossa existência.
Nunca admire demais os intelectuais, eles são, como todo
mundo, “perguntas vivas” que perambulam por essa misteriosa
e momentânea existência.
Como Jesus Cristo podia afirmar que sabia de onde vinha
e para onde ia? São impressionantes os paradoxos que o
cercavam. Ao mesmo tempo que previa a sua morte, ele afirmava
que antes desta curta existência ele existia e, depois dela, ele
continuará existindo. Ao ser preso, todos os seus amigos o
abandonaram. Ao ser crucificado, seus amigos e inimigos
pensaram que ele havia mergulhado no caos da morte. Mas, ao
contrário da lógica, previa que sabia para onde ia. Expressava
que ia além de um túmulo fechado, escuro e úmido.
Somos exclusivistas; ele, inclusivista. Sua missão era
surpreendente. Não veio para fundar uma nova escola de dogmas
e idéias. Seu plano era infinitamente maior do que isto. Veio
introduzir o homem na eternidade, trazê-lo de volta ao Autor
da vida e dar-lhe o seu Espírito. Como fazer isto? Vejamos
primeiro os meios para compreendermos os fins.
Se há livros misteriosos, saturados de palavras e de
situações enigmáticas são os evangelhos. Nos textos destes livros,
há indicação clara de que o nascimento, o crescimento, o
anonimato, a profissão e a missão de Jesus foram estritamente
planejados.
Nada foi ao acaso. Este planejamento fica claro no texto
em que Jesus descreve seu precursor, aquele que foi encarregado
de apresentá-lo ao mundo62. Ele descreve que João Batista veio
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
199
propositadamente como um homem estranho, com vestes,
alimentação e moradia incomuns. João vestia pele de camelo,
comia gafanhotos e mel silvestre e morava no deserto. Nada
mais estranho. Convenhamos, nenhum apresentador de um rei
teria tal comportamento.
Jesus disse aos fariseus sobre seu precursor: “O que
esperavam? Um homem com vestes finas?”. E continua discorrendo
que os que têm vestes finas habitam nos palácios, enquanto ele
e João Batista optaram por ter uma vida sem privilégios sociais.
Eram comuns por fora, mas ricos por dentro.
O Autor da vida não queria que o homem se dobrasse
aos seus pés pelo seu poder, mas por seu amor. O poder
financeiro e político sempre fascinou mais o homem do que o
amor. Mas apareceu alguém que até hoje nos deixa perplexos.
Poderia ter o mundo aos seus pés se usasse seu poder, mas
preferiu ser amado a ser temido. Por incrível que pareça, o Todo-
Poderoso veio procurar amigos e não escravos, por isso veio
pessoalmente conviver com os homens. Diferente de Deus, o
homem quanto mais conquista poder, mais perde seus amigos.
Segundo os textos dos evangelhos, Deus tem plena
consciência de todas as necessidades humanas. Cada dor,
angústia ou aflição tocam sua emoção. Ele nunca esteve alienado
ao pranto dos pais que perderam seus filhos. Esteve presente
em cada lágrima que eles derramaram, em cada momento de
desespero que viveram. Penetrou em todos os momentos de
solidão e de descrença da vida que tiveram.
Certa vez, ao ver uma viúva da cidade de Nain, que perdera
seu único filho, Jesus ficou profundamente sensibilizado. Ela
não precisou dizer nada a ele sobre sua solidão. Ficou tão
emocionado com sua dor que fez um milagre sem que ela lhe
pedisse.
O mais Ambicioso Plano da História
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200
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Apesar de saber de todas as coisas, Deus não intervém na
humanidade como gostaríamos que ele interviesse e como ele
desejaria intervir, caso contrário, passaria por cima dos seus
próprios princípios. Transgrediria a liberdade que dá ao homem
em seguir seu próprio destino na pequena bolha do tempo.
Observem o comportamento de Jesus enquanto
caminhava na Judéia e na Galiléia. Ele nunca pressionava o
homem a segui-lo, nem mesmo usava seus milagres para subjugálo.
Somente isto explica por que não impediu Pedro de negá-lo
nem Judas de traí-lo. Comunicou o que eles iriam fazer e não
fez nada para mudar a disposição deles. Nunca alguém honrou
tanto a liberdade humana. Discursamos sobre a liberdade nos
tratados de direito e de filosofia, mas pouco a conhecemos.
Deus não poderia dar menos liberdade àqueles que
possuem a sua imagem e semelhança do que dá para si mesmo.
O Autor da vida sempre respeitou a liberdade do homem porque
sempre respeitou a sua própria...
Às vezes, o homem anda por caminhos desconhecidos,
por trajetórias acidentadas. Tal trajetória gera a necessidade de
milhares de diálogos entre ele e Deus e, por fim, tal comunicação
se torna um memorial entre eles. O mestre da vida suportou
um sacrifício tão grande para gerar homens livres e felizes e não
máquinas humanas por ele controladas.
Um dia as crianças que morreram na mais tenra infância
conquistarão uma personalidade: construirão idéias, sentirão,
decidirão, terão uma história. Ele mesmo disse que o reino dos
céus era das crianças, não apenas das de pouca idade, mas
principalmente daqueles que não se diplomam na vida, que não
se contaminam com a auto-suficiência63.
Por um lado, os homens o julgaram e o odiaram
injustamente; por outro, planejou cada passo do seu julgamento
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
201
e morte. Com precisão cirúrgica, traçou os eventos de sua vida.
Por incrível que pareça nada escapou ao seu controle. Os homens
planejam construir uma casa, fazer uma pós-graduação, ter um
plano de previdência, mas ninguém planeja seu fim e muito
menos o seu caos. Ele disse claramente a Pilatos que tinha vindo
à terra com um propósito específico. Era um mestre e um
maestro da vida. Enquanto traçava o seu plano, afinava a emoção
dos homens e os ensinava a viver.
Todo homem que quer brilhar em sua história necessita
ser empreendedor, criativo, ter uma dose de ousadia e possuir
metas bem elaboradas. Sua criatividade e ousadia para cumprir
suas metas eram fascinantes. Planejou morrer pela humanidade
de um modo específico e num tempo determinado. Amou
apaixonadamente uma espécie que não conhecia a linguagem
do amor.
Aos olhos dos filósofos, dos pensadores humanistas, dos
cientistas sociais e até do senso comum é incompreensível a
morte de Jesus. Porém, se sairmos da bolha do tempo, do sistema
social em que vivemos e das preocupações da existência que
entorpecem nossa mente, compreenderemos a intenção
subjacente do mestre da vida. Uma luz brilhará em nosso espírito
e arejará o palco de nossas mentes. Então, compreenderemos
que ele foi o maior empreendedor de que se tem notícia.
Jesus Cristo não veio inaugurar uma nova escola de
pensamento, novos rituais espirituais e nem estabelecer regras
de comportamento, embora estabelecesse nobilíssimos
princípios de conduta. Não era segregacionista, embora
inicialmente tivesse vindo abrir as janelas da mente dos judeus.
Seu plano incluía todos os homens de todas as religiões. Os
O mais Ambicioso Plano da História
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
202
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
judeus, os islamitas, os budistas, os induístas, os sufistas, os
negros, os brancos, os amarelos, os ricos, os miseráveis, as
prostitutas, os puritanos, os doentes, os sadios, enfim, todo ser
humano de qualquer época e cultura faz parte do seu projeto.
O Criador, através do seu unigênito, queria dar uma
longevidade à humanidade que a medicina jamais sonhou em
dar aos cambaleantes mortais e estabelecer uma justiça que os
fóruns do mundo inteiro jamais imaginaram que existisse. O
mais justo e dócil dos homens veio sangrar pelos homens e
causar a maior revolução da história da humanidade. Que plano
fenomenal!
Apesar deste plano ser inigualável, temos de indagar: Se
há um Criador com infinda sabedoria, por que não arrumou
um modo mais fácil para resgatar a humanidade? Por que o
filho do Altíssimo precisou nascer num estábulo, crescer de
maneira simples, lombar madeira nas costas, dormir ao relento,
ser torturado, ter seu corpo coberto por hematomas, ser
humilhado publicamente e, por fim, morrer lenta e
dramaticamente cravado numa trave de madeira?
Para responder a estas perguntas temos de ler inúmeras
vezes suas biografias e o tanto quanto possível nos esvaziar dos
nossos preconceitos e enxergarmos o problema da humanidade
com os olhos do mestre.
O problema está na essência do homem e ligado a dois
pontos fundamentais: à debilidade física do corpo e à
incapacidade do homem de gerenciar seus pensamentos e
emoções. Segundo o pensamento de Jesus Cristo, o corpo e a
alma do homem são fragilíssimos, mesmo quando os parâmetros
médicos e psiquiátricos dizem que estão saudáveis. Vejamos.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
203
Um sacrifício para tornar
o mortal em imortal
Desde pequenos estamos acostumados a detectar e
resolver problemas. Entretanto, o maior problema humano não
pode ser extirpado: a morte. O discurso contínuo e eloqüente
de Jesus sobre a vida eterna embutia o conceito de que para ele
o corpo humano estava falido. Falido não por doenças clássicas,
mas na sua essência, estrutura física, por isso ele morre. O mestre
nunca temeu a morte e nunca a encarou como um processo
natural, mas como um problema a ser extirpado da história
humana.
Ninguém consegue conter os processos metabólicos que
conduzem à velhice. A medicina está descobrindo que milhares
de genes estão envolvidos no caos da vida. Um bebê recém
nascido, apesar de ser tão novo, é suficientemente velho para
morrer.
Quando estamos no ápice da saúde temos a sensação de
sermos imortais, mas morremos todos os dias. Fazemos seguro
de vida, seguro saúde, seguro do carro, colocamos grades nas
janelas, alarme na casa, mas não impedimos que a vida se esgote
no cerne de nosso metabolismo.
Nada neste universo é eterno, estável. Nenhum planeta,
átomo ou estrela dura para sempre. Quem detém os melhores
conhecimentos da física sabe, como disse, que o mundo físico
se organiza, passa pelo caos e se reorganiza novamente. Segundo
o homem mais misterioso que passou nesta terra, o Autor da
vida é o único que possui uma vida que não sucumbe ao caos,
que não possui princípios de dias e fim de existência. Este
homem era aparentemente um simples carpinteiro, mas disse
O mais Ambicioso Plano da História
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
204
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
que era o “pão da vida” e que quem dele comesse teria a vida
eterna! Seu ambicioso plano visa a dar uma vida infindável ao
temporal. Como isto é possível?
Ele se tornou um homem para cumprir sua justiça no
lugar da criatura humana. Diferente de todos os credores,
sacrificou-se para pagar o débito que o homem tinha com seu
Pai. Deste modo, pode dar gratuitamente algo impensável e
invendável à humanidade, a sua natureza eterna e incriada. Aos
seus olhos somente tal natureza pode fazer o homem
transcender a bolha do tempo e sair da condição de criatura
para ter o status de filho de Deus. Crer nisto entra na esfera da
fé. Todavia, em detrimento da fé, não há como não reconhecer
a grandeza do seu plano.
Tinha todos os motivos para desistir diante de Anás, Caifás,
Pilatos e Herodes Antipas e acabar com suas sessões de tortura,
mas não o fez. Pensou em cada um dos seus amigos. Lutou
sem desferir golpes em seus adversários. Lutou até morrer uma
luta que não era sua. Levou seu plano até às últimas
conseqüências. Num ambiente onde só era possível gritar, urrar
de dor, odiar e condenar, optou pelo silêncio.
Para sintetizar um novo medicamento que combata
doenças e prolongue alguns anos de vida são gastos, muitas
vezes, centenas de milhões de dólares. O mestre da vida gastou
a energia de cada célula do seu corpo para tornar realidade o
sonho da imortalidade.
Transformando a essência da alma humana
Jesus Cristo não morreu apenas para tornar realidade o
sonho da imortalidade, mas para conduzir o homem a navegar
no território da emoção e a desenvolver as funções mais altruístas
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
205
da inteligência. Ele almejava transformar e enriquecer a natureza
da sua alma e de seu espírito. Para ele, por mais que o homem
se esforce, não tem um prazer estável, não sabe amar, não sabe
se doar, não é íntimo da arte de pensar, não sabe ser livre e
nem governar suas reações, principalmente quando aumenta a
“temperatura” da sua emoção, quando vive situações tensas e
estressantes.
Não apenas o corpo humano é frágil, mas a sua estrutura
psicológica também o é. Olhe para as reações que ocorrem
freqüentemente no palco de nossas mentes. Quem gerencia
plenamente seus pensamentos e emoções? Quem é líder do seu
próprio mundo? Dominamos o mundo que nos cerca, mas
somos tímidos no controle de nossas angústias e ansiedades.
Facilmente perdemos a paciência com os outros. O mais
calmo dos homens tem seus limites. Sob determinados focos
de tensão pode reagir sem pensar e ferir as pessoas que mais
ama.
Não precisamos fazer esforço algum para sermos egoístas
e individualistas, tais características surgem espontaneamente
ao longo do processo de formação da personalidade. Contudo,
se quisermos nos doar, trabalhar em equipe e nos preocupar
com o bem estar social precisamos de uma excelente educação
e de um esforço diário para incorporarmos essas características.
Todos amamos o prazer e almejamos viver dias felizes.
Todavia, freqüentemente somos nossos principais carrascos.
Nós nos entulhamos com pensamentos negativos, preocupações
existenciais e problemas que ainda não aconteceram. Além disso,
temos baixa capacidade de sentir o prazer com o que temos e
de contemplar o belo nos pequenos eventos da vida. Da
meninice à velhice a tendência natural da emoção humana não
é uma escala ascendente de prazer, mas de entristecimento. As
O mais Ambicioso Plano da História
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
206
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
crianças são mais alegres que os adolescentes, que são mais
alegres que os adultos, que são mais alegres que os idosos.
Olhe para a sua experiência, você é mais alegre hoje ou no
passado? Conquistamos dinheiro e cultura, mas pouco a pouco
perdemos a singeleza da vida. Embora haja idosos no corpo de
jovens e jovens no corpo de idosos, com o passar do tempo
temos tendência em expandir uma série de “favelas”, “bairros
mal iluminados”, “lixo”, na grande cidade da memória. O
fenômeno RAM (registro automático da memória) registra
involuntariamente todos os conflitos, preocupações,
pensamentos negativos, fobias, ansiedade na memória,
entulhando nosso inconsciente, deteriorando nossa qualidade
de vida.
Vamos comentar novamente sobre a fome e a injustiça
social. Temos superabundância de alimentos, mas milhões de
crianças e de adultos morrem de fome todos os anos. Será que
não há um grupo de líderes políticos que é capaz de estabelecer
critérios para se produzir um imposto mundial no comércio
exterior que subsidie a oferta de alimentos para os miseráveis
de nossa espécie?
Somos brancos, negros, americanos, alemães, franceses,
brasileiros, chineses, mas perdemos o sentido de espécie. Não
parece que pertencemos à mesma espécie, não somos
apaixonados uns pelos outros. Quantos de nós temos prazer
de entrar no mundo das crianças, dos colegas de trabalho e das
pessoas íntimas que nos circundam? Uma das maiores
gratificações que tenho como psicoterapeuta é descobrir o
mundo interessante de pessoas que me procuram. Cada ser
humano, ainda que viva no anonimato, possui uma história
espetacular, mas nós não nos damos conta disso. Temos o
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
207
privilégio de ser uma espécie pensante, mas nem sempre
honramos nossa inteligência.
O mestre dos mestres da escola da existência deixou claro
em seus pensamentos, parábolas, reações e nas críticas dirigidas
aos fariseus que a essência da alma humana estava adoecida.
Estava convicto de que o homem era líder do mundo exterior,
mas não do interior. Percebia que a insatisfação e a ansiedade
aumentava pouco a pouco à medida que passavam os anos.
Por isso convidava as pessoas a beber do prazer que dele
emanava, da sabedoria que dele fluía, do amor que dele jorrava,
da mansidão que dele borbulhava.
Almejava mudar a essência da alma humana. Planejou que
o homem conquistasse uma vida lúcida, serena, sábia, alegre,
tranqüila e saturada de paixão pela existência. Enxergava longe,
queria mudar os paradigmas humanos e fazer a humanidade
alcançar o sucesso de dentro para fora. Objetivava alcançar
metas nunca alcançadas pela filosofia e ciências sociais. Os mais
excelentes capitalistas e os mais notáveis socialistas ficariam
perturbados se compreendessem os detalhes do plano do
carpinteiro da vida. Ele veio com a maior de todas as
incumbências, com a missão de produzir um novo homem:
feliz e imortal.
O mais Ambicioso Plano da História
A INTELIGÊNCIA
DE DEUS:
O TODO-PODEROSO
TEM O QUE APRENDER?
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
CAPÍ T U L O 1 2
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
211
A Inteligência de Deus: O Todo-Poderoso tem O que Aprender?
A insondável personalidade
do Autor da existência
Se lermos os evangelhos sob a ótica do mestre da vida
extrairemos o seguinte pensamento: “O Deus ilimitado vestiu
o manto das limitações humanas não para julgar o homem,
mas para amá-lo e compreendê-lo”. O homem quer ser Deus,
mas Deus quis ser um homem...
Nenhum homem que viveu os mais sublimes sentimentos
chegou a amar tanto. Se há alguma coisa da qual Jesus possa
ser acusado é de não pensar em si mesmo. Quanto mais forte é
o amor de um homem, mais coragem ele tem. Não conheço
alguém que desafiou mais o mundo ao seu redor do que o mestre
de Nazaré.
Como Jesus expressa ter uma natureza divina, é necessário
procurar entender algumas características da personalidade de
Deus para compreendermos que tipo de esforço Ele fez para
cumprir seu plano e quais os meios que empregou para executálo.
Não pensava em entrar neste assunto quando me propus a
analisar a inteligência de Cristo. Meu desejo era e ainda é analisar
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
212
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
a sua intrigante e bela humanidade. Entretanto, cheguei a um
grande impasse. Se não compreendermos minimamente a sua
face divina não compreenderemos o que o motivou a morrer
sem nenhum heroísmo.
Sua morte não objetivava inscrever seu nome nos anais
da história. Ela foi carregada de vexames, vergonha e dor. Ao
contrário do que muitos pensam, Jesus escolheu a morte mais
humilhante, a que poderia apagar para sempre seu nome da
história. O eloqüente apóstolo Paulo tinha razão quando dizia
que a morte de Cristo na cruz era escândalo para os judeus e
loucura para os filósofos.
Jesus Cristo abalou o mundo não pela sua morte, mas
pelas suas palavras e gestos proferidos enquanto vivia e morria.
Quando o vigor lhe faltou, ele foi ainda mais fascinante. Vamos
fazer uma empreitada e investigar agora algumas características
de Deus descritas no maior best seller de todos os tempos: a
Bíblia. Antes de descrevê-las quero enfatizar que os presentes
textos tratam de uma análise imperfeita e limitada.
Felipe, um dos seus discípulos, certa vez lhe perguntou:
“Senhor, mostra- nos o pai e isso nos basta”. Jesus fitou-o e disse uma
frase que o chocou: “Felipe, há tanto tempo estou convosco e não me
conheces”64. Em seguida, começou a dizer que ele e o Pai são um,
que seu Pai estava nele e ele estava no Pai. Que mistério é este?
É difícil, se não impossível, distinguir o Deus filho e o
Deus Pai. É um grande desafio estudá-los. Em alguns momentos,
o Pai e o filho parecem separados; em outros, eles são um.
Quem quiser entender este assunto deve bater à porta de
ilustres teólogos. Alguns talvez digam o que concluí em minha
investigação: não temos capacidade intelectual para compreender
plenamente a personalidade do Autor da existência descrita nas
Escrituras. Como pode um grão de areia compreender a
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
213
dimensão do oceano? Se não compreendemos diversos
fenômenos que agem em milésimos de segundos para produzir
o mais débil dos pensamentos, como poderemos compreender
a mente daquele que reivindica ter tecido nossa inteligência?
Tenho estudado a personalidade de alguns grandes homens
como Vincent Van Gogh, Freud, Machado de Assis e outros.
Estudar a personalidade deles é um desafio, mas não se compara
ao desafio de estudar a inteligência de Cristo, principalmente
no que tange sua face sobre-humana.
Onipotente
Deus é Onipotente65, ou seja, pode realizar tudo o que
quer, quando quer e do jeito que quer. Como vimos, Ele é Todo-
Poderoso. A essência do seu ser concentra um poder ilimitado.
Só se submete ao conselho de sua própria vontade. Tudo que
possamos imaginar sobre sua grandeza é apenas uma fração do
que Ele é.
Nós produzimos conhecimento e executamos tarefas
dentro dos limites das leis da biologia, da química, da física.
Mas o carpinteiro de Nazaré executava a sua vontade sem
qualquer necessidade de obedecê-las. Quem era este homem
que subjugava as leis do mundo tangível?
Para curar um leproso, infectado por milhões de bactérias,
Ele dava uma ordem e simplesmente seu organismo ficava
restaurado, desrespeitando as leis da biologia. Para ressuscitar
uma pessoa morta, Ele ordenava o retorno à vida e o
metabolismo dela, que estava dramaticamente esfacelado pela
falta de oxigênio e nutrientes, era reorganizado.
Por duas vezes Jesus fez milagres que questionam todos
os limites da física, todas as possibilidades da teoria quântica e
A Inteligência de Deus: O Todo-Poderoso tem O que Aprender?
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
214
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
da relatividade de Einstein. Ele multiplicou pães, gerou matéria,
criou algo inexistente, pelo simples desejo de sua vontade. Ou
esse fato foi uma ilusão coletiva ou aquele carpinteiro brilhante
realmente possuía divindade.
Não podia ser uma ilusão coletiva, porque não fez discurso
para realizar este milagre e, portanto, não induziu as pessoas a
acreditarem em seu poder. O relato destas passagens revela que
a matéria simplesmente se multiplicou sem que a multidão, à
exceção dos discípulos, se apercebesse do que estava
acontecendo. Aquele misterioso homem não se submetia às
leis da ciência; as leis da ciência se submetiam a ele66.
O Todo-Poderoso não precisa elaborar processos e calcular
energia para executar seus projetos. Seu pensamento consciente
não é de natureza virtual como o pensamento humano. Seu
pensamento cria, gera, faz surgir algo novo do nada.
O Onipotente não precisa da ciência para atingir suas
metas, pois concentra em si mesmo uma energia criadora
ilimitada. É o único ser que faz tudo o que quer, quando quer e
do jeito que quer. Só é submisso à sua capacidade de pensar e à
sua consciência!
Onisciente
Deus também é Onisciente67. Ele é infinitamente sábio e
inteligente, conhece tudo em todas as épocas68. Não precisa,
como o homem, de tratados e nem de bibliotecas para conhecer
os fenômenos do mundo.
Temos de gastar anos pesquisando, avaliando dados,
interpretando fenômenos, para conseguir algumas respostas.
Entretanto, a cada dez anos o conhecimento que consideramos
verdade é derrubado por “outras verdades”. Somos limitados
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
215
em nossa produção científica, mas o Onisciente tem ciência de
tudo. Sua capacidade de assimilar, produzir e armazenar
informações é ilimitada. Não precisa do sistema sensorial, visão
e audição para perceber os fenômenos, pois penetra instantânea
e essencialmente em tudo que é visível e invisível sem necessidade
de pesquisá-los.
Os psicoterapeutas precisam gastar meses e anos para
penetrar no mundo dos seus pacientes, interpretá-los e
compreendê-los, ainda que parcialmente. O Onisciente não
interpreta os comportamentos, Ele penetra no âmago da alma.
Vê, toca e sente a essência das intenções, dos pensamentos, dos
sentimentos. Conhece cada porão do inconsciente, cada beco
da emoção e cada avenida do pensamento de cada ser humano.
Entramos nos labirintos da memória e em meio a bilhões
de opções resgatamos as informações que constituem as cadeias
de pensamentos. Cada pensamento é organizado têmporoespacialmente
por uma complexa conjugação verbal, inserindo
os sujeitos, substantivos e adjetivos num contexto. Nunca
pensamos ou assimilamos dois pensamentos de uma só vez. O
Deus Onisciente, ao contrário, pode produzir infindáveis
pensamentos simultaneamente. Sua capacidade de pensar é
multiconstrutiva e multidirecional.
Diferente da memória humana, que armazena fisicamente
as informações no córtex cerebral e pode ser afetada por doenças
tumorais e degenerativas, a memória dEle é inesgotável, não
depende de arquivos lógicos e sistemáticos.
Onipresente
Deus ainda é Onipresente69: está em todo tempo e em
todo lugar do universo. Nós lidamos com as variáveis do tempo
e espaço, o Onipresente não está limitado a essas variáveis. O
A Inteligência de Deus: O Todo-Poderoso tem O que Aprender?
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
216
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
tempo e o espaço inexistem para Ele, por isso une no mesmo
cordel o passado, o presente e o futuro. Habita na aurora e no
ocaso.
Qual é a origem do Deus Onipresente? Presos ao tempo,
ficamos perturbados querendo saber qual é a origem de Deus.
Quantas vezes perguntamos: como e quando Deus nasceu?
Muitos teólogos e filósofos perderam-se no labirinto dos seus
pensamentos tentando encontrar respostas insolúveis.
Fiz milhares de vezes essa pergunta. Travei inúmeras vezes
minha mente buscando respostas inalcançáveis. Sucumbi num
mar de dúvidas. Até que um dia uma luz brilhou no palco da
minha mente. Compreendi que o problema não está na resposta,
mas na pergunta. Concluí que as perguntas são frutos do sistema
de parâmetros existentes em nossa memória temporal.
Formamos nossas mentes com coisas que nascem e morrem,
que têm um início e um fim. Não conseguimos compreender
um ser que tem vida em si mesmo, que não tem princípio de
dias nem fim de existência70.
Nossa mente, por estar atada ao tempo e espaço, não
consegue imaginar alguém que nunca nasceu, que não teve
origem, que não teve um começo existencial, que sempre foi, é
e será. Um dos nomes intrigantes do Onipresente nas Escrituras
é “Eu Sou”: o que era, o que é e o que há de ser.
Ele é o Alfa e o Ômega, portanto, está nas duas pontas
do alfabeto grego, nos extremos de todos os parâmetros
imagináveis. Ele é a própria origem criadora do mundo existente.
Tudo que existe tem origem nEle. NEle foram criadas todas as
coisas do mundo físico e metafísico71.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
217
Um rei que nunca deixou seu trono
Certo rei teve um sonho. Nele, viu as misérias e as aflições
que abatiam os seus mais simples súditos. Teve um sono
perturbado. Ao amanhecer, brotou em sua alma um sentimento
que nunca tinha tido antes, a compaixão. Condoído com a
miséria do seu povo, resolveu se disfarçar de mendigo e sair
bem cedo pelas ruas do seu reino. Queria compreender de perto
as angústias das pessoas. Desejava passar fome, frio, sentir-se
rejeitado, viver anonimamente, enfim, viver o que a grande massa
do seu povo vivia. Pensou que somente conhecendo
intimamente o seu povo poderia ser um grande rei.
Chamou seus ministros, disse-lhes sua intenção e pediu
segredo. Comentou que pretendia ficar um mês longe das
mordomias do trono. Os ministros, encantados com sua
humildade, o aplaudiram. O rei, revelando uma modéstia nunca
antes demonstrada, agradeceu.
Travestido de mendigo saiu do palácio ocultamente, antes
dos primeiros raios de sol. Não se alimentou de seu farto café.
Às dez da manhã, pediu pão numa casa, recebeu um pedaço
embolorado. Recusou-se a comer e reclamou do bocado.
Paciência não era uma das suas virtudes, mas o rei procurou se
acalmar.
No almoço, de estômago vazio, sentiu um aperto na alma
e no peito nunca antes sentido, era a fome. Saindo pelas casas,
ganhou restos de comida do jantar da noite anterior. O cheiro
azedo embrulhou-lhe o estômago, não almoçou. Aos que lhe
negavam comida, esbravejava: “Miseráveis!”. Os donos das casas
nunca tinham visto um pobre tão petulante.
À tarde, encontrou alguns mendigos na praça. Puxando
A Inteligência de Deus: O Todo-Poderoso tem O que Aprender?
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
218
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
assunto, não lhe deram atenção. Insistiu para ser ouvido e não
o ouviram, perceberam nele um aroma de arrogância. Sentindose
desprezado, irou-se e levantou a voz. Em troca, recebeu alguns
tapas e safanões. Sabem o que aconteceu? O rei jogou a toalha
e retomou imediatamente o seu trono.
De volta ao palácio, listou os homens que o ofenderam e
mandou seus guardas encarcerá-los. Listou também os que lhe
negaram alimento fresco e mandou açoitá-los. Por que o rei
desistiu em menos de vinte e quatro horas de ser um homem
simples, de conhecer as misérias dos seus súditos? Porque
enquanto foi “povo”, nunca deixou de ser rei.
O desenvolvimento espetacular
da humanidade de Jesus
A história de Jesus está na contramão da história deste
rei. Ele saiu do seu trono, deixou seu imenso poder e pôde ser
achado entre os miseráveis de Israel. Os homens o zombaram,
feriram, mutilaram, mas ele nunca retrocedeu. Conseguia se
misturar de maneira tão íntima que as pessoas não conseguiam
defini-lo. Alguns diziam que ele era Deus, outros um profeta,
outros ainda um simples carpinteiro. O mestre da vida enquanto
foi “povo” deixou de ser rei. Sua realeza estava oculta dentro de
si. Quem quisesse enxergá-lo teria de ver o que os olhos não
viam.
Horas antes de ser preso, clamou ao Pai para que Ele o
glorificasse com a glória que tinha antes que houvesse mundo72
e, quando estava preso, disse aos homens do sinédrio que se
assentaria à direita do Todo-Poderoso. Quem era este homem?
Mateus revela algo esplêndido: o menino que nasceu há
dois milênios foi uma criança ímpar na história. Seu nome era
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
219
“Emanuel” 73, que quer dizer, “Deus conosco”. Segundo os
homens que viveram as pegadas do mestre de Nazaré e
escreveram as suas quatro biografias, o Deus Onipotente,
Onisciente e Onipresente deixou um dia sua majestade e veio
habitar entre os homens.
O filho de Deus entrou numa mulher humilde e especial.
Usou o material genético humano. Viveu uma vida embrionária
como qualquer criança. Confinou-se ao âmago de uma célula.
Esta célula se multiplicou em bilhões de outras, que pouco a
pouco foram diferenciadas pelo DNA. Ganhou tecidos que se
tornaram órgãos. Assim, como qualquer outro feto, adquiriu
um sistema nervoso, cardiocirculatório, gastrointestinal,
esquelético. O filho do Altíssimo que nunca foi limitado,
conquistou um corpo físico e precisou do sangue de Maria
para nutri-lo.
O unigênito de Deus que nunca se limitou ao tempo e
espaço, ficou confinado por nove meses ao pequeníssimo espaço
intrauterino. O útero de sua mãe humana, por mais tranqüilo e
confortável que fosse, era uma grande prisão. Antes de penetrar
na humanidade, podia estar em todos os cantos do universo,
mas agora seus movimentos se restringiam aos malabarismos
que fazia na piscina de líquido amniótico, como qualquer outra
criança.
Suportou e se equipou destas experiências. Por isso quando
adulto, amou profundamente as crianças. Sabia cuidar delas
como ninguém. Sabia educá-las melhor do que qualquer pai.
Por isso, quando elas morrem precocemente, é possível confiar
nele como o mestre da vida, pois não apenas é o Criador, mas
também um homem que viveu passo a passo todas as etapas do
desenvolvimento da infância.
Nas últimas semanas do desenvolvimento fetal
A Inteligência de Deus: O Todo-Poderoso tem O que Aprender?
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
220
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
experimentou o processo de nascimento que ele mesmo criou.
Cresceu muito como todos os fetos, e, como todos eles, ficou
sem espaço para se movimentar. Diminuiu seus movimentos,
perdeu a sua liberdade, se encaixou no colo uterino. Deste modo
preparou-se para ser expulso e suportar as turbulências da vida:
a fome, a sede, as cólicas intestinais, a luminosidade, os
transtornos sonoros.
Como Criador, sabia que se as crianças não se encaixassem
no colo uterino e não restringissem temporariamente sua
liberdade, teriam mais dificuldades de se adaptar aos estímulos
estressantes do mundo extra-uterino. Isso explica por que a
maioria das crianças que nasce prematura se torna hiperativa,
ansiosa, mesmo sem traços genéticos para tal comportamento.
Elas, ao nascerem, por ainda terem um pequeno corpo, gozavam
de grande liberdade para se movimentar dentro do útero.
Portanto, não tiveram tempo para aquietar o território da emoção
e se psicoadaptar adequadamente aos estímulos estressantes
sociais e físicos que teriam ao ser expulsas do útero materno.
Entretanto, a educação e o treinamento da emoção podem
lapidar a hiperatividade. Em casos mais graves, determinados
tipos de antidepressivos podem se tornar um excelente auxiliar
terapêutico para desacelerar a hiperprodução de reações e
pensamentos e propiciar condições para que o treinamento da
emoção as eduque.
O mestre da vida adquiriu um corpo físico de carne e
ossos e viveu uma vida humana genuína. Foi massageado pelas
contrações uterinas, expulso do útero e, como qualquer criança,
começou a sofrer. Experimentou cólicas geradas pelo
funcionamento do aparelho digestivo e pela fermentação de
alimentos. Alimentou-se do suco da vida contido no leito
materno.
Tempos atrás, o tempo e o espaço eram brinquedos em
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
221
suas mãos, mas agora está restrito ao pequeno corpo de uma
criança. O que se pode inferir é que, para ele, confinar-se ao
corpo de um bebê é como estar engessado da cabeça aos pés.
Para quem sempre foi livre, a falta da liberdade é angustiante.
Mas não se importou, pois veio conhecer intimamente a obra
prima da sua criação, a humanidade. Por amá-la, suportou todas
as limitações pelas quais passamos.
Todavia, deve ter sofrido incomparavelmente mais do que
todas as crianças, porque ao que tudo indica estava consciente
de todas as etapas do desenvolvimento de sua humanidade. Por
isso, com doze anos de idade, já expressava uma inteligência
que deixava atônitos os mestres de Israel.
Nesta mesma cena, deixou perplexos seus pais, ao dizer
que eles não deveriam ficar perturbados, pois ele estava na casa
de seu Pai, que na época era o Templo de Jerusalém. Quem o
ensinou a ler e ter uma sabedoria que superava a dos mestres da
lei com tão pouca idade? Menino Jesus escondia a sabedoria de
Deus.
Maria guardava em segredo as palavras de seu filho, pois
sabia que, antes de ser seu filho, ele era o filho de Deus. As
crianças nascem inconscientes e se tornam pouco a pouco
conscientes. Ele foi concebido como criança, mas conservou a
consciência de filho de Deus desde pequeno, o que lhe fez
aumentar as dores impostas pelas limitações físicas.
Tal consciência sobrenatural aos doze anos indica que ele
sempre teve consciência de sua identidade e de sua missão em
todas as etapas de sua infância. Desse modo, o embrião, o feto,
o bebê, o menino Jesus cresceu de modo assombrosamente
maravilhoso. O desenvolvimento da humanidade do mestre da
vida foi espetacular.
Na esteira deste pensamento, um profeta de Israel, Isaías,
comentou que um dia aconteceria um fenômeno incomum na
A Inteligência de Deus: O Todo-Poderoso tem O que Aprender?
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
222
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
terra, um menino diferente de todos os meninos nasceria. Seu
nome seria Deus forte, príncipe da paz, Pai da eternidade...74.
Como pôde Isaías, que viveu muitos séculos antes do nascimento
de Jesus Cristo, descrever no capítulo 53 com uma precisão
cirúrgica algumas características marcantes de sua personalidade?
Os quatro evangelhos podem ser assim sintetizados: O
Autor da vida foi até às últimas conseqüências para trazer o
homem de volta para si. Muitos não sabem, mas esses livros
escondem uma bela história de amor.
Deus tem o que aprender?
Se há um Deus no universo com as características descritas
no Velho e Novo Testamento, Ele não tem nada para aprender,
porque suas características revelam que Ele tem todas as
informações de todas as eras e de todos os tempos. Segundo o
grande Rei Davi, sua capacidade intelectual é tão grande que
penetra no âmago da alma e perscruta os pensamentos que
ainda não foram processados. As palavras que ainda não foram
proferidas em nossa boca, Ele já as conhece todas75. Sob este
prisma, Deus não tem nada para aprender.
Entretanto, o Todo-Poderoso tinha o conhecimento das
experiências humanas mas nunca as viveu. Não sabia o que era
dormir ao relento, fazer do chão frio uma cama e de uma pedra,
um travesseiro. Nunca havia sido zombado, humilhado, cuspido
no rosto; nem sabia o que era passar fome e sede. Nunca havia
sido desafiado, maltratado, rejeitado, nem experimentado
hematomas, traumas e dores físicas. Os relatos dos evangelhos
expressam que Ele se tornou um homem e em sua humanidade
aprendeu a passar por todas essas experiências, até aquelas que
a grande maioria de nós nunca passaremos. Como homem, Ele
se tornou o grande mestre da vida e nós, lentos aprendizes.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
223
A Inteligência de Deus: O Todo-Poderoso tem O que Aprender?
Todos gostamos de nos aquecer com um aconchegante
cobertor. Quem poderia imaginar o Deus eterno dormindo ao
relento? A noite se tornou seu lençol, enquanto o vento frio
roçava seu corpo. Ele tinha pele, músculos e fibras nervosas.
Sentiu as mais dramáticas dores, principalmente em seu
julgamento e crucificação. Mas não reclamou, ao invés disso,
era satisfeito e ainda tinha fôlego para aquecer a emoção dos
homens. Ao ter sede e fome não se revoltou, mas se colocou
como pão e água da vida.
Conversei com um cientista da Espanha, Phd em ciências
da educação e que orienta muitos doutorandos, sobre minhas
pesquisas relacionadas à construção do pensamento e à analise
da inteligência de Cristo. Ele ficou muito interessado e me
perguntou se tinha detectado nele alguma doença psíquica. Disse
que tentei, mas não consegui. Mostrei-lhe que sua humanidade
tinha sido invariavelmente saudável sob todos os ângulos
psicológicos e sociológicos.
Ele ficou meio desapontado e me disse que se Jesus tivesse
tido alguma doença emocional seria mais fácil nos espelharmos
nele, já que somos sujeitos a tantas doenças ansiosas e
estressantes. Comentei que apesar de não ter diagnosticado
nenhuma doença emocional, ele passou por reações depressivas
e ansiosas momentâneas da mais alta intensidade. Passou por
um concentrado de situações estressantes que deveriam afetar
completamente sua saúde psíquica, mas soube superá-las.
Comentei que mesmo para alguém que rejeita a idéia de
Deus, não há como deixar de ficar assombrado com sua saúde
psíquica e com seu projeto transcendental. E acrescentei que
todos os que lêem a sua história podem aprender profundas
lições e realizar um refinado treinamento da emoção capaz de
contribuir para gerar uma alta qualidade de vida.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
224
Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
O mestre da vida virou o mundo de cabeça para baixo,
estilhaçou todos os conceitos que o homem poderia ter sobre o
Criador. Era de se esperar que Jesus Cristo revelasse um Deus
frio, distante e que reivindicasse reverência absoluta dos homens
e exigisse que todos eles se prostrassem aos seus pés, mas, ao
invés disso, Ele prostrou-se aos pés dos homens.
Ninguém pode acusar o Autor da vida de não se importar
com as mazelas humanas, pois quando todos pensavam que
Ele estivesse infinitamente distante da humanidade, estava
jantando com leprosos, acariciando os miseráveis, tratando dos
deprimidos, dos ansiosos, dos feridos de alma.
Vejamos no próximo capítulo a manifestação da sua
humanidade e algumas de suas lições ímpares.
AS LIÇÕES E
TREINAMENTO DA
EMOÇÃO DO MESTRE
DA VIDA
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CAPÍ T U L O 1 3
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Mapeando a alma humana
O filho de Deus apareceu sorrateiro num estábulo, cresceu
de modo simples. Ninguém percebia claramente quem ele era.
Desejava respirar o mesmo ar que eles, tocá-los e conviver sem
barreiras.
Aprendeu cedo o ofício da carpintaria. Para aquele que se
colocou como autor do mundo era um verdadeiro teste construir
telhados. Para aquele que disse ter a mais alta posição do universo,
escalar casas e encaixar peças de madeira era uma grande
limitação, mas não se importou, não teve vergonha do seu
humilde trabalho. Embora tivesse a mais elevada cultura de todos
os tempos, teve a humildade de ser criado por pais humanos e
freqüentar a escola da vida. Foi um grande mestre porque
aprendeu a ser um grande aluno.
O carpinteiro de Nazaré tinha dois grandes ofícios. O
primeiro era trabalhar com a madeira e construir telhados; o
segundo, o mais importante, o que escondia sua verdadeira
missão, era mapear a alma humana. Veio compreender as raízes
As lições e Treinamento da Emoção do Mestre da Vida
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
mais íntimas do universo consciente e inconsciente do ser
humano. O mestre da vida mapeou o mundo dos pensamentos
e das emoções humanas como nenhum pesquisador da
psiquiatria e da psicologia.
Enquanto encaixava e pregava as peças de madeira e os
raios de sol queimavam-lhe o rosto, atuava como o mais excelente
observador do comportamento humano. João, seu discípulo,
escreveu que ninguém precisava dar relatos para ele sobre o que
era ser homem e quais suas intenções subjacentes, pois ele
mesmo se tornou um homem e como tal analisava atentamente
a natureza humana. Perscrutava embevecidamente cada
expressão facial e cada gesto das pessoas76. Transcendia a cortina
do comportamento e investigava com exímia habilidade os
fundamentos de cada reação humana.
Enquanto fazia calos nas mãos, ele compreendia as
dificuldades do ser humano em lidar com as perdas, críticas,
ansiedades, frustrações, solidão, sentimento de culpa, fracassos.
Enquanto visitava seus amigos e andava pelas ruas da pequena
Nazaré, analisava a ira, a inveja, o ciúme, a impaciência, a
instabilidade, a simulação, a prepotência, o desânimo, a baixa
auto-estima, a angústia, tudo que consumia diariamente a vida
das pessoas. Ninguém imaginava que escondido na pele de um
carpinteiro se encontrava o mais excelente mestre da vida.
Ninguém poderia imaginar que um homem que bateu martelos
estava fazendo uma análise detalhadíssima da humanidade.
Qual foi o resultado de tantos anos de investigação e análise
da alma humana? O resultado não poderia ser mais
surpreendente. As palavras que ele disse causaram assombro
até para um ateu radical. Quando abriu a sua boca ao mundo,
era de se esperar que Jesus Cristo condenasse e punisse com
veemência a humanidade, pois detectou todos os seus defeitos.
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Todavia, eis que ele bradou com a mais alta eloqüência palavras
com doçura e brandura como ninguém jamais falou, nem antes
nem depois dele. O perdão em sua boca virou uma arte; o amor
se tornou poesia; a solidariedade, uma sinfonia; a mansidão,um
manual de vida.
O mestre da vida, por amar intensamente o ser humano e
perceber as falhas contínuas que permeavam sua alma, ao invés
de tecer críticas às pessoas, acolheu calorosamente a todos. Sabia
que o homem, em sua grande maioria, gostaria de ser paciente,
gentil, solidário, amável, mas não tinha estrutura para submeter
a energia emocional e o processo de construção de pensamentos
ao pleno controle de sua vontade.
Compreendeu que o homem, apesar de ter capacidade de
controlar o mundo à sua volta, não conseguia controlar o mundo
dentro de si. Quando dizia aos seus discípulos que eles eram
homens de pequena fé, muitas vezes não se referia a milagres
sobrenaturais, mas ao maior de todos os “milagres naturais”
expresso pelo domínio do medo, da inveja, da ira, da ansiedade,
da angústia, do desânimo.
Aquele que esquadrinhou o funcionamento da mente
humana não considerou a humanidade um projeto falido, ao
contrário, veio consertá-la de dentro para fora, veio trazer
mecanismos para resgatá-la. Por isso, honrou e valorizou cada
ser humano do jeito que ele é, na esperança de poder transformálo.
Treinando e transformando a emoção
Um dia recebi uma ligação diferente em meu consultório.
A não ser em caso de urgência, peço para não ser interrompido
nas consultas. Mas uma pessoa pediu para interromper. Era
As lições e Treinamento da Emoção do Mestre da Vida
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
alguém expressando, não um problema, mas uma grande alegria.
Queria relatar uma experiência que teve ao ler o segundo livro
desta coleção, “O Mestre da Sensibilidade”. Disse-me que
possuía um grave conflito que o perturbava por décadas.
Comentou que seria um novo Hitler, pois odiava as pessoas
que o rodeavam e desejava assassiná-las. Não conseguia controlar
sua raiva pela sociedade.
Além disso, relatou que tinha desejo constante de suicídio,
que a vida não tinha mais qualquer sentido para ele. Havia
passado nas mãos de doze psiquiatras, mas sem nenhum sucesso
no tratamento. Nenhum medicamento e nenhum procedimento
psicoterapêutico o ajudou. Porém, após compreender como
Jesus navegava no território da emoção, como lidava com as
dores e frustrações da vida, como superava seus focos de tensão
e como vivia a arte de amar, uma revolução ocorreu em seu ser.
Disse-me que a leitura deste livro mudou a sua história.
Começou a penetrar dentro de si mesmo e a repensar os
parâmetros de sua vida. Começou a se perdoar e a ser afetivo
com as pessoas que o rodeavam. Uma paixão pela vida brotou
no cerne da sua alma. Sentia-se livre e feliz como nunca esteve.
Comentou que foi o melhor presente que recebeu em seus
sessenta anos de idade, por isso insistiu em me dar essa notícia.
Fiquei muito feliz por ele, entretanto estou convicto de
que a revolução que ocorreu em sua vida não foi causada por
mim, enquanto escritor, mas pela grandeza do personagem que
descrevo. Vários relatos semelhantes a esse têm ocorrido. O
mestre da sensibilidade mudava completamente a maneira das
pessoas de ver o mundo e de reagir nas relações sociais. Agora,
como mestre da vida, vemos uma outra face do seu ensinamento:
as lições de vida e o treinamento da emoção.
Muitos têm escrito sobre a emoção influenciando a
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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inteligência e o comportamento humano, mas não sabem que
há dois mil anos houve um mestre especialista em treinar as
áreas mais difíceis e belas da energia emocional.
Não impôs nenhuma condição para acolher as pessoas77.
Por conhecer as dificuldades do homem em administrar suas
emoções, ensinava sistematicamente que as relações sociais
deveriam ser pautadas pela compreensão, solidariedade,
paciência, respeito pelas dificuldades dos outros, amor ao
próximo e não pela punição e condenação. Sabia que sem tais
requisitos não era possível viver uma vida livre e satisfeita nessa
sinuosa existência.
As lições de vida e o treinamento da emoção que Jesus
deu aos seus discípulos eram elevadíssimos e podem enriquecer
a história de todos nós. Vejamos algumas delas.
Ensinou o caminho da simplicidade. Aprender a ser
simples por fora, mas forte, lúcido e seguro por dentro era uma
lição básica. Algumas pessoas pagam para sair nas colunas
sociais, mas os que andavam em suas pegadas aprendiam a
valorizar aquilo que o dinheiro não compra e o status social não
alcança.
Certas pessoas parecem humildes, mas têm uma humildade
doentia. Recentemente um jovem deprimido me procurou com
um profundo ar de penúria. Não olhava nos meus olhos. Dizia
que era feio, que não tinha cultura, que ninguém se importava
com ele e que não tinha inteligência para realizar nada de digno.
Muitos tentaram ajudá-lo, mas ninguém conseguiu.
Observando sua rigidez disfarçada de humildade, fitei seus olhos
e disse-lhe: “Você é um deus”. Espantado, ele me perguntou:
“Como assim?” Respondi: “Suas verdades são absolutas,
ninguém consegue penetrar no seu mundo. Você crê plenamente
naquilo que pensa. Só deus pode pensar de maneira tão absoluta,
sem se questionar”.
As lições e Treinamento da Emoção do Mestre da Vida
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
Então, ele começou a entender que era impenetrável, que
precisava abrir espaço para trabalhar seus conflitos e reciclar as
suas verdades. Entendeu que, por detrás da cortina da sua
humildade, havia uma pessoa impenetrável, auto-suficiente, que
agia como um carrasco de si mesma. Na psicologia clínica, o
“eu passivo e autopunitivo” é um problema maior do que a
própria doença do paciente.
A humildade que Jesus apregoava era um brinde à vida:
era inteligente, cativante e saudável, capaz de deixar atônitos
seus observadores. Amava agir com naturalidade e
espontaneidade. Não fazia acepção de pessoas. Jantava na casa
de qualquer família que o convidava e sentia-se tão bem no
meio das pessoas que freqüentemente se reclinava à mesa.
Ensinou a navegar nas águas da emoção. Uma das maiores
dificuldades da educação clássica é não saber como ensinar os
jovens a trabalhar com seus fracassos, angústias e medos. O
mestre da vida foi muito longe em seu treinamento. Treinou
seus seguidores a fazer dos seus fracassos nutrientes para as
suas vitórias; conduziu-os a não se conformar com as suas
misérias emocionais e a superá-las; levou-os a confrontar e vencer
o medo de doenças, da morte, de ser excluído socialmente,
humilhado, incompreendido, abandonado, ferido.
Ensinou o caminho da tranqüilidade. Treinou seus
discípulos a encontrar a paz interior através de perdoar seus
inimigos. Ensinou que para amá-los era necessário tirar a trave
dos olhos e enxergar a própria debilidade, assim teriam maior
visibilidade para compreender as causas subjacentes dos
comportamentos daqueles que os feriam78. Não julgando-os,
mas compreendendo-os, detectariam as razões que os motivaram
a desferir seus golpes. Detectando-as, estes golpes deixariam de
gerar raiva e produziriam compaixão. Deste modo, os inimigos
deixariam de ser inimigos.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
233
Jesus fez da capacidade de compreender e de enxergar o
mundo com os olhos dos outros atributos dos fortes. Os fracos
não resistem ao ímpeto de criticar, mas os fortes compreendem
e amam. O mundo podia desabar sobre o mestre da vida, mas
nada lhe roubava a tranqüilidade e perturbava-lhe o sono79.
Tamanha sabedoria o transformava no mais tranqüilo dos
homens, no mais calmo dos torturados, no único réu que dirigiu
seu julgamento.
Ensinou a nunca desistir da vida. Na parábola do filho
pródigo, o pai silenciou o filho quando ele começou a relatar os
seus erros. O filho pródigo não precisava de sermões, de punição,
de críticas, pois o peso das perdas já o fizera demasiadamente
infeliz. Ele precisava do aconchego do pai, do seu acolhimento,
de coragem para não desistir da vida. Por isso, ao contrário de
todos os pais do mundo, ao invés de dar uma merecida crítica,
fez uma grande festa para o filho rebelde, insolente e insensível.
O filho ficou chocado com a amabilidade de seu pai e por isso
aprendeu que o que mais tinha perdido não eram os bens que
dizimou, mas a agradável presença do seu pai.
Nesta parábola, o mestre da vida foi mais longe do que
qualquer humanista. Expressou que valorizava mais o homem
do que seus erros, mais a vida do que seus percalços. Também
desta história extraímos que, para ele, o retorno sempre é
possível, ainda que tenhamos dissipado nossas vidas tolamente
e pautado nossa história com perdas, frustrações e fragilidades.
Nem mesmo Judas escapou da sua gentileza. Jesus tinha
todos os motivos para expor publicamente a traição deste
discípulo, mas além de o ter poupado diante dos demais, o tratou
com distinção até no ato da traição.
Ensinou a chorar quando necessário. Muitas vezes nossos
sentimentos ficam represados. Não poucas pessoas sentem a
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
necessidade de chorar e não conseguem. O próprio Jesus não
teve medo ou vergonha de chorar. Uma das experiências mais
importantes de Pedro foi quando ele caiu em si, reconheceu
que estava encarcerado pelo medo e chorou. Ao treinar a emoção
de Pedro, ele treinava a emoção de todos nós.
Ensinou o caminho da autenticidade. Ao dizer, momentos
antes de ser preso, que sua alma estava profundamente
angustiada até a morte, usou sua própria dor para treinar seus
discípulos a ser autênticos, a não disfarçar seus sentimentos,
mas aprender a falar dos seus conflitos, ainda que fosse com
alguns amigos mais íntimos. Infelizmente, muitos não
conseguem abrir a boca para falar de si mesmos.
Ensinou a respeitar o direito de decisão das pessoas. O
mestre da vida treinou os impulsivos a pensar antes de reagir e
os autoritários a expor e a não impor as idéias. Seus discípulos
aprendiam com ele a não usar de qualquer pressão para
convencer as pessoas a aderir às suas idéias. Apesar de dizer que
tinha a água e o pão que matavam a sede e a fome da alma,
nunca obrigava as pessoas a comer e beber dele, apenas as
convidava. Ninguém era obrigado a segui-lo. Deu-nos uma lição
inesquecível: o amor só consegue florescer no solo da liberdade.
Ensinou a arte da sensibilidade. Há pouco tempo, um
amigo oncologista disse-me que ele e alguns de seus colegas
médicos, por tratarem de pessoas com câncer e lidarem
constantemente com a morte, estavam perdendo a sensibilidade,
sentiam dificuldades de se comover com a angústia dos outros.
De fato, quem observa freqüentemente a dor e a morte, tais
como os médicos, os enfermeiros, os policiais, os soldados nas
guerras, pode se psicoadaptar aos sentimentos das pessoas e
deixar de se encantar com a existência, o que conspira contra a
qualidade de vida.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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Ao dar importância para a história e para os conflitos de
cada pessoa, o mestre da vida treinava a sensibilidade dos seus
discípulos. Sua capacidade em se doar era admirável. Os
discípulos queriam que ele estivesse nos patamares mais altos
do poder e da fama, mas ele procurava os doentes, os que
estavam deprimidos, ansiosos, e fatigados pela vida. Nunca
alguém tão castigado pela vida desenvolveu a mais fina arte da
sensibilidade.
Ensinou o caminho da contemplação do belo. Ao
encorajar seus discípulos a olhar os lírios dos campos e a não
gravitar em torno dos problemas do amanhã, o mestre treinava
seus discípulos a perceber que as coisas mais belas da vida estão
presentes nas coisas mais singelas80. Percorremos
freqüentemente longos e desgastantes caminhos para procurar
a felicidade e não percebemos que aquilo que mais procuramos
muitas vezes está mais perto do que imaginamos.
Ensinou o caminho para ser uma pessoa sociável e
agradável. Treinou seus discípulos a gostar do cheiro de gente,
a analisar os comportamentos das pessoas, a perceber seus
sentimentos mais ocultos, a ser sábios e atraentes em seu falar.
Os que conviviam com o mestre da vida lapidavam sua postura
áspera e austera e se tornavam serenos, educados e finos. O
próprio Jesus era tão agradável que todos queriam estar ao seu
lado. Mulheres, homens, velhos e crianças concorriam para vêlo,
tocá-lo e manter algum diálogo com ele.
As lições de vida e o treinamento da emoção de Jesus
Cristo revelam que ele conquistou uma humanidade que atingiu
o topo da sabedoria, da mansidão, da gentileza, da singeleza, do
respeito pelos direitos humanos, da capacidade de se doar, da
preocupação com o destino da humanidade. Por isso, embora
nunca tenha tido privilégios sociais, por onde quer que passasse,
As lições e Treinamento da Emoção do Mestre da Vida
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
provocava um suspiro prazeroso nas pessoas. Ao encontrá-lo,
muitos renovavam suas esperanças e reacendiam um novo ânimo
de vida. Quando ele foi preso, todos estavam desesperados e
impacientes.
O resultado
Sob as lições de vida e o treinamento da emoção
produzidos pelo mestre da vida, pescadores rudes e sem qualquer
qualificação intelectual, após sua morte, levaram adiante a
bandeira da maior revolução da história. Ele os treinou
exteriormente e transformou-os interiormente.
Depois que passaram pelo refinado treinamento do mestre,
eles nunca mais foram os mesmos, pois incorporaram pouco a
pouco as mais belas e importantes características da inteligência,
aprenderam a navegar nas águas da emoção, a superar o medo,
a perdoar, a pedir desculpas, a derramar lágrimas, a abrir as
portas da criatividade, a refinar a arte de pensar, a esculpir a
linguagem do amor. Tais homens se tornaram uma luz num
mundo escuro e, por vezes, inumano. Estudaremos este assunto
no livro “O MESTRE INESQUECÍVEL”*
O maior comunicador do mundo foi o maior educador
do mundo, teve o maior plano do mundo, foi o maior
empreendedor do mundo, viveu o maior amor do mundo e
causou a maior revolução do mundo. O resultado é que bilhões
de pessoas de todas as raças, culturas, religiões e condições sóciofinanceiras
dizem segui-lo. E a parte do globo que diz não ser
cristã, nutre profunda admiração por ele.
* Cury, Augusto J., Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre Inesquecível, Academia de Inteligência,
São Paulo, a ser publicado em 2002.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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Final do julgamento: a grande surpresa
ao sair da casa de Pilatos
Quando alguém perde o seu poder numa sociedade, é
colocado em segundo plano e deixa de influenciar o ambiente.
Jesus Cristo, ao contrário, conseguiu um feito extraordinário.
Quando assumiu plenamente sua condição humana, quando
deixou de lado seus feitos sobrenaturais e sua exímia capacidade
de argumentação, foi espantosamente ainda mais fascinante.
Livre, ele fez milagres e proferiu discursos com incrível
sabedoria, arrebatando multidões. Preso, ele produziu olhares,
pequenas frases e gestos quase imperceptíveis, que nos deixam
perplexos.
Num ambiente onde só havia espaço para sentir o medo
e o desespero, ele exalou tranqüilidade. Numa esfera onde só
era possível reagir irracionalmente, ele expressou a mais bela
afetividade e capacidade de pensar.
Agora ele foi julgado e está mutilado. Em menos de doze
horas seus inimigos destruíram seu corpo. O filho do homem
não tinha mais força para caminhar... Fizeram com ele o que
não fizeram com ninguém que enfrentaria o suplício da cruz.
O mais amável e poderoso dos homens estava com
dezenas de pontos hemorrágicos sobre sua cabeça. Sua face
estava mutilada e inchada. Os olhos deviam estar quase invisíveis
pelos traumas, pelo edema das pálpebras. Os músculos do
abdome estavam feridos. Não conseguia andar direito. A
musculatura das pernas estava lesada. A pele das costas estava
aberta pelos açoites. Seu corpo estava desidratado.
Jesus ainda está diante de Pilatos e o vê lavar as suas mãos.
Assiste-lhe fazer a vontade dos judeus e entregar-lhe para ser
As lições e Treinamento da Emoção do Mestre da Vida
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
crucificado. O mestre da vida estava profudamente ferido e
sem energia para carregar a cruz.
Lá fora, uma multidão de homens e mulheres impassíveis
queria notícias. Desejam saber o veredicto romano. De repente,
um homem quase irreconhecível, carregando com enorme
dificuldade uma trave de madeira, aparece.
A multidão ficou chocada. Parecia uma miragem. Não
acreditavam na cena. O mais manso dos homens estava
profundamente ferido. O homem que fez milagres
estarrecedores foi desfigurado. O único homem que discursou
ser a fonte da vida eterna estava morrendo. O poeta do amor
estava sangrando.
A cena era impressionante. A angústia tomou conta de
milhares de homens e mulheres. Um cordão humano foi feito
para Jesus passar. Fico imaginando o que não se passava na
mente daquelas pessoas sofridas que foram cativadas por ele e
ganharam um novo sentido de vida.
Fico pensando como o sonho delas se converteu em um
grande pesadelo. Perturbadas, talvez cada uma delas fizesse
inúmeras perguntas para si mesmas: Será que tudo o que ele
falou não era real? Será que a vida eterna, sobre a qual ele tanto
discursou, inexiste? Será que nunca mais encontraremos as
pessoas que amamos e que fecharam os olhos para a existência?
Se ele é o filho de Deus, onde está o seu poder?
O povo estava estarrecido. Ao contemplarem o mestre
do amor cambaleante e sem energia para carregar a cruz, não
suportaram. Todos começaram a chorar. Lucas descreve o
desespero incontido daquelas pessoas. A esperança dos que
vieram de tão longe para vê-lo se evaporou como uma gota
d’água no calor do meio-dia.
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
239
O sangue escorria pela cabeça de Jesus e as lágrimas
rolavam pelo rosto dos que o amavam. O sangue e as lágrimas
se misturaram num dos mais emocionantes cenários da história.
Aparentemente ele era o mais fracassado dos homens,
mas, apesar de desfigurado, conseguia ainda causar um grande
impacto nas pessoas. Os homens do sinédrio e da política
romana não imaginavam que ele fosse tão querido.
Estava tão abatido que não tinha forças para carregar aquilo
que ele mais queria: a cruz. Ao carregá-la, caía freqüentemente,
por isso precisou ser ajudado. Seu corpo todo doía, seus
músculos traumatizados mal conseguiam se movimentar. Não
havia, portanto, condições físicas e psíquicas para que se
preocupasse com mais nada, a não ser consigo mesmo.
Entretanto, ao observar as lágrimas dos que o amavam, não
suportou. Seu coração se derreteu...
Parou subitamente. Ergueu seus olhos! Conseguiu reunir
forças para dizer palavras sublimes para aliviar a inconsolável
multidão. As palavras que ele proferiu, bem como todos os
mistérios envolvidos na sua travessia para o Gólgota, na sua
crucificação e até a última batida do seu coração serão analisados
no próximo livro da coleção, “O MESTRE DO AMOR”*.
As lições inesquecíveis para nossa vida
Ninguém disse o que Jesus disse quando todas as células
do seu corpo morriam. Ele nos deu lições inesquecíveis da aurora
ao ocaso de sua vida, enquanto proferia belíssimos discursos
até às suas reações ofegantes. Mostrou-nos que a vida é o maior
espetáculo do mundo!
* Cury, Augusto J., Análise da Inteligência de Cristo- O Mestre do Amor, Academia de Inteligência, São
Paulo, no prelo.
As lições e Treinamento da Emoção do Mestre da Vida
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Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Vida
A vida que pulsa na criatividade das crianças, na despedida
dos amigos, no abraço apertado dos pais, na solidão de um
doente, no choro dos que perdem seus amados era para o mestre
dos mestres a obra prima do Autor da existência. Por isso
planejou derramar a sua alma na morte para que a vida humana
continuasse a pulsar.
Quando você estiver só no meio da multidão, quando errar,
fracassar e ninguém o compreender, quando as lágrimas que
você nunca teve coragem de chorar escorrerem silenciosamente
em sua emoção e sentir que não tem mais forças para continuar
sua jornada, não se desespere!
Pare! Faça uma pausa na sua vida! Não dispare o gatilho
da agressividade e do auto-abandono! Enfrente seu medo! Faça
do seu medo nutriente para sua força. Destrave a sua inteligência,
abra as janelas da sua mente, areje o seu espírito! Não seja um
técnico na vida, mas um pequeno aprendiz. Permita-se ser
ensinado pelos outros, aprenda lições dos seus erros e
dificuldades. Liberte-se do cárcere da emoção e dos pensamentos
negativos. Jamais se psicoadapte à sua miséria!
Lembre-se do mestre da vida! Ele nos convidou para
sermos livres, mesmo diante das turbulências, perdas e fracassos,
mesmo sem haver nenhum motivo exterior para nos alegrarmos.
Tenha a mais legítima de todas as ambições: ambicione ser
feliz! A matemática da sua emoção agradece.
Recorde que Jesus Cristo passou pelos mais dramáticos
sofrimentos como um ser humano igual a você e os superou
com a mais alta dignidade. Seja apaixonado pela vida como ele
foi. Lembre-se de que por amar apaixonadamente a humanidade
ele teve o mais ambicioso plano da história. Recorde que, neste
plano, você não é mais um número na multidão.
A vida que pulsa na sua alma o torna uma pessoa especial,
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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inigualável, por mais dificuldades que atravesse, por mais
conflitos que tenha. Portanto, erga seus olhos e olhe para o
horizonte! Enxergue o que ninguém consegue ver! Veja um oásis
no fim do seu longo e escaldante deserto!
Saiba que as flores mais lindas sucedem os invernos mais
rigorosos. Tenha convicção de que dos momentos mais difíceis
de sua vida você pode escrever os mais belos capítulos de sua
história...
Nunca desista de você! Dê sempre uma chance para si
mesmo. Nunca desista dos outros! Ajude-os a corrigir as rotas
de suas vidas. Mas se não conseguir, poupe energia, proteja a
sua emoção, aguarde que eles decidam ser ajudados. Enquanto
isso, aceite-os do jeito que eles são, ame-os com todos os seus
defeitos. Amar traz saúde para a emoção.
Jesus encantava as pessoas com suas palavras. As
multidões, ao ouvi-lo, renovavam suas forças e reencontravam
um novo sentido para viver! Reacendeu a esperança de muitos,
mesmo quando não tinha energia para falar. Compreendeu o
que é ser homem e fez poemas sobre a vida até sangrando.
Pagou um preço caríssimo para lavrar o árido solo de nossas
emoções. Brilhou onde não havia nenhum raio de sol. Nunca
mais pisou nesta terra alguém tão fascinante como o mestre da
vida...
* A editora Academia de Inteligência autoriza a reprodução do todo ou de parte do último tópico deste
livro, As lições inesquecíveis para nossa vida, para ser distribuído ou afixado em escolas ou em qualquer outra
instituição, desde que citada a fonte.
As lições e Treinamento da Emoção do Mestre da Vida
NOTAS
BIBLIOGRÁFICAS
a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
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245
NotasBibliográficas
1 - João 12:19
2 - Mateus 23:4
3 - Lucas 14:5
4 - Lucas 14:12
5 - Mateus 23:14
6 - João 7:46
7 - João 18:3
8 - João 13:27
9 - Mateus 26:50
10 - João 18:4
11 - João 18:8
12 - João 18:8
13 - João 18:11
14 - Mateus 26:53
15 - João 12:27
16 - Lucas 1:3
17 - Mateus 18:19
18 - Mateus 18:20
19 - Mateus 18:23
20 - Mateus 18:22
21 - Lucas 22:66
22 - Marcos 14:71
23 - João 18:24,25
24 - Lucas 23:2
25 - João 5:40
26 - Mateus 15:8
27 - Mateus 26:64
28 - Mateus 26:64
29 - Mateus 26:65
30 - Marcos 14:65
31 - Lucas 19:41
32 - Mateus 10:28
33 - Mateus 11:29
34 - Mateus 27:1
35 - João 18:31
36 - Lucas 23:34
37 - Mateus 22:21
38 - Lucas 13:1
39 - João 19:14
40 - João 8:12
41 - Mateus 22:21
42 - Lv 20:2,27; Dt 13:10; 17:15
43 - Mateus 27:2
44 - Mateus 27:18
45 - João 18:37
46 - João 18:37
47 - Lucas 23:10
48 - Mateus 27:17
49 - Mateus 27:12
50 - Mateus 27:29
51 - Mateus 27:29
52 - Mateus 27:30
53 - João 19:5
54 - João 19:7
55 - João 19:10
56 - João 19:14
57 - João 19:15
58 - João 19:12
59 - Mateus 26:25
60 - Apocalipse 21:4
61 - João 8:14
62 - Lucas 14:9
63 - Mateus 18:3
64 - João 14:9
65 - Judas 1:25
66 - Mateus 16:9
67 - Salmo 139
68 - Salmo 139:3,4
69 - Apocalipse 1:18
70 - Apocalipse 22:13
71 - Apocalipse 22:13
72 - João 17:5
73 - Mateus 1:23
74 - Isaías 9:6
75 - Salmo 139:4
76 - João 2:25
77 -Mateus 5:43 a 45
78 -Mateus 7:3
79 -Mateus 8:24
80 -Mateus 6:28
Foram utilizadas as seguintes versões dos evangelhos: A Bíblia de Jerusalém, TEBBíblia
Ecumênica, João Ferreira de Almeida R. A., Kimg James e Recovery Version.
Análise da Inteligência de Cristo
O MESTRE DOS MESTRES
(editora Academia de Inteligência, São Paulo, 2000)
O mundo comemora o nascimento
de Cristo, mas as pessoas não têm idéia
de como sua personalidade era intrigante
e sofisticada. Ele foi o mestre dos mestres
da escola da existência, a escola da
vida, uma escola na qual muitos psiquiatras,
intelectuais e cientistas são pequenos
aprendizes.
Este livro, ao estudar a inteligência de Cristo, resgata
uma dívida da Psicologia, que se omitiu até hoje em
pesquisá-la, trazendo à luz as características da personalidade
Daquele que dividiu a história da humanidade.
Não importa o tipo de cultura, escolaridade, religião,
status social e condição financeira que o leitor desse
livro tenha. Cristo é universal e investigar a Sua inteligência
anima o pensamento, rompe o cárcere intelectual, expande
a inteligência, estimula a sabedoria e enriquece o
prazer de viver. Quem estudá-la nunca mais será o mesmo.
Análise da Inteligência de Cristo
O MESTRE DA SENSIBILIDADE
(editora Academia de Inteligência, São Paulo, 2000)
Podemos estudar os grandes pensadores,
tais como Platão, Descartes, Max
Weber, Hegel, Darwin, Freud, todavia
ninguém teve uma personalidade tão
complexa, misteriosa e difícil de ser compreendida
como a de Jesus Cristo. Ele
não apenas causou perplexidade nos homens
mais cultos de sua época, mas, ainda
hoje, Seus pensamentos são capazes
de perturbar a mente de qualquer um que queira estudá-
Lo, livre de julgamentos preconcebidos.
As sementes que Ele plantou germinaram na mente
e no espírito daqueles galileus e incendiaram o mundo.
Ele causou a maior revolução da História, entretanto, não
desembainhou uma espada e não usou de qualquer violência.
Foi, sem dúvida, o Mestre da sensibilidade.
A vida não O poupou. Do nascimento até à morte,
Ele passou pelas mais amargas situações de sofrimento.
Entretanto, para nosso espanto, Ele era uma pessoa alegre
e que irradiava tranqüilidade. Tinha uma habilidade
ímpar para gerenciar Seus pensamentos e trabalhar as Suas
angústias.
Sua motivação para cumprir Suas metas era surpreendente.
Ao cair da última folha do inverno, conseguia
ver as flores da primavera.
Estudar o Mestre da sensibilidade não apenas nos encantará,
mas nos fará revisar as avenidas principais de nossas
vidas.
A PIOR PRISÃO DO MUNDO
(editora Academia de Inteligência, São Paulo, 2000)
A PIOR PRISÃO DO MUNDO é
um livro apaixonante, esclarecedor, cujo
objetivo é mostrar que a pior prisão do
mundo é a que aprisiona a nossa emoção
e nos impede de sermos livres e felizes.
Diversas doenças, tais como a
depressão, a síndrome do pânico, os
transtornos obsessivos, as fobias, encarceram a emoção.
Entre elas também se encontra a dependência de drogas
ou a farmacodependência. Nada prejudica tanto a emoção
como gravitar em torno dos efeitos de uma droga. Quem
é prisioneiro no âmago da sua alma, além de perder a
liberdade de pensar, faz de sua vida um atoleiro de tédio e
de angústia.
Neste livro, Augusto Cury evidencia que as relações
entre pais e filhos e entre educadores e alunos precisam
passar por uma verdadeira revolução. Todos dividem o
mesmo espaço, respiram o mesmo ar, mas vivem em
mundos diferentes. Estão próximos fisicamente, mas
distantes interiormente, o que os torna um grupo de
estranhos.
A PIOR PRISÃO DO MUNDO interessa aos que
desejam compreender com profundidade o cárcere das
drogas, os segredos do funcionamento da mente humana,
e aos que almejam maior qualidade de vida e ser livres
dentro de si mesmos.
INTELIGÊNCIA MULTIFOCAL
(editora Cultrix, São Paulo, 1998)
Há livros que nos inspiram, que
nos emocionam, mas não modificam a
nossa história pessoal. Mas há alguns que
revolucionam a Ciência, estilhaçam os
paradigmas intelectuais e modificam para
sempre a nossa maneira de pensar o
mundo e a nós mesmos.
Inteligência Multifocal enquadra-se
nesta última categoria. Seu autor, o dr.
Augusto Jorge Cury, é um cientista teórico, pensador
humanista da Psicologia e da Filosofia, psiquiatra,
psicoterapeuta e consultor de universidades para o desenvolvimento
da inteligência multifocal. Suas idéias são originais,
profundas, eloqüentes e críticas. Unindo a Psicologia
com a Filosofia, ele abre as janelas da nossa inteligência,
estimula-nos a desenvolver a arte de pensar e desvenda-
nos o complexo funcionamento da mente humana.
Atualmente, as teorias de maior impacto que
enfatizam a área do desenvolvimento da inteligência são
teoria da Inteligência Emocional, de Daniel Goleman, e a teoria
das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner.
Levando em conta o fato de que todos os processos
de construção da inteligência são multifocais, a teoria
proposta pelo dr. Cury tem sobre essas duas teorias e sobre
todas as outras a vantagem de ser muito mais
abrangente, pois envolve toda produção intelectual, histórica,
cultural, emocional e social criada na trajetória da
existência humana.
A DEPRESSÃO DE FREUD
(editora Academia de Inteligência, São Paulo, 2001)
O pai da psicanálise foi um dos
maiores pensadores do século XX. Suas
idéias influenciaram a psicologia, a
pintura, a escultura, a literatura, a
filosofia, o cinema e muitas outras áreas
da cultura. Era um pensador ousado,
lúcido e criativo. Entretanto, poucos
sabem, mas numa fase avançada de sua
vida experimentou o topo da dor humana: a dor da
depressão.
Freud tratou de tantas pessoas, cuidou da emoção
de muitos pacientes. Contudo, chegou sua vez de enfrentar
as águas turbulentas da emoção e se deparar com o último
estágio da dor humana. Neste livro será analisada uma
carta escrita pelo próprio Freud, que revela um período
importante e caótico de sua vida.
O autor usa uma nova e importante teoria para
desvendar os segredos da mente de Freud. Seremos
ajudados a compreender os mecanismos que produzem
os transtornos emocionais e estimulados a nos
autoconhecer e a transitar com sabedoria no solo da
existência. Ficaremos impressionados ao constatarmos que
não há gigantes no território da emoção, todos somos
eternos aprendizes.
Opiniões de alguns leitores:
”O seu livro “ANÁLISE DA INTELIGÊNCIA DE
CRISTO-vol. 1 e 2 é fantástico e está longe de ser um livro de autoajuda,
masumlivrodeconscientizaçãoparanossarealestrutura
ontológica”. B.A.C.
” Estou encantada com a obra “ANÁLISE DA
INTELIGÊNCIA DE CRISTO-vol1- vol2. De fato nunca se
ouve falar sobre a profundidade do ser do Mestre Jesus.”N.L.
“Ao ler sua obra “ANÁLISE DA INTELIGÊNCIA DE
CRISTO”vol1 E vol2 ,senti reacender em mim a paixão por Jesus
Cristo. Agradeçopormimepormilharesdepessoasqueleramseus
livrosesentiramsuasvidasmudarem. I.D.
”Li a coleção “ANÁLISE DA INTELIGÊNCIA DE
CRISTO” e a “A PIOR PRISÃO DO MUNDO” e achei
fantásticos.Posso dizer até que é uma obra rara. Após ler os livros
inicieiimediatamenteaplicandoatravésdeexercíciopráticoalgumas
desuascolocações, queestãofacilitandosignificativamenteminha
maneiradeencararavidaemtodososcampos, doprofissionalao
pessoal.”G.P.Z.
”Parabénspelasuaobra. Vocêé umdessesrarosastrosquevoltae
meiavemiluminandoocaosliterárioqueenvolveosassuntosde
Deus...” R.F.
“Soumédicoedesdemeus15anosleioaBíblia, maisquequalquer
outroassuntoemparticular, mascomseuslivrosdeparei-mecom
umpontodevistasobreamentedeJesusquejamaistinhapercebido
eestouperplexo: Jesusfoie é muito, muitomaisimpressionantedo
que eu poderia conceber! “H.C.S.
“O Cárcere da emoção”
Coleção
“Análise da Inteligência de Cristo”
“O Mestre do Amor” - vol 4
“O Mestre Inesquecível” - vol 5
Próximos lançamentos da editora
A Editora Academia de
Inteligênciaagradeceatodosos
leitoresque, comopoetasdavida,
têmdifundidonossoslivros
aosamigos, parentes, dentrodesua
empresaeprincipalmentenasescolas
dopaíseaté emlivrariaslongínquas.
Nós, daeditora, autorizamose
encorajamososleitoresadar
palestrasnasescolasougrupossociais
usandooconteúdodesteslivros, desde
quecitadaafonte.
Agradecemosatodososleitores
quenostêmenviado
e-mailsemitindosuasopiniõesedizendo
quesuasvidasganharamnovosignificado
a partir da leitura destes livros.
Editora Academia de Inteligência
Contatos:
Email: academiaint@mdbrasil.com.br
Telefax: (17) 3342-4844
Contatos com o Autor:
E-mail: jcury@mdbrasil.com.br

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